Capítulo 2 — "Eu... eu sou muito limpo..."
Jiang Yunshu estava sentado no sofá, segurando aquele panfleto de educação sexual que o médico enfiara na sua mão como se fosse a coisa mais natural do mundo. Folheando em transe, ele chegou à terceira página... e congelou.
Então... ele era gay?
Ou melhor... o corpo dele era gay?
Ou...?
Virou outra página.
Ah, não. Não era isso.
Era heterossexual.
Ele piscou devagar.
Então... ele tinha uma esposa.
Do nada.
Sem aviso.
Virou mais algumas páginas.
Quando chegou na página doze, a expressão dele simplesmente desabou. O choque era tão claro que até o silêncio ao redor parecia constrangedor. Ele ergueu os olhos, encarando o abdômen completamente plano do garoto encolhido no canto do sofá.
— Você... você pode engravidar? — perguntou, incrédulo.
Se fosse verdade... este mundo tinha alcançado um nível de evolução e caos jamais visto.
A mente dele voltou instintivamente a uma cena antiga. Quando ainda vivia no outro mundo, certa vez estava entregando relatórios na obstetrícia. De repente, ouviu um grito que atravessou todo o corredor:
— Já que você é tão bom, então vai lá você e dá à luz pelo cu! Saia daqui! Fique longe de nós, mulheres!
Um homem assustado saiu correndo da enfermaria, o cabelo desgrenhado, com mechas claramente arrancadas.
Ao lado de Jiang Yunshu, o Dr. Lin suspirou, exausto:
— A mulher teve complicações durante o parto. Minha assistente saiu pra avisar a família, e o marido perguntou se era menino ou menina... antes mesmo de perguntar se a esposa estava bem. Quando a mãe e a filha finalmente ficaram fora de perigo, o desgraçado só então relaxou. Homem é tudo igual...
Jiang Yunshu riu sem humor, batendo no ombro do colega.
Ambos sabiam que aquele departamento fazia qualquer médico duvidar da humanidade.
A lembrança se dissipou.
A sala voltou ao silêncio.
No sofá, o garoto — Bai Tang — estava encolhido como se tentasse desaparecer dentro da própria roupa. As mãos estavam imóveis sobre os joelhos finos. A coluna, que já era curvada pelo hábito, ficou ainda menor com a pergunta.
— Eu... sim... — ele murmurou, praticamente inaudível.
Jiang Yunshu percebeu de imediato a própria grosseria.
— Desculpa — disse, sincero.
O menino sacudiu a cabeça depressa, assustado até com um pedido de desculpas.
Jiang Yunshu decidiu ir pelo básico:
— Qual é seu nome?
— Bai Tang... — respondeu ele, baixinho.
— Bai Tang — repetiu Jiang Yunshu, com um pequeno sorriso. — É um nome bonito.
Não houve reação. O garoto permaneceu curvado, impenetrável, como se não merecesse receber elogios.
— Quantos anos você tem?
— Vinte... vinte e um...
Jiang Yunshu ficou aliviado. Ao menos não parecia um caso de menor de idade.
— Você tem algum problema de saúde? Um histórico médico que eu deva saber?
— Não! — Bai Tang ergueu a cabeça de súbito, apavorado. — N-não... eu sou... eu sou muito limpo...
"Limpo."
Palavra estranha.
Fora de lugar.
Como se estivesse se justificando.
Como se estivesse acostumado a se justificar.
Jiang Yunshu sentiu um incômodo que não sabia explicar.
A conversa parou mais uma vez, mergulhando a sala naquele silêncio educado e desconfortável de casais que não se conhecem — e talvez nunca tenham se amado. De certa forma, isso aliviou Jiang Yunshu. Seria muito mais fácil se ninguém estivesse emocionalmente envolvido.
Ele tinha medo de ferir alguém ao assumir uma vida que não era sua.
Antes que pudesse continuar, porém, ele viu um rastro de fumaça branca escapando da porta da cozinha.
— Você está cozinhando? — perguntou.
— S-sim, senhor... — Bai Tang agarrou o pano do joelho, tenso. — Eu... eu...
— Vá. — disse Jiang Yunshu, gentil.
O garoto pareceu soltar um suspiro aliviado — pequeno, quase invisível — mas suficiente para Jiang Yunshu perceber.
Mesmo assim, não comentou.
— Precisa de ajuda?
— N-não! — Bai Tang recusou rápido demais, assustado demais. — Eu posso... posso fazer sozinho.
— Tudo bem.
Enquanto o garoto voltava à cozinha, Jiang Yunshu começou a explorar a casa.
A casa era bonita. A luz do sol entrava pelas janelas, o tom quente das cortinas suavizava o ambiente... tudo parecia confortável, acolhedor.
Mas conforme ele vasculhava, descobriu a outra camada:
a vida extremamente competente, talentosa e... rica... de Jiang Yunsu.
Troféus de design de joias, prêmios internacionais, diplomas. Um guarda-roupa cheio de ternos caros.
E então... o último armário.
Ele abriu — e imediatamente se afastou.
Chicotes.
Bengalas.
Algemas.
Cordas.
E outros itens que nem queria nomear.
Fechou a porta devagar, como quem empurra um fantasma de volta para dentro do armário.
Desceu as escadas com a cabeça latejando. Existia muita coisa sobre a vida do dono original que ele precisava entender. E rápido.
Quando chegou, Bai Tang já o esperava — encolhido próximo à escada, como se não tivesse coragem de chamá-lo.
— Senhor... a comida... já está pronta... ainda está quente...
— Obrigado — respondeu Jiang Yunshu, indo lavar as mãos.
A mesa estava posta.
Quatro pratos e uma sopa — comida rica, pesada, farta.
Mas só havia um conjunto de talheres.
Antes que ele perguntasse, viu Bai Tang puxando uma mesinha dobrável da cozinha. Colocou o próprio prato ali — uma tigela de arroz pela metade e alguns legumes murchos.
A mesinha ficava bem abaixo da mesa principal, como um móvel para criança.
Bai Tang se encolheu sobre o banco minúsculo, cabeça baixa, esperando permissão para mover os pauzinhos.
Esperando ordens.
Jiang Yunshu franziu o cenho.
— Vai comer só isso? Sente-se aqui e coma direito — disse, apontando para a mesa.
— Eu... eu posso comer aqui mesmo, senhor... o-obrigado... — murmurou o garoto, recuando ainda mais.
— A mesa é grande — tentou Jiang Yunshu. — Pode sentar do outro lado.
— N-não precisa... eu... eu estou bem assim...
Jiang Yunshu perdeu a fala.
O silêncio voltou — denso, pesado, sufocante.
E dentro dele, a sensação de que algo estava muito, muito errado crescia cada vez mais.
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Why Is It Possible For This Type Of A To Also Have An O?
General FictionTítulo: Como é possível que esse tipo de A também tenha um O? Autor(es)图 南 鲸 Status: Sinopse: Depois de 18 horas de operação, um certo médico muito bonito morreu na mesa de cirurgia - só para acordar e descobrir que havia transmigrado para o corpo...
