- 7.Sombras -

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À noite, depois do trabalho, Clarisse estava indo buscar o irmão na casa de Cecília, como de costume. Foi um dia estressante e ela ainda refletia sobre aquele desenho de August e sobre o assalto enquanto dirigia pela Avenida 23 de Maio. O trânsito era infernal e, distraída em pensamentos como estava, não reparou que comia a faixa. Como resultado, um motoqueiro quebrou o retrovisor do seu Celta vermelho desbotado e não parou para se retratar.

Possessa de raiva, estacionou na rua de sua avó e desceu do carro para ver o que restou do retrovisor, respirando fundo e olhando na internet quanto custa comprar um novo.

Pela janela, a matriarca a viu na calçada e percebeu de imediato a nuvem de fúria que pairava sobre sua neta. Indo à cozinha, pegou uma xícara de café fresquinho e foi para fora, parando ao lado de Clarisse e vendo o motivo daquela comoção. Sem dizer coisa alguma, ofereceu a bebida quente.

A jovem tomou a xícara e respirou fundo, deixando o cheiro da bebida lhe acalmar.

— Ah, vovó... Preciso parar de comprar café em pó.

— Vou te presentear com um moedor no seu aniversário. Mas vamos para dentro, sim? — Cecília deixou o caminho livre para Clarisse passar antes dela. — Toda essa irritação não vai solucionar seu problema, você sabe. Essas coisas acontecem.

— Tudo deu errado — a jovem lamentou, agitada. — A Adelaide disse que não sirvo pra cuidar do August, tentaram me assaltar, reprovei em urbanismo, o cliente não aceitou o projeto que custou duas semanas da minha vida e ainda quebraram meu retrovisor. Eu devo ser a pessoa mais azarada do mundo!

Clarisse desabou no sofá, certa de que morreria se aquele dia-de-cão não acabasse. Enquanto preparava uma nova leva de lamentações, August veio do interior da casa e pulou no colo dela, enchendo seu rosto de beijos. Ela só teve tempo de desviar a xícara de café, para não levar um banho. Pax apareceu atrás do menino e latiu forte para os dois.

— Meu Deus! Fui atropelada! — Clarisse falou, abraçando o menino e balançando-o em seu colo, enquanto ele ria e tentava se livrar dela.

— Está melhor agora? — a senhora perguntou, notando a nuvem de ira desaparecer e o semblante de Clarisse, que até então estava com ar de desastre, ser transformado.

— Nunca estive melhor — respondeu com sinceridade. — Estou cheia de suor de criança e isso me deixa feliz.

Ao soltar August, o menino saiu correndo pela casa outra vez, arrastando Haroldo consigo. O tigre de pelúcia parecia sofrer, enquanto era chocado contra a mobília de Cecília. Pax seguiu o menino, como era seu costume, antes que Clarisse conseguisse fazer carinho em seu pescoço. Sempre que estava presente, o cachorro seguia August como um guarda-costas.

— O que foi isso no seu pescoço? — Cecília perguntou, reparando a queimadura.

— O bandido arrancou meu colar com um puxão. — contou a Bertrand mais velha, omitindo que se atracou com o homem para recuperar suas coisas de volta. Deixou o pingente guardado na bolsa, com a chave do carro.

— Que horror! — A senhora falou, cobrindo os lábios com a mão. — Você se machucou mais? Ele levou muita coisa?

— Tô bem. Ele não levou nada importante — a jovem respondeu. — Tá tudo bem. Quero esquecer que aconteceu e seguir em frente.

— Mas ele receberá o que merece, minha filha. Esteja certa disso. Não esqueça de fazer o boletim com seu tio Tomas. Luíza me disse que ele vai cobrir o Roland na delegacia.

— Depois vejo isso... — evadiu, pois não queria falar com os tios. — Mas tinha esperança de conversar com o padrinho, antes dele partir.

— E acredito que deve demorar um pouco mais do que o costume, por causa da saúde da mãe dele — a senhora completou.

O Alvorecer de EarisWhere stories live. Discover now