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         A porta é destrancada novamente e passo pela mesma. Incrivelmente eu já estava me acostumando com a nova realidade.
- Tome um banho, depois colha legumes, quero um almoço bem servido! - Ele ordenou.

No primeiro mergulho eu senti como se a vida estivesse voltando para o meu corpo. Uma sensação de descarregamento e carregamento como um inspirar e respirar.

Lavei meus longos cabelos loiros cuidadosamente e vi a água sair escura dos mesmos. Fazia um pouco mais de duas semanas desde a morte da senhora. Alguns dias eu comia e outros não. Quase a mesma rotina dos meus antigos donos. A diferença é que agora esta sendo ainda pior.

Mergulho novamente e nado um pouco sob as águas, vendo o fraco reflexo do sol sob a mesma. Um sinal claro que o inverno estava se aproximando. Dou um último mergulho antes de sair da mesma. Me enxugo com o pano que ele mesmo me deu e lembro-me de que devo pedir permissão para pegar minha pequena mala do celeiro. Estava com medo de chegar o inverno e não ter nada além do chão frio da jaula para me aquecer. E querendo ou não eu sabia que meu bem-estar não era uma preocupação do meu dono.

Caminho em direção á casa e procuro a cesta que ele disse que deixaria para mim. Certifico-me de procurar bem antes de pergunta-lo onde está. Mas acabo a achando debaixo da bancada de madeira da cozinha. Assim que desço os dois degraus da casa sinto a grana no meu dedão.

Meus sapatos já estavam pra lá de gastos, sabia que uma hora isso iria acontecer. Seguro a saia do vestido para então olhar para meu pé direito. A parte em que já havia remendando com linha agora estava aberta e também com os furos arrebentados. Não havia mais jeito. Baixo-me e tiro as sapatilhas dos meus pés e caminho até o celeiro, pondo em cima da minha mala. Eu tinha um certo apego com o pouco que eu tinha, jamais jogaria fora meus sapatos por mais velhos que fossem. Ele tinha aguentando tantos anos comigo...

Balanço a cabeça para espantar os meus devaneios frequentes e volto a pegar a cesta agora com as duas mãos e caminho até a horta que não era muito longe.

Mordo os lábios quando sinto as pequenas formigas me mordendo mas não havia nada que eu pudesse fazer. Baixei-me mesmo assim sobre a relva e escolhi as folhas mais bonitas que haviam ali. Em seguida dos tomates e as pequenas salsas. Observo a terra em que foram plantadas e era nova. Então era isso que meu dono estava fazendo esses dias. Eu notava que ele se envolvia agora 100% para o trabalho braçal. Com certeza em uma tentativa de apagar ou superar o que aconteceu.

Após colher os legumes eu resolvo explorar e aproveitar um pouco da minha curta liberdade e caminho até o final da horta. Olho para trás ao mesmo tempo em que ponho a mão na testa em uma tentativa de fazer alguma sombra para então enxergar o quão longe estava da enorme casa.

Porque eles não haviam ainda contratado nenhum empregado? Pareciam ser ricos... e porque ele mesmo que fazia todo o trabalho braçal do lugar? Se com toda certeza tem dinheiro para pagar até mesmo 10 homens para fazer seu "trabalho"? Eram tantos questionamentos...

Eu sabia que havia me tornando ainda mais pessimista e até mesmo mais avoada com tudo que estou vivendo enquanto com meus pais eu sempre reprimia qualquer pensamento invasivo porque até então eles saiam da minha boca sem que eu percebesse e isso me rendia vários machucados. Me acostumei a ficar calada por dentro e por fora mas agora vejo que a minha voz de "dentro" não só voltou a falar como fala o triplo e eu esperava que conseguisse controlar meus próprios pensamentos para eu própria não me pôr em maus lençóis.

Ainda caminhava e a pequena horta já não era pequena, mas enorme. Eu achava que já estava chegando ao fim. Paro e olho ao redor vendo ao longe um campo e abro um sorriso quando percebo que há algumas flores enfeitando o verde vivido.

Não caminho, mas corro até o mesmo não segurando minha gargalhada feliz. Era lindo! Ponho a cesta no chão, tomando cuidado para não pôr em cima de nenhuma das flores e fecho os olhos, aspirando o cheiro quase doce das flores misturada com o capim. E por alguns segundos eu não penso em nada além do vento batendo nos meus cabelos e a grama gelada sob meus pés e algumas flores roçando meus braços desnudos graças ao vento. Abro os olhos novamente e o sol bate forte neles me fazendo voltar a realidade.

Mais que depressa levanto-me e pego a cesta novamente. Mordo os lábios quando sinto um dos meus pés pisar em algo pontudo e ignoro a leve dor e corro de volta para a casa.

- Onde estava? - É a primeira coisa que ele me pergunta assim que adentro a cozinha.

- C-colhendo. - Aponto para a cesta, nervosa. Olho ao redor procurando por onde começar e ele resmunga dizendo que já fez o arroz e trouxe uma ave para preparar. Compreendo e começo a fazer seu almoço.

Após servi-lo, espero com certa expectativa ele me dá a permissão para também me alimentar, mas ela não me é dada. Então eu me limito a beber um pouco de água.

O dia decorreu de certa forma tranquila e eu finalmente consegui arrumar todas as coisas que ele havia quebrado, estava tudo em perfeito estado. Pelo menos quase...

Deixei tudo pronto para o seu jantar, ele só precisaria esquentar e fiquei em pé na cozinha esperando ele me ordenar de ir para a pequena cela que apelidei carinhosamente de inferninha. Não demorou muito até ele atravessar a porta como um vulto e me puxar para fora da casa.

Fechei os olhos, escutando as correntes baterem uma na outra enquanto ele me trancava e quase agradeci por isso, minha barriga estava roncando alto. Após terminar ele caminha de volta para casa e eu tento me controlar para não sucumbir a minha imaginação.


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Chave pix para quem quiser ajudar e dar um apoio e incentivo para a autora que está com celular horrível para escrever. Qualquer valor ajuda.

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A L D R I KWhere stories live. Discover now