Febre

23 3 0
                                    

A neve caiu tão de repente que saí de casa sob um céu azul-claro e menos de meia hora depois passei por um castelo que mais parecia um bolo decorado, coberto por uma grossa camada de neve branca. 

Caminhei com dificuldade pela entrada da garagem, os passos abafados pela neve e os dedos já dormentes por causa do frio, tremendo na minha camisa de flanela e um casaco fino demais. Um redemoinho de flocos brancos surgiu de um infinito céu cinza-aço e quase escondeu a Granta House, encobrindo os sons e desacelerando o ritmo do mundo de forma nada natural. 

Atrás das cercas vivas bem-aparadas, os carros passavam com cautela redobrada, os pedestres nas calçadas escorregavam e soltavam gritinhos. Puxei o cachecol sobre o nariz e desejei estar vestindo algo mais adequado para aquele clima do que sapa-tênis e uma calça jeans. 

Para minha surpresa, não foi Sam quem abriu a porta, mas o pai de Dean.

— Ele está de cama — disse, olhando do vestíbulo. — Não está muito bem. Não sei se devo chamar o médico.

— Onde está Sam?

— É sua manhã de folga. Claro que tinha de ser hoje. A maldita agência de enfermagem veio e foi embora em seis segundos. Se continuar nevando assim, não sei o que faremos mais tarde. — Ele deu de ombros, como se essas coisas não tivessem jeito mesmo, e sumiu pelo corredor, parecendo aliviado por não ser mais o responsável. 

— Você sabe do que ele precisa, não? — falou, por cima do ombro. 

Tirei meu casaco e os sapa-tênis, pois sabia que a Sra. Winchester estava no tribunal (ela anotava as datas em um calendário na cozinha do anexo). Coloquei as meias molhadas em cima de um aquecedor para secar. Um par de meias de Dean estava no cesto de roupas lavadas, então calcei-o. 

As meias dele pareciam ridiculamente grandes em mim, mas era uma maravilha sentir os pés aquecidos e secos. Dean não respondeu quando o chamei, então fiz um suco, bati baixinho na porta do quarto e enfiei a cabeça. Na meia-luz, só pude distinguir uma forma embaixo do edredom. 

Estava dormindo. Dei um passo para trás, fechei a porta e iniciei as tarefas matinais. Minha mãe parecia ter um prazer quase físico em arrumar a casa. Já fazia um mês que eu aspirava e limpava diariamente o anexo da Granta House e continuava sem saber qual era a graça. Eu desconfiava que em nenhum momento da minha vida deixaria de desejar que outra pessoa fizesse aquilo no meu lugar. Mas num dia como aquele, com Dean confinado na cama e o mundo parecendo estagnado lá fora, percebi que havia uma espécie de prazer meditativo em ir de um lado ao outro do anexo. 

Enquanto tirava o pó e lustrava os móveis, levei o rádio comigo por todos os cômodos, em volume baixo para não incomodar Dean. De vez em quando, enfiava a cabeça na porta para conferir se estava respirando e só à uma da tarde comecei a ficar preocupado. 

Enchi o cesto de lenha e reparei que vários centímetros de neve haviam se acumulado no chão. Fiz outro suco fresco para Dean e bati na porta do quarto. Bati de novo, dessa vez mais alto.

— Sim? — Sua voz estava rouca, como se eu o tivesse acordado.

— Sou eu. — Como ele não respondeu, acrescentei: — Castiel. Posso entrar?

— Pode, não estou fazendo a dança dos sete véus. 

O quarto estava escuro, tinha as cortinas fechadas. Entrei e esperei meus olhos se adaptarem à escuridão. Dean estava deitado de lado, com um braço dobrado à frente como se tentasse se levantar, na mesma posição de quando olhei antes. Às vezes, era fácil esquecer que ele não conseguia se virar sozinho. O cabelo estava grudado de um lado da cabeça e ele estava bem enrolado no edredom. 

Como eu era antes de você - DestielWhere stories live. Discover now