- 8.Ansiedade -

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Clarisse teve que disputar espaço na cama com seu pequeno irmão e o grande cachorro. Eles a venceram e a jovem ficou imóvel por horas, pensando em como lidar com os seus traumas até o amanhecer. O som da respiração do irmão e os roncos do cachorro, de alguma forma foram reconfortantes, mas suas costas doíam tanto que foi obrigada a levantar.

Contorceu-se para fora dos cobertores, lutando contra o peso de Pax, que resmungou e saltou para o chão, onde alongou o dorso e bufou para que a mulher o deixasse sair para o quintal.

Após colocar os óculos, Clarisse caminhou descalça pelo corredor e desceu as escadas com a mente aérea. Tinha muito sono, mas, se não conseguiu dormir enquanto estava na cama, não adiantaria insistir. Decidiu superar o desgaste mental com algum esforço físico.

Desorientada e andando sob a parca luz que atravessava as janelas, passou pelo único vaso de planta viva que ela tinha em casa e pisou numa poça gelada que quase a fez escorregar e cair. Clarisse sentiu um arrepio dos pés à cabeça quando o cheiro da urina do cachorro atingiu seu nariz.

Pax, seu cretino! — ela berrou.

O Pirineus, que já estava na cozinha, não compreendeu o porquê de Clarisse estar gritando com ele. Deu um latido e arranhou a porta, pedindo para sair. A mulher foi até ele na ponta dos pés e aos resmungos, deixando pegadas por onde passava. Ela espumava de raiva.

— Some da minha frente — falou, seguido de um longo suspiro. A ira esvaiu como uma bexiga furada e ela se limitou a lavar os pés e limpar a casa, como se essas ações pudessem colocar os seus pensamentos no lugar.

Abriu as janelas com estrondo e o vento entrou pela sala de estar, balançando levemente as cortinas e algumas folhas de papel que estavam sobre a mesa ao centro. Estava frio e o céu estava repleto de nuvens densas e encardidas pela luz da cidade. Havia um ipê-amarelo do outro lado da rua, que naquela época do ano não estava florido e parecia uma árvore morta, com galhos escuros e quase fantasmagóricos em dias de neblina.

Clarisse iniciou uma série de alongamentos para colocar o corpo no lugar e então foi até o escritório, onde pegou, na estante, um dos livros que falava sobre animais. Escreveu tudo o que se lembrava do sonho em seu diário e se deteve numa pesquisa sobre lobos.

Vida, curiosidades, lendas e cultura. Cruzava cada anotação que fazia ao longo da pesquisa com o sonho e, lá pelas nove horas da manhã, August apareceu no escritório e sentou-se ao lado dela. O menino havia acabado de acordar e ainda esfregava os olhos, na tentativa de se situar com o que estava acontecendo. Sua irmã estava rodeada por uma papelada.

— Sabia que a mordida dos lobos é quase duas vezes mais forte que a dos cães domésticos? — ela contou, notando a presença dele — Já levei uma e dói demais! Achei que minha perna fosse cair!

August fez uma expressão de horror ao imaginar a cena. Conhecia a cicatriz, mas a irmã não falava sobre como aconteceu tão abertamente para ele.

— Ah... desculpe — ela pediu, ao notar o abalo no semblante de seu irmão caçula. — Quando você ficar grandinho, eu conto como aconteceu.

O irmão se levantou e acenou. Ele não estava assustado, ou nada do tipo, já que era um menino muito corajoso! Foi ao banheiro para escovar os dentes, deixando Clarisse sozinha, que se voltou ao turbilhão de pensamentos que zuniam em sua cabeça como um enxame de abelhas. Ela continuou sentada no chão, olhando para o teto, com os livros ainda abertos ao seu redor. Teorias se formavam em sua cabeça, uma após a outra, mas nada fazia sentido.

Gostaria de entender tantas coisas! Por que fui enviada para a Academia? Meus pais realmente precisavam esconder os motivos? Seria tão mais fácil se eles fossem sinceros comigo... Entra e sai ano e eu continuo sem respostas.

O Alvorecer de EarisWhere stories live. Discover now