Capítulo 16 | Março de 2021

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— É algum assunto específico? Você está me parecendo muito abatida, amiga.

— É. Um pouco complexo — respondeu, sentindo os olhos umedecerem. Engoliu o choro e as duas adentraram o quarto do rapaz. Como uma forma de fugir por mais alguns minutos de seus duros pensamentos, Camila admirou o ambiente. — Uau, que organizado. E meio vazio.

Faní não respondeu, não gostava de ficar observando o espaço íntimo de Ed. E, falando nele...

— Por que não pediu minha ajuda, mocinha? — O rapaz entrou no próprio quarto e interrompeu os intentos de Faní, que empurrava a cadeira da escrivaninha dele para subir e conseguir pegar o colchão em cima do guarda-roupa.

— Você estava ocupado — Faní respondeu, apenas.

— Nunca estou ocupado demais para você, Faní — ele respondeu.

Camila mirou a amiga rápido, pronta a pegar sua reação. No entanto, Faní continuou com as feições plácidas e tranquilas, quase inexpressivas. A Ambrósio se conteve para não revirar os olhos. Se Ed e Faní não se considerassem primos, ela poderia jurar que eles tinham alguma coisa. Queria tanto que não se considerassem assim. Eles não possuíam o mesmo sangue, afinal de contas.

— Obrigada, Ed — Faní agradeceu, estendendo as mãos para pegar o colchão.

— Eu levo, besouro — brincou, fazendo alusão a uma fábula de uma ficção cristã que Faní amava.¹⁰

Faní sorriu. Camila balançou a cabeça, indignada com a situação.

Ed levou o colchão e também providenciou um lençol de elástico para cobri-lo. Depois de tudo ajeitado, as meninas colocaram seus pijamas e se sentaram em suas respectivas camas. Camila tremia tanto que sentou em cima de suas mãos, tentando contê-las.

— Cami, o que você quer falar tem a ver com o Tim? — perguntou Faní. Camila franziu as sobrancelhas, sem entender. — Vocês estão brigando tanto ultimamente, fiquei me perguntando se aconteceu alguma coisa ruim entre vocês e ninguém me contou. Se ele... acabou sendo chato demais ou algo assim.

Camila sorriu, mas seus olhos umedeceram, por isso respirou fundo antes de começar.

— O Timóteo é chato por natureza, mas não a ponto de me entristecer como eu mesma sou capaz de fazer — disse, olhando para baixo. Camila não era uma pessoa de rodear um assunto que precisava falar. Ela seria direta. — Faní, o que eu vou te contar, talvez mude sua visão sobre mim para sempre. O Timóteo é um bom ponto de partida.

Faní ficou em silêncio, aguardando explicação.

— Ele é um chato, sim, mas lindo — iniciou assim, surpreendendo a outra. — Eu e mais umas duzentas pessoas acham isso, não é novidade alguma.

— Não é novidade — concordou Faní —, mas não achei que fosse o seu caso.

— É sim — Camila confirmou, retirando as mãos de baixo de si para olhá-las. — O Timóteo é meu ideal de beleza, digamos assim. Eu era apaixonada por ele quanto tinha uns... 15 anos, talvez, um pouco antes de você ir embora daqui. Lembra que aconteceu o escândalo com ele nessa época?

Faní apertou os lábios. Ela se lembrava.

Tim tinha seus 22 ou 23 anos e estava se envolvendo com uma moça da igreja. Os dois não chegaram a avançar para níveis de compromisso, pois Tim deixou claro que não era esse o seu objetivo, mas, ao mesmo tempo, queria e conseguiu algumas das regalias permitidas ao compromisso. Os pais da moça, sabendo disso, não foram sábios para chamar o pastor em particular e contar o que havia acontecido; não, simplesmente pararam um culto e contaram para todo mundo a “ovelha negra” que Timóteo Júnior era. O primo de Faní não negou os seus atos, tio Timóteo ficou arrasado. A partir daquele momento, Tim se desligou de tudo o que fazia na igreja por livre e espontânea vontade, prometendo que nunca mais algo daquela natureza iria acontecer. Mesmo que não se arrependesse dos seus pecados, Tim se arrependia de ter envergonhado o pai e não queria mais repetir.

Lago de Algodão | releitura de Mansfield Park, de Jane AustenWhere stories live. Discover now