Capítulo 3 - Zachary

119 12 0
                                    

Não, o meu mau humor não tem nada a ver com a noite desastrosa que tive. Tudo bem, talvez tenha um pouco. A verdade é que  não conseguia me esquecer do gosto daquele beijo e, muito menos, aceitar que ela foi para casa com o Logan. Ao verificar no quadro o médico que acompanharia, tive certeza de que deveria ser algum tipo de carma, seja lá o que isso signifique, já que uma ex minha atribuía tudo ao carma. Nem sei o porquê estou me lembrando dela, afinal não é nenhuma motivação lembrar-me de uma mulher que jogou um copo de vinho em meu rosto durante um jantar em um restaurante caro, só porque me esqueci de que estávamos completando seis meses juntos. Já estava pagando o jantar e lhe daria um ótimo fim de noite, então, qual a diferença entre recordar ou não uma data?

Estou perdendo o foco. Estava falando sobre o quadro no qual descobrimos quem iremos acompanhar. O Logan ficou com o Dr. Hawkins, simplesmente o melhor neurologista do New York Memorial Hospital Center. Eu, com a traumatologista Dra. Stevens.

Podem achar que  me dê bem com todas as mulheres por causa da minha aparência. Estão certos. Porém, eu me dou bem com todas as mulheres, menos com a Dra. Stevens. Hoje não seria diferente, ela simplesmente é uma megera comigo e nada que  faça está bom, nada que diga está certo.

Assim, na ronda aos pacientes dela, a Dra. Stevens me deu as pranchetas e quis ouvir meus comentários a respeito do diagnóstico e do tratamento. A mulher, que tem idade para ser minha mãe, andou sempre ao meu lado sem dizer uma só palavra. Tudo correu muito bem, até o penúltimo paciente.

Como nos outros casos, entramos na sala, só que dessa vez, infelizmente tratava-se de um adolescente. Não digo pela idade, fatalidades acontecem com todo mundo, porém, adolescentes e crianças estão sempre acompanhado dos pais. Não me dou muito bem com os pais, lembram-se daquelas reações exageradas? Posso lhes garantir que setenta por cento delas é provocada pelos pais.

A Dra. Stevens sorriu para a mãe do rapaz. Ela sabia ser agradável quando queria, tudo bem estou exagerando, ela nunca quis ser agradável apenas comigo, tratava muito bem os demais. A mãe do rapaz, talvez encorajada pelo sorriso – por isso que nunca sorrio para familiares de pacientes –, veio em nossa direção.

Dra. Stevens, alguma notícia para mim? – quis saber e a médica em vez de responder, passou-me a prancheta discretamente. Queria que eu respondesse algo para a mulher. Não acreditei naquilo, entretanto sou um profissional e posso fazê-lo.

Quando olhei na ficha do rapaz,  quase soltei um palavrão. Quinze anos e com uma lesão daquela gravidade. Teve sorte de sobreviver. Estava praticando bungee jump em uma ponte e o elástico quebrou. Caiu de uma altura considerável e bateu as costas, lesionando um pouco abaixo da sexta vértebra cervical. Pelas observações que  li, o garoto jamais voltaria a andar, estava paraplégico.

E então, doutor? Diga que meu filho vai ficar bem, que vamos sair por essa porta, andando.

Uau. Com os olhos, pedi socorro para a Dra. Stevens e ela simplesmente me ignorou. Era uma espécie de teste, alguma droga assim.

Posso lhe dizer que o... – procurei o nome na ficha – o Sloan está estabilizado e fora de perigo – até comecei bem – A região cervical é muito frágil, se fosse mais para cima, poderia ter sido fatal.

Ele não me contou que faria isso, sou contra esses esportes radicais – a mulher comentou, como se aquilo realmente me importasse. Não estava ali para julgar o que ele estava fazendo ou deixando de fazer, portanto, ela não me devia explicações.

Acho que vi um sorriso de satisfação no rosto da doutora e fiquei confiante. Passei no teste! No entanto, excesso de confiança pode ser destrutivo, acreditem nisso. Após verificarmos os medicamentos que haviam sido ministrados e a evolução da recuperação do garoto, estávamos de saída, quando a mãe do paciente, cujo nome  já havia esquecido, voltou-se novamente para mim, segurou em meu braço, impedindo-me de chegar à porta.

ELA (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora