- Desabafos -

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Giselle esperava em frente ao portão, com os braços cruzados e um olhar assassino para o carro vermelho desbotado que subia a rua. Sua família era vizinha dos Bertrand há quase quinze anos, mas ela estava do lado de fora há meia hora esperando pelas duas amigas. Enquanto Clarisse estacionava na garagem, ela ainda permaneceu na calçada, olhando em direção a esquina.

— Chegamos! — Clarisse anunciou, como se a amiga não tivesse percebido. Ana desceu também e bateu a porta com tanta força que a anfitriã fez uma careta, com pena de seu pobre Celtinha.

— Puts! — Ana articulou, ajeitando a mochila nas costas.

— Não precisava bater — choramingou a Bertrand.

— Foi sem querer...

Clarisse abriu o porta-malas para pegar as compras do mercado e notou que Giselle, que era uma figura diminuta com um vestido florido e um casaco, ainda estava na calçada, olhando para o fim da rua.

— Tá esperando o quê, criatura? — perguntou, entregando algumas sacolas para Ana e pegando seu violão, que ela insistia em levar para todos os lugares, mesmo que não tivesse tempo de tocar.

— Estou apreciando um anjo — Giselle respondeu.

— O quê? — Ana perguntou.

— Roland está correndo com o Pax. Parece que eles vêm pra cá.

Junto a Giselle, as duas puderam ver. Ana conhecia Roland de ouvir falar. Sabia somente que ele era um velho amigo da família de Clarisse e padrinho dela e de August. Ele vinha a passos largos, com um enorme cachorro branco ao seu lado. Ao se aproximarem delas, a dupla diminuiu a corrida até passarem a caminhar. Já havia escurecido, o céu estava nublado e as luzes da rua estavam acesas.

— Olá, monsenhor — Giselle se adiantou, oferecendo a mão como se Roland a beijasse.

Para Ana, Giselle parecia agitada.

O homem soltou a coleira de Pax, o Cão da Montanha dos Pirineus, que se sacudiu e levantou uma nuvem de pelos brancos e então se sentou. Ficou parado ao lado do dono com o peito estufado e com a língua de fora, ofegante pela corrida.

Clarisse voltou para a garagem e trouxe uma tigela com água para o cachorro, aproveitando para fazer carinho no pescoço dele. Roland abraçou Giselle ao invés de beijar sua mão e a Bertrand deu um soco amigável no braço dele.

Ana os observou se cumprimentarem. Pareciam muito íntimos e descontraídos, de forma que ela se retraiu para não atrapalhar o momento. Quanto a ela, Roland se limitou a um "boa noite" educado e um aperto de mão firme, pois também só a conhecia de ouvir falar.

— Você sempre corre no parque — Clarisse apontou, se referindo ao Parque da Independência, no Ipiranga. — O que faz por aqui?

— Eu precisava falar com você. — Roland afagou as orelhas de Pax, enquanto falava, e foi direto ao ponto: — A minha mãe adoeceu. Terei de viajar às pressas e não posso levar o Pax. É muito estressante e caro.

— Céus! O que ela tem? — Giselle perguntou.

— Teve um surto de gripe na minha cidade. Marie estava viajando e não chegou a tempo de cuidar da nossa mére... digo, nossa mãe, e a gripe evoluiu para pneumonia. Parto para a França em três dias.

— Nossa! Deixa comigo — Clarisse se comprometeu. — Vai dar tudo certo.

Ela se abaixou e fez um carinho em Pax outra vez, que ficou tão satisfeito que se espalhou na calçada, oferecendo a barriga para a jovem. O cão era muito grande e Ana se limitou a dar uns passos para trás.

O Alvorecer de EarisWhere stories live. Discover now