Prólogo

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Curitiba, Paraná, 15 de março de 1995.

-- Deixem as barracas! Não levem nada, apenas deixem as barracas! -- O líder e sábio, Cigano Artemiro gritava em alto e bom som, para todo o seu povo pudesse lhe ouvir. - Protejam as mulheres e a crianças, nós, os varões, vamos voltar, para tentar salvar o que der. - Comunicou, caminhando em direção as chamas.

Momentos antes...

HAVIA mais de seis anos, que aquele clã circulara pelo Paraná, por vezes eles se mudaram de cidade, mas nunca de estado, aquele era um local que sempre lhes traziam muita tranqüilidade e a tão adorada prosperidade, naquele território, aonde aquele povo se instalara, plantações vingaram, os jardins floreceram, aplacando por consequência, um pouco o espírito nomade.

Até aquela noite...

ALGUMAS horas antes, como de costume, quase todos os homens estavam se banhando no riacho perto das videiras, enquanto as mulheres exemplarmente, cuidavam da refeicao da noite. Dentro da barraca de tecido vermelho, Carmela estava inquieta. Sentada e com o rosto suado, enquanto picava as batatas, ela se lembrou, como uma uma premonição, dos boatos de que os moradores daquele bairro os detestavam, o que mais a intrigava era que nenhum deles, havia sequer, tido a audácia de esplanar publicamente o descontentamento e isso a preocupava, sabia lidar com os figurões, mas nunca com os silenciosos. Há três dias, a cigana carregava um estranho aperto em seu peito, o mesmo que sentira quando estava prestes a perder seu filho Damian, quando morreu afogado. Estava certa de algo iria acontecer, e que esse algo, mudaria o seu destino e o destino de outréns para sempre.

Assim que todos retornaram e acabaram seus afazeres, todos comeram felizes ao som de uma música lenta tirada do instrumento chamado rabiola, a jovem Esmeralda se apresentou com um lindo vestido da mesma cor de seus olhos, e assim que o ritual acabou, todos voltaram contentes para o descanso e conforto das tendas.

Aproximadamente meia noite, Antônia, a cigana mais velha do clã, acordou sentindo um forte calor e um clarao sobre sua cabeça, com certa dificuldade ela se levantou, tossiu e esticou o pescoço para fora dos tecidos se deparando com as grandes e espessas chamas consumindo todo acampamento.

- ARGEMIROOOO! - Ela gritou antes de perder as forças e desmaiar intoxicada pela grossa fumaça.

O cigano, que mesmo adormecido, ouviu seu nome ser pronunciado ao longe, correu em direção ao fogo ao se dar conta do que se tratava. Ali viviam cerca de vinte e cinco famílias e ele precisava acordar todas elas antes de ser tarde demais.

Com muita paciência, Argemiro começou a ir de barraca em barraca alertando e retirando as pessoas, o fogo não perdoou, quando ele estava na metade, a maioria das barracas que ele já havia passado já estavam transformadas em cinzas.

Há altura em que conseguira avisar a quase todos, o cigano se lembrou de sua própria cabana, não recordara ter visto Carmela ou sua filha Carmem acordadas antes de sair, ou seja, na ânsia de ajudar os outros, o homem se esqueceu completamente de se lembrar do que era mais importante para si, sua família. Correndo desesperadamente ao encontro do seu lar, ele chegará tarde demais, as chamas já lhe embaçavam a visão e Carmela já se encontrava morta, na mesma posição em que dormiu, ele conferiu e ela se foi por asfixia.

Tirando os olhos da esposa já falecida, ele correu os olhos pelo local na esperança de encontrar com um sopro de vida a menina Carmem, sua garotinha de apenas cinco anos, logo ele a achou, a pequena estava caída próxima a fenda lateral com um pedaço de madeira quente e chamuscada em suas costas. Com cuidado e ajuda de um pano, ele retirou a tora, verificou a ferida e com cuidado pegou no colo e a levou, mesmo machucada para longe dali.

A culpa acompanharia Argemiro para sempre.

A sorte está LancadaWhere stories live. Discover now