- 3.Aconchego -

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Sentada no sofá de sua sala, com um livro de Machado de Assis nas mãos, dona Cecília observava seu neto no tapete. Giselle lhe incentivava a ocupar a mente com leituras clássicas e ela adorava, mas era difícil ler quando August estava em sua casa, pois ele demandava bastante atenção. Não que fosse bagunceiro ou levado, mas o menino podia ser tão silencioso que era comum levantar os olhos e não encontrá-lo onde estivera minutos atrás e então ter que levantar para procurá-lo.

Naquele momento, August desenhava uma floresta com giz de cera numa folha de papel sobre a mesa de centro. Tinha todo o tipo de detalhes que as obras dos grandes pintores têm, desde vegetações e animais, a detalhes de iluminação e sombras que Cecília pouco entendia e acredita que estavam muito além de sua idade. Geralmente crianças desenham pessoas da família, personagens de desenhos, carros ou casas de uma forma bem simples, mas August tinha em suas pequenas mãos um dom incrível e uma imaginação tão grande e fértil quanto uma criança poderia ter. Impulsionado por Clarisse, suas habilidades se desenvolviam cada vez mais. Era como se ele vivesse em um mundo próprio de cores e formas, retratando no papel o que nascia em sua mente.

Isso enchia o coração da vovó de orgulho e admiração.

Cecília pegou o tigre de pelúcia que estava no sofá, ao seu lado, e começou a brincar com ele, tentando provocar seu neto e trazê-lo para o mundo real. Pretendia perguntar se ele queria um lanche antes de ir para casa. Se o fizesse sem prender sua atenção, ele não responderia.

Ei, August, meu camarada; veja quantas cambalhotas eu consigo fazer! — disse ela, numa voz nasal, fingindo ser o tigre. — Aposto minha orelha direita e minha pata direita que você não consegue pular e fazer cambalhotas melhores do que as minhas.

Dito isso, girava o tigre ao longo do sofá e o arremessava em piruetas.

August olhou para Cecília, levantou e deu uma única cambalhota pelo tapete. Aquilo fez ele se animar, mas uma só foi o bastante. Então ficou de pé e pegou Haroldo das mãos de sua avó com aquela expressão de "eu sei que é você, sua boba", balançando a cabeça. Cecília aproveitou para abraçar o neto, beijar sua face e, segurando seus ombros, afastou-o para olhá-lo nos olhos.

— Você prefere brincar de pique ou fazer um lanche? Tem um bolo de cenoura com calda de chocolate que fiz hoje de manhã e está uma delícia. Faço suco de laranja para acompanhar, enquanto esperamos sua irmã.

O garoto colocou a mão no queixo e olhou para cima, como quem pensa no assunto. Depois olhou para a avó e escondeu o rosto com as mãos.

— Pique?

Ele fez que sim com a cabeça.

— Então vou contar até cinquenta. Vá se esconder. Um, dois, três...

August saiu correndo, aos tropeços.

— Seis, sete, oito...

Cecília era uma senhora de sessenta e poucos anos, viúva há muito tempo. Julian e Luíza eram praticamente bebês quando seu esposo faleceu e a consideravam como uma grande guerreira por criar os filhos sozinha. Os cabelos brancos eram-lhe bem merecidos pela sabedoria e pela saúde de ferro, graças a Deus.

Mantinha uma rotina simples e movimentada. Todas as manhãs, ela caminhava pelo Parque da Independência, no bairro do Ipiranga em São Paulo, onde morava. Depois dava um pulinho no mercado ou na feira e então passava as tardes cuidando do neto e, quando estava livre, passava a noite assistindo novela com suas amigas de longa data, conversando sobre a vida, falando das traquinagens dos netos e de histórias que costumam começar com "no nosso tempo..." Ia à igreja todos os domingos e participava de um grupo de orações nas noites de quarta-feira.

O Alvorecer de EarisWhere stories live. Discover now