Capítulo 2 - Regresso

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Depois do turbilhão de emoções deixar tudo fora de lugar na mente da jovem Innora, ela finalmente partiu de volta ao seu lar, contando de forma regressiva as cabanas ao longo do caminho, "nove... oito... sete...", na tentativa de aquietar sua mente. Ela chegou a desejar que aquelas paredes brancas voltassem a se erguer e isolá-la de tudo à sua volta.

Sem que ela percebesse, seu desejo foi realizado. Tinha parado de contar as cabanas e seus pés agora levavam-na em outra direção, como se seu subconsciente recusasse retornar à sua moradia, subindo uma trilha estreita ilha adentro.

O que era uma vegetação baixa, composta por plantas rasteiras, foi sendo substituída por arbustos e árvores de maior porte à medida que Innora avançava. A costa rochosa que dava firmeza aos seus passos foi transicionando para um solo humoso; a brisa do mar que beijava sua face agora mal podia ser sentida.

Depois de vagar por um tempo que ela não conseguiu calcular, uma enorme rocha despontou no terreno mais à frente, revelando uma silhueta maior e mais imponente com a aproximação da garota.

Sob a sombra daquele paredão sólido, ela levantou uma de suas mãos e tocou-o, como que atraída por um imã, e seus dedos começaram a deslizar por sua superfície lisa e fria. Percorridos alguns centímetros, as pontas de suas falanges notaram que havia sulcos entalhados na pedra escura. Pareciam letras esculpidas com delicadeza e muita destreza, mas Innora não sabia o que diziam, visto que ainda não aprendera a ler. Acima daqueles dizeres, também esculpido com a mesma precisão, emergia um símbolo que lhe pareceu familiar. Um círculo com uma linha horizontal que o cortava ao meio, foi o que a garota observou.

Por mais que a jovem tentasse lembrar onde já havia visto aquela marca, ela não conseguia. Esticou o indicador e ficou na ponta dos pés para alcançar o entalhe. Seguiu a linha circular e o corte e, quando chegou ao raio central, um pingo d'água aterrissou nas costas de sua mão, seguido de outros tantos que escorregaram por sua pele, formando linhas transparentes. Ela olhou para o céu, agora coberto por nuvens de chuva, todavia isso não pareceu preocupá-la. Era apenas uma garoa, algo comum na ilha, ela pensou. Logo passaria.

Entrementes, ainda que coberto pelas nuvens, a luz emanada pelo Grande Espírito Vigia, como um puxão, a tirou do encanto que o grande monumento lançara sobre ela e a fez pensar em quantas horas haviam se passado.

- O virar do dia – Seus lábios se moveram num sussurro abafado pelo som da chuva que caía.

De costas para o paredão, Innora observava o longo caminho que percorrera. À distância, o costão rochoso se destacava ao contrastar com a espuma branca das ondas e o azul do mar mais adiante. Ela seguiu a linha de cabanas e rapidamente identificou a sua.

Seus longos cabelos pretos, molhados pela chuva, grudaram em suas costas morenas. Sua roupa, uma túnica verde escura feita de pele de animais e fibras vegetais, absorvera a umidade e agora pesava sobre seu pequeno corpo de cerca de um metro e meio de altura e cinquenta quilos, dificultando seus movimentos. Seus lábios se crisparam e ela bufou, o ar saindo pelas suas narinas ao produzir um "grrrr" em sua garganta, demonstrando irritação.

- Você não parece contente. – Uma voz rouca e cansada vinha de trás da pedra.

Innora, surpreendida, olhou para a direção de onde vinha a voz e se deparou com uma figura um palmo mais alta que ela.

Uma senhora com cabelos grisalhos, presos em dois coques no alto de sua cabeça, um na frente do outro, caminhava com cuidado em direção à garota. Seu nariz era pontudo e terminava em dois grandes olhos cinzentos, tão penetrantes, que pareciam perfurar a pele, carne e ossos da garota, fazendo-a se retrair quando fizeram contato visual.

Carregava consigo algo jamais visto pela criança postada em sua frente. A anciã notou isso, pelo movimento rápido daqueles olhinhos negros como uma noite sem estrelas em direção ao objeto, sua curiosidade tão clara quanto o céu que agora não apresentava mais nenhuma nuvem de chuva. O apetrecho era composto por uma tela circular enorme, presa a longos e finos gravetos, através de barbantes, que se fixavam em um cinto ajustado à cintura da anciã.

Ilha das Conchas (Seashell Island)Where stories live. Discover now