Capítulo 4 - Sinais

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O som de vozes alteradas em contestação pela decisão de bada-Anza se misturou às gargalhadas da senhora artesã como uma revoada de andorinhas se aproximando de uma canoa pesqueira.

- Como pode ter escolhido ela? - questionavam alguns com os olhos arregalados de ira. - Minha filha passou o mês inteiro trabalhando no projeto dela e não foi aceita - uma mulher corpulenta se juntou ao coro.

Reclamações e mais reclamações saltavam das bocas dos aldeões, incluindo os que nada tinham a ver com a seleção; meros curiosos. A anciã, indiferente à algazarra ao seu redor, continuou olhando fixamente para a jovem Innora com um olhar de acalento. Até que levantou ambas as mãos subitamente e, da mesma forma que o falatório começou, as vozes foram diminuindo até que o silêncio se instaurou. Até os vendedores de frutos do mar mais ao longe pararam de anunciar os preços de seus produtos frescos ao avistarem a figura da velha senhora com os braços estendidos. Alguns instantes depois, ela quebrou o silêncio.

- Eu passei anos tentando ser reconhecida pelos Espíritos. Querem saber a que conclusão cheguei? - fez uma pausa em seu discurso para encarar os rostos à sua volta, contemplando as diferentes feições de medo, surpresa e admiração - Não é sobre o tempo gasto construindo algo. Muito menos sobre o esforço ou capricho. - continuou - Devoção?! Não, também não acho que seja isso. Eles têm seus próprios motivos, os Vigias. E algo me diz que essa jovem está conectada a eles de alguma forma.

Bada-Anza se aproximou de Innora enquanto terminava a frase e segurou em seus ombros com firmeza, não se importando se a multidão tinha compreendido seu discurso ou não.

- Leve-me para sua casa, minha jovem - sussurrou. - Precisamos falar com seus pais e pegar suas coisas antes de partirmos.

- Eu não tenho pais. Eles estão mortos. Eu moro sozinha.

A resposta de Innora levantou uma suspeita na anciã. Ela tinha ouvido falar sobre a trágica morte de um casal mais de uma década atrás, mas não sabia se eles teriam tido filhos antes do incidente. Sem saber exatamente o que falar, bada-Anza apenas conduziu a menina para longe dos olhares curiosos.

- Vamos, de qualquer forma precisaremos pegar suas coisas antes de irmos.

Enquanto andavam, ouviram passos hesitantes as seguindo, mas elas não precisaram olhar para confirmar que os murmúrios às suas costas eram de alguns aldeões ainda insatisfeitos. Entretanto, os opositores logo pararam. Eles sabiam que a bada não voltaria atrás em sua decisão.

- Por que você me escolheu? - Innora quebrou o silêncio, mirando o rosto enrugado da senhora ao seu lado.

- Eu não acho que foi uma escolha minha, querida - a mais velha respondeu olhando fixamente o caminho à frente, pensativa. - Apenas aconteceu.

Sem ter certeza do que aquelas palavras significavam, mas com medo de estar sendo inconveniente com aquela que agora seria sua tutora, Innora deixou o assunto para lá.

Àquela altura já estavam chegando próximo à cabana em que Tomi morava.

- Podemos passar na casa dos meus vizinhos antes? - ela questionou. - Preciso me despedir deles.

- Claro! Mas sairemos amanhã ao primeiro raio de luz do Grande - interpôs a anciã. - O Pequeno já está subindo no céu, talvez seja melhor apenas arrumar suas coisas hoje e descansar.

- Eia, Pequeno! - a voz da garota adentrou a humilde cabana.

- Eia! - de dentro veio a resposta.

As duas figuras passaram pelo cortinado e logo Innora apresentou a velha bada aos demais, um sorriso de excitação enorme no rosto.

Ilha das Conchas (Seashell Island)Where stories live. Discover now