Suicídio

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Pov Mary Winchester

Nunca tive a intenção de ajudar na morte do meu filho. 

Até mesmo ler estas palavras parece estranho — algo como o que se lê em um tabloide ou naquelas revistas horríveis que a faxineira carrega na bolsa, repletas de mulheres cujas filhas fugiram com companheiros desonestos, histórias de incríveis perdas de peso e bebês de duas cabeças. 

Eu não era o tipo de pessoa com quem essas coisas aconteciam. Pelo menos, pensava que não era. Minha vida era razoavelmente estruturada — do tipo comum, pelos padrões modernos.

 Estava casada havia quase trinta e sete anos, criara dois filhos, mantivera minha carreira, ajudara na escola, na Associação de Pais e Professores e saíra de cena quando os filhos não precisavam mais de mim. 

Era juíza havia quase onze anos. Vi toda a vida humana passar pelo meu tribunal: os perdidos sem esperança, que não conseguiam se organizar nem para chegar na hora à audiência; os transgressores reincidentes; os jovens malencarados, raivosos, e as mães exaustas e endividadas. 

É um pouco difícil se manter calma e compreensiva vendo os mesmos rostos e os mesmos erros se repetirem. Às vezes, eu podia escutar a impaciência em meu tom de voz. Podia ser estranhamente desanimadora a completa recusa do ser humano em ao menos tentar agir de maneira responsável. 

E nossa pequena cidade, apesar da beleza do castelo, dos diversos prédios tombados como patrimônio histórico e de nossas pitorescas estradas rurais, não está imune a tudo isso. Nossas praças construídas na época da Regência eram ocupadas por adolescentes alcoolizados, nossos chalés com teto de palha abafavam o barulho dos maridos batendo em suas esposas e seus filhos. 

Às vezes, eu me sentia como o rei Canuto, fazendo inúteis pronunciamentos diante da maré de caos e devastação. Mas gostava do meu trabalho. Eu trabalhava porque acreditava na ordem, em um código moral. Acredito que existe certo e errado, por mais fora de moda que o conceito possa parecer. Consegui superar os piores momentos por causa do meu jardim. 

À medida que as crianças foram crescendo, a jardinagem se transformou um pouco em minha obsessão. Eu poderia dizer o nome científico, em latim, de quase todas as plantas que alguém me mostrasse. O engraçado é que nem tive aulas de latim na escola — frequentei uma pequena escola pública para meninas cujo foco era aprender a cozinhar e a bordar, coisas que poderiam nos ajudar a ser boas esposas —, mas acontece que o nome científico dessas plantas gruda na cabeça. 

Eu só precisava escutá-los uma única vez para me lembrar deles para sempre: Helleborus niger, Eremurus stenophyllus, Athyrium niponicum. Consigo pronunciar com uma fluência que nunca imaginei. Dizem que só é possível se admirar um jardim depois de certa idade, e acho que existe alguma verdade nisso. Provavelmente tem algo a ver com o grande ciclo da vida. Parece que há algo de miraculoso em ver o inexorável otimismo deum novo broto após a desolação do inverno, uma espécie de alegria na diversidade a cada ano, a forma como a natureza escolhe mostrar diferentes partes do jardim. 

Houve momentos — quando meu casamento ficou mais populoso do que eu tinha imaginado — em que o jardim foi meu refúgio, momentos em que foi uma alegria. Mas houve momentos também em que, sinceramente, ele foi uma dor. 

Não existe maior desapontamento do que criar um novo canteiro apenas para vê-lo não florir, ou ver uma fileira de lindos alliums destruídos durante a noite por algum motivo qualquer. 

Mas mesmo quando eu reclamava a respeito do tempo, do esforço que me exigia cuidar do jardim, do modo como minhas juntas protestavam quando eu passava uma tarde arrancando ervas daninhas ou de como minhas unhas nunca pareciam estar bem limpas, mesmo assim eu adorava aquilo. 

Como eu era antes de você - DestielWhere stories live. Discover now