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Fez a compra da cama pelo celular e falou com a equipe de entrega. Quando mencionou que havia um ômega em casa, o atendente nem hesitou:
— Certo. Mandaremos um beta entregar.
E ali, naquele detalhe simples, Jiang Yunshu percebeu o tamanho do estrago que poderia acontecer se alguém errado entrasse na casa. Bastava um segundo. Bastava um olhar mais duro.
— Envia depois das oito. Eu vou estar em casa.
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Só então percebeu um absurdo: ele não tinha nenhum contato de Bai Tang no celular. Nenhum. Nem mensagem, nem número pessoal. Só o telefone da casa: Villas do Rio Garça Branca.
Ligou.
Depois de alguns segundos de música triste, a voz dele veio — tímida, baixa, com aquele tremor constante.
— A-alô? É o senhor...?
— Sou eu — disse Jiang Yunshu. — Não volto pro jantar. Comprei uma cama. Vão entregar à noite.
— O-ok... senhor. Vá com cuidado, por favor...
— Tá. Pode desligar primeiro.
Bai Tang sempre desligava primeiro. Sempre.
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O clima estava estranho, abafado, nublado, como se o mundo já soubesse que alguma coisa daria errado. No caminho para o trabalho, Jiang Yunshu observou os estudantes. O gênero de alfa e beta era fácil de perceber. Mas ômegas... não tinha quase nenhum. Era como se eles não existissem no espaço público.
Um mundo que ele conhecia, mas que agora parecia cada dia mais errado.
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Foi à empresa porque a secretária ligou insistindo. O prédio era tão gigantesco que, por alguns minutos, ele achou que era dono daquilo tudo. Sua alma subiu ao céu e voltou, antes de descobrir que só possuía do 38º ao 40º.
Um alívio quase espiritual.
O secretário Xu o recebeu sorridente demais para uma segunda-feira.
— Senhor Jiang! Já está melhor?
— Mais ou menos — respondeu, pousando o olhar nos documentos como se fossem escritos em mandarim arcaico.
Eram. Ou, pelo menos, era o mesmo efeito.
Xu perguntou:
— Qual projeto o senhor pretende assumir?
Jiang Yunshu devolveu o sorriso mais educado que tinha.
— Perdi a memória. Melhor passar tudo para outros designers.
O secretário quase engasgou com o próprio ar.
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Já eram 19h30 quando ele jantou na própria empresa, comprou um livro de design básico — afinal, precisava manter as aparências— e voltou para casa.
E lá estava Bai Tang, ajoelhado na porta, pronto para trocar os chinelos dele como se aquilo fosse sua maior obrigação no mundo.
Foi impossível não travar por dentro.
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Às 20h15, a cama chegou. Bai Tang observava de longe, sentado com as costas totalmente rígidas, encarando os entregadores como se fossem criaturas perigosas capazes de causar guerra no mundo com um único passo errado.
Quando se foram, Jiang Yunshu perguntou:
— Bai Tang, você tem lençóis novos?
O ômega quase tropeçou de tanta pressa ao subir as escadas.
— T-tem sim, senhor... eu pego agora mesmo...!
Ele voltou com os braços cheios de lençóis. Entregou tudo como se estivesse oferecendo algo valioso.
— Obrigado — disse Jiang Yunshu.
Bai Tang empalideceu.
— N-não precisa agradecer! Eu... é o meu dever! — abanou as mãos, desesperado, como se tivesse cometido um erro só por ouvi-lo agradecer.
Porque a verdade era simples e dura:
Bai Tang não o conhecia.
Não sabia seu nome inteiro, sua família, seus amigos, seus gostos.
Eles mal trocavam dez frases por dia.
A comida continuava salgada.
Bai Tang limpava tudo como se sua vida dependesse disso.
Não deixava Jiang Yunshu tocar em nada.
Viviam como completos estranhos.
E Jiang Yunshu percebeu, aos poucos:
O problema nunca foi Bai Tang.
Foi o homem que veio antes dele.
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Uma semana depois, algo finalmente quebrou.
Bai Tang estava tão concentrado na cozinha que não ouviu a porta.
— Cheguei.
— Ah!! — O susto dele foi tão forte que o corpo inteiro saltou. No movimento brusco, a tigela de vidro caiu no chão e se estilhaçou, espalhando pedaços por toda a cozinha.
O som ecoou como um trovão.
Jiang Yunshu ergueu a mão instintivamente para impedir que ele se aproximasse dos cacos — um gesto simples, automático.
Mas, para Bai Tang, aquele levantar de mão...
...era um golpe prestes a vir.
As pupilas encolheram. O corpo recuou tanto que parecia que ia atravessar a parede. E, ao tropeçar, um caco entrou no chinelo e rasgou seu pé.
— Bai Tang! Não se mexa! — Jiang Yunshu correu.
Mas era tarde.
O ômega já estava no chão, encolhido, protegendo a cabeça, tremendo tão forte que parecia que ia desaparecer.
— Eu... eu estava errado... — soluçou, a voz quebrando entre cada respiração. — Senhor... por favor... eu estava errado... não me bata... não me bata... eu não quis... d-desculpa...
E ali, naquele chão frio da cozinha, o coração de Jiang Yunshu simplesmente desabou.
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Why Is It Possible For This Type Of A To Also Have An O?
General FictionTítulo: Como é possível que esse tipo de A também tenha um O? Autor(es)图 南 鲸 Status: Sinopse: Depois de 18 horas de operação, um certo médico muito bonito morreu na mesa de cirurgia - só para acordar e descobrir que havia transmigrado para o corpo...
CAP 4
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