- Timbres -

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Mesmo que toda semana Giselle fosse até a comunidade de Heliópolis para dar aulas de música, sempre se surpreendia com o contraste entre as casas amontoadas precariamente e o condomínio luxuoso além dos muros e cercas elétricas. Isso causava um incômodo desanimador, mas o brilho nos olhos das vinte crianças de seu coral era o bastante para contagiá-la a seguir em frente. Todas elas tinham entre dez e quinze anos de idade. Alguns rostos mudaram ao longo do projeto, mas os sorrisos ficavam cada vez maiores e mais cheios de esperança.

Giselle adorava como aquilo fazia valer a pena todo o esforço dedicado. Havia um trabalho mútuo entre ela e aqueles pequeninos para que o coral desse certo e eles estavam preparando um recital para as comemorações de fim de ano.

A professora se sentou numa cadeira e tocou no teclado da escola, para que as crianças pudessem acompanhar. Mantinha os ouvidos muito atentos para saber se todas elas estavam afinadas e repetia os trechos da música para que eles memorizassem e se familiarizassem com o compasso, as passagens e as intensidades que a canção possuía.

Naquela manhã, sua turma recebeu a ilustre visita de um dos maestros e seis músicos da Orquestra Sinfônica Heliópolis, que vieram ensinar alguns comandos e deram a todos o gostinho de uma apresentação real. As crianças de Giselle ficaram muito animadas.

Quando a aula acabou e os músicos foram embora, levando o teclado da escola de volta ao almoxarifado de bom grado, Giselle ficou para se despedir das crianças. Uma das alunas ficou por último, ajudando a arrumar as cadeiras em fileiras.

A intuição da professora levantou uma estranha sensação em seu peito e ela soube que havia algo errado com a menina.

— Professora? — a garota se aproximou dela depois de terminarem a arrumação. A moça, que tinha quatorze anos e a mesma altura que Giselle, olhou para os pés como se procurasse as palavras entre os seus dedos.

— Sim, querida?

— Minha mãe quer que eu pare com as aulas e vá ajudar ela a cuidar do meu irmão mais novo, pra ela trabalhar aos domingos também.

Histórias como essas eram comuns e Giselle não conseguia se acostumar com elas. No começo do projeto, a sua turma tinha vinte e oito alunos. Agora seriam dezenove. Ela respirou fundo, tentando escolher as palavras.

— Então... — a professora soltou a cadeira que segurava e olhou fixamente para a aluna. — tu não virás mais, não é?

Uma lágrima solitária escorreu no rosto da menina. Ela balançou a cabeça e fungou.

— Eu gosto muito de cantar, professora. Queria ficar mais tempo aprendendo com você.

— Quer que eu converse com a tua mãe?

— Não! — a jovem respondeu bruscamente. — Ela é muito brava. Não quero que ela desconte nada em você e nem em mim.

— Tu sabes que eu posso ajudar.

— Só... Obrigada. Vou me lembrar de você pra sempre e torço pra você ser muito feliz.

— E eu torço para que tu voltes a estudar canto. Tu tens uma das vozes mais belas do nosso coral e és uma das minhas alunas mais dedicadas. Não desista desse sonho, querida. Eu acredito em você. Encare esse momento como uma pausa breve, combinado?

A aluna balançou a cabeça afirmativamente e então deixou Giselle sozinha na sala.

Isso disparou muitos pensamentos na mente da jovem professora. A realidade das crianças da comunidade a comovia.

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Depois de chegar em casa, ela ainda olhava o céu pela janela do seu quarto. Sua mãe bateu à porta duas vezes, perguntando se estava tudo bem, mas ela não abriu espaço para conversa. Olhava a prancheta e os projetos pendurados na parede do quarto e se questionava se aquilo era realmente o que ela queria para sua vida.

O Alvorecer de EarisWhere stories live. Discover now