A Dafne não faria isso comigo.

19 4 0
                                    

Benício e Vanusa ficam longos minutos conversando. Ela fala com devoção sobre Alexia. Naquele momento, ele decide se calar. Ele quer conhecer essa mulher de quem tanto ouviu falar.

Os médicos deram alta para ele no mesmo dia. No caminho para casa, ele foi em silêncio, olhando para a cidade onde nasceu. Tudo estava diferente. Prédios de luxo, casas que antes eram pequenas e sem muita estrutura, agora são lindas, cada uma com um jardim. Mas o que mais o surpreendeu foi a casa em que ele cresceu.

— Estamos no lugar certo? — Ele pergunta para a mãe, admirando a beleza da enorme casa.

— Sim, filho. Foi a primeira coisa que a minha menina fez. Com o dinheiro do jogo que ela criou, contratou alguns mestres de obra. Lembra que seu pai, antes de nós casarmos, tinha o sonho de ser arquiteto?

— Sim, mãe.

— Então, ela ficou sabendo e o convenceu a correr atrás desse sonho. Ele foi quem desenhou o modelo da casa, assim como nós sonhamos anos atrás. E não parou por aí. Alexia, em 5 meses morando conosco, convenceu seu pai a estudar. E adivinha? Ele vai se formar agora no fim do ano. — Vanusa fala empolgada.

— Mas de onde ela tirou dinheiro? Se entendi corretamente, Alexia perdeu a memória.

— Tem dois jovens que descobriram esse talento dela. São meninos de ouro. Com um computador, eles a viram criando alguns projetos e depois fizeram um empréstimo que foi uma burocracia. Juntamos um pouquinho aqui, seu avô também cedeu uma parte, a mãe deles vendeu o carro que era para o trabalho dela. Colocamos toda a nossa confiança nela, e foi a melhor coisa que fizemos. Até o prefeito da cidade mais próxima veio conhecer a dona dos jogos mais acessados da internet e trouxe muitos recursos para nossa cidade.

— Caramba. — Benício fala e uma certa curiosidade surge em conhecer a mulher de quem todos falam.

Vanusa deixou tudo como Benício gostava. Ela o ajudou a tomar banho, fez a barba e, nesse momento, reparou que seu cabelo estava bem cortado e a barba estava praticamente feita.

— Mãe? Quem cortou meu cabelo?

— Alexia. Ela pesquisou na internet como cortar o cabelo do jeito que você gosta e, a cada 5 meses, ela cortava. Ela também fazia sua barba todo final de semana. — Vanusa se aproxima por trás dele, coloca suas mãos nos ombros de Benício e, olhando nos seus olhos pelo reflexo do espelho, ela pergunta o que nunca entendeu. — Filho, por que nunca me disse que tinha uma namorada? Sua amiga chegou a dizer que vocês iam se casar. Como nunca soube disso, filho?

— Amiga?

— Sim, aquela loira, a Dafne. Dois dias depois que a Alexia acordou, ela quis te ver e, quando entramos, essa Dafne estava ao lado da sua cama, arrumando seu travesseiro. Achei estranho, mas aí ela contou pra gente sobre o casamento. Chegou a falar para a Alexia se casar com você mesmo em coma, mas a minha menina não aceitou. Ela nem lembrava nem o nome, mesmo assim, foi firme na resposta.

— Não pode ser. A Dafne não faria isso comigo. Deve estar confundindo ela.

— Não, filho, não estou! E outra coisa que não sai da minha cabeça: por que não disse que ela estava esperando um filho seu?

— Filho? A Dafne estava esperando um filho meu?

— Benício, quem é a sua namorada? Com quem você estava no carro quando sofreu o acidente? Lógico que é a Alexia. Vai me dizer que você traiu a menina com essa Dafne? — ela fala frustrada. — Por isso, nunca gostei dela! — Vanusa fala ainda mais impaciente, imaginando a traição do filho. Benício fecha os olhos e força suas memórias, lembrando que Alexia estava grávida.

— O bebê, o que aconteceu com o bebê? Cadê ele? — Ele fala desesperado. Vanusa confunde as coisas e acha que ele ficou assim por causa do filho.

— Eu sinto muito, amor. O bebê não resistiu. Nasceu de 8 meses e nem mesmo o corpinho me deram para enterrar. — Vanusa fica de frente para o filho. — Eu te proíbo, Benício, de falar com a Alexia sobre o bebê.

— Bebê? — Nesse instante, Alexia entra e ouve sobre o bebê.

— Meu amor, que bom que chegou. — Vanusa vai ao encontro dela e a abraça.

— De que bebê estão falando, sogra?

— Não é nada. Estava contando que a prima dele, uma sobrinha minha distante, ganhou o bebê. Já deve estar com 3 anos.

— Acho tão lindo a maternidade. Desde que acordei, sinto um vazio, sabe? Será que eu tinha algum sonho de ter filhos ou algo assim? — Ela olha para Benício com um olhar meigo. — Nós queríamos ter filhos? — Ele ia falar que nunca teve nada com ela, mas a entrada de outra pessoa faz ele mudar de ideia. — Minha linda, já ia lá te dar um beijinho. — Alexia fala indo ao encontro da doce vó Emma.

— Minha filha, você demorou. — Emma a olha com ternura. Às vezes, ela acredita que Alexia é sua filha que morreu quando tinha a idade dela. Chega a chamá-la pelo nome dela, mas Alexia não se importa. O seu amor por essa família é tão grande que não quer perder isso.

— Vovó, não vai dar um beijo no seu neto? — Emma olha para Alexia, que sorri carinhosamente.

— Sim, vó, ele é o Benício, seu neto.

Em passos curtos, ela se aproxima dele e abraça Benício. Ele chora emocionado porque, mesmo que ela não o tenha reconhecido, ela o abraçou.

— Mamãe, vamos descansar. Hoje a senhora já se aventurou nas ruas e deve estar cansada. — Vanusa fala, segurando delicadamente em seu braço. — E também está na hora do seu remédio.

— Deixa que a Jessy me leva. — Emma fala, indo ao lado de Alexia. — É tão linda, minha filha. — Vanusa suspira tristemente, lembrando da irmã. Alexia fica sem jeito, mas logo pega na mão de Emma e a leva para o quarto, dá seus remédios e a ajuda a deitar. — Jessy, prometa que nunca vai embora? Que nunca vai me deixar?

— Vovó, sou eu, Alexia. — Emma olha para ela e fecha os olhos. — Te amo, vovó. Eu prometo que nunca vou deixar a senhora. — A doce senhora sorri de olhos fechados. Sem muita demora, pega no sono. Alexia fica mais alguns minutos com ela e, sem fazer barulho, sai do quarto. — Oi, quer ajuda? — Ela fala ao encontrar-se com seu sogro na sala, tentando fazer umas contas.

— Eu devo ter fugido da escola. Não lembro como se faz essa soma. — Ela se aproxima e olha o papel. São contas de metragens. Alexia senta ao seu lado e olha para o papel. Em poucos segundos, ela resolve a conta na cabeça e, com calma, explica para seu sogro. Ele a olha admirado. — Ah, filha, o que seria da minha vida sem você?

— Que isso, o senhor é muito inteligente. Se precisar, pode me chamar. — Ela dá um abraço e um beijo no rosto dele e sai em direção ao quarto.

Ao chegar nele, ela ouve risadas. Sem querer incomodar, fica um tempo encostada na parede e acaba ouvindo Betina falando animada com Benício.

— Acredita que o prefeito vai fazer uma festa porque você acordou?

— Mentira? Mas a cidade não está passando por crises?

— Que nada, irmãozinho. Não conta para ela que eu te contei, para ela não pensar que gosto dela. Talvez eu goste, mas deixa ela acreditar que não gosto.

— Fala logo, Tina. — Benício sorri com a fala atrapalhada da irmã, atropelando as palavras para falar logo.

— Ah, é. Então, graças à sua namorada desmemoriada, a cidade cresceu. Ela abriu uma empresa de tecnologia aqui, contratou um monte de mulheres e jovens aprendizes. Na própria empresa, ela abriu uma creche para as mães trabalharem tranquilas e perto dos filhos. Com a empresa crescendo, vieram pessoas de outros países. Começou a crescer mais casas, mercados, lojas. Temos até um shopping agora. — Benício ouve tudo e uma pontinha de admiração surge em seus olhos. — Não queria falar, mas ela ter sofrido esse acidente e vindo pra cá foi a melhor coisa que aconteceu nesses últimos 3 anos.

Lembranças Perdidas Where stories live. Discover now