Capítulo 1 - Zachary

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Embora para mim não seja difícil, a caminhada dura aproximadamente cinco minutos. Sou apenas residente, porém, meu superior imediato, o Dr. Jones, tem me incumbido dessa tarefa. Diz que é para o meu amadurecimento, na verdade, sei muito bem que é porque não me sinto mal ao fazê-lo.

Sou um futuro médico, logo, emoções não podem afetar a minha estabilidade. A morte é uma certeza na vida; luto para adiá-la, contudo, se isso não é possível, tenho que ser objetivo e sincero na hora de noticiá-la. Os outros residentes me chamam de homem de gelo por fazê-lo de uma maneira prática; costumo pensar que sou profissional.

Chego à sala de espera. Apesar de trabalhar em um hospital destinado à classe alta, estou no setor de emergência. Os pacientes atendidos aqui definitivamente não fazem parte desta classe. A mulher à minha frente arregala os olhos ao notar a minha presença, apesar de estar com os cabelos desgrenhados e os olhos inchados, consigo perceber que é bonita. Sei que daqui a pouco aquele rosto vai se deformar ainda mais, porque a dor é extremamente feia e isso independe da sua aparência. A respiração dela acelera um pouco e eu ainda nem disse nada, portanto, preocupo-me. Conheço potenciais reações exageradas e sei que estou diante de uma delas.

O paciente número 827... Desculpem-me, estou tentando me lembrar do nome dele e só me recordo do número do caso. Tenho alguns segundos para me recordar, antes de abrir a boca. Hutchins, esse é o sobrenome! Do primeiro nome realmente não consigo me lembrar, o importante é que o Sr. Hutchins, caso 827, envolveu-se em um acidente de automóvel. Conforme disseram os paramédicos, ele não conseguiu frear e o resumo da história: o carro virou um emaranhado de ferros retorcidos embaixo do caminhão que estava à frente. O homem lutou pela vida, isso era indiscutível, pelo estado em que chegou ao hospital, não imaginei que fosse durar muito.

Chris Palmer, residente e futuro cirurgião plástico com que divido o apartamento, apostou comigo que o homem não duraria cinco minutos. Errou feio. Foram exatamente duas horas lutando, até que a morte cerebral fosse confirmada. Se o paciente resistisse, teria que passar por diversas cirurgias plásticas, então, talvez seja menos doloroso, para a mulher diante de mim, que tudo tenha chegado ao fim de uma vez.

Sra. Hutchins? – uso a minha voz solene e, não sei exatamente o porquê me fixo na aliança que ela exibe na mão esquerda. Ela nem ouviu o decreto e seu rosto já se contorce. Eu diria que o marido não resistiu aos múltiplos ferimentos, mas não sou tão frio assim. Prefiro ser sucinto – Sinto muito, seu marido não resistiu.

Então, a reação exagerada que esperava não vem. Fico surpreso, vejo as lágrimas escorrerem e o sofrimento se estampa no rosto dela. Geralmente dou a notícia a vários parentes, porém, ela está sozinha. Minha boca fica seca. Sei que a mulher precisava de um abraço, de ser confortada e de alguém que dissesse que tudo ficaria bem, mesmo que fosse uma mentira, contudo essa pessoa não sou eu.

Mantendo-me no lugar, informo que poderá ver o corpo. Ela franze a testa ao me ouvir falar corpo. Acredito que me xinga mentalmente, mas mantém seu choro silencioso. Falo sobre os trâmites legais e dessa vez tenho certeza de que ela não me escuta. Viro as costas, deixo a sala e a agora viúva fica lá sozinha. Na realidade, ao atravessar a porta, nem me recordo dos traços dela. É sempre assim, caminho com o sentimento de dever cumprido, sem me sentir mal em momento algum.

Enquanto ando pelo longo corredor branco, a única coisa em que consigo pensar é no final do plantão e na boate badalada para a qual a garota, que Chris está pegando, conseguiu entradas vips. Eu tenho certeza de que ele não vai curtir a noite, porque ir acompanhado a um lugar repleto de gostosas é algo, no mínimo, estúpido. Esta noite pretendo me divertir e não voltar sozinho para casa.

*****

A tal boate é exatamente como mencionaram, devo frisar que até um pouco mais. Maya, a garota do Chris – ele odeia que eu a chame assim, porém, continuo fazendo apenas para irritá-lo –, realmente tem contatos muito bons, ou apenas tenha trepado com o dono do lugar; com o corpo que tem e as roupas insinuantes que usa, é minha aposta certa. Se fosse a minha garota, jamais deixaria que se vestisse assim em público. Bem, felizmente não é. O certo é que passamos direto, sem pegar a fila e, em questão de segundos, estamos dentro.

ELA (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora