Capítulo 9 - Abaixo da Superfície

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As luzes do longo corredor piscavam e falhavam, dando ao lugar todo uma ambientação macabra, não que aquele lugar precisasse de ajuda para isso. O longo corredor era repleto de pequenas salas com paredes e portas de vidro. Muitas delas abertas, mas algumas ainda fechadas. Elas possuiam travas que aparentavam ser muito avançadas, e as portas trancadas emitiam um leve ruído que parecia muito com uma espécie de corrente de alta voltagem. Eram bem diferentes do comum, mas Beatriz conhecia uma cela quando via uma. Estranhamente, todas elas, incluindo as que estavam trancadas, estavam completamente vazias, ou pelo menos, aparentavam estar.

Ophidia parecia estar de ótimo humor e tinha um grande sorriso no rosto, o que deixava Beatriz ainda mais nervosa. Mais a frente, Beatriz avistou uma pessoa. Uma mulher mais velha. Bem mais velha, de cabelos grisalhos usando um jaleco branco. Ela estava caída no chão e não se movia. Beatriz não sabia dizer se ela estava inconsciente ou... E ela não tinha coragem de descobrir. Então, Beatriz viu que haviam mais cientistas, todos estranhamente bastante velhos. Na verdade, quando mais as duas avançam, mais velhos os cientistas que elas encontravam pareciam. Pareciam ter 80 anos, 90 anos, 100 anos. Até o ponto que pareciam verdadeiras múmias.
— O que aconteceu com essas pessoas?! — Beatriz exclamou — Isso não é normal!
Ophidia olhou ao seu redor como se só agora tivesse se dado conta dos cientistas envelhecidos.
— Oh, não é algo que você vê todo dia, não é? — ela disse em tom alegre — parece que "eles" se divertiram bastante com esses humanos.
— "Eles"? Eles quem? — Beatriz perguntou confusa.
Ophidia simplesmente apontou para uma das celas que ainda estava trancada. Beatriz olhou em sua direção, mas a cela parecia completamente vazia. A não ser por... Beatriz esfregou seus olhos, e então olhou de novo. A cela não estava vazia. Dentro dela havia... Beatriz não fazia ideia do que era. Parecia uma espécie de névoa ou fumaça de cor roxa. Ela se movia e se revirava dentro da cela de vidro, o que lembrou Beatriz de um peixe em seu aquário. A fumaça parecia mudar constantemente sua forma e assumir formas de outras coisas, como se nem mesmo ela soubesse o que deveria ser. Em um momento parecia formar o rosto de um leão, então um tubarão, e então um crocodilo, por um breve momento, tomou a forma de um rosto humano. Beatriz olhou para as outras celas trancadas e todas continham criaturas similares. Todas se contorcendo e se revirando sem poder sair de seu confinamento.
— O que são essas coisas? — Beatriz perguntou.
— Ora, Então você realmente pode vê-los! — Ophidia respondeu — Isso é muito bom, mas significa que não temos muito tempo, melhor nos apressarmos.
Ophidia se virou e continuou a andar, mas Beatriz não se moveu.
— Eu fiz uma pergunta, o que são essas coisas? O que aconteceu com essas pessoas?
— Não teste minha paciência Beatriz — Ophidia disse em tom sério, mas Beatriz não se abalou por isso e apenas crusou os braços.
— Bem, se você quer mesmo perder tempo com isso, é você quem sabe — Ophidia disse voltando a sorrir. Então ela pareceu pensar por um tempo — Ok, imagine um Oceano. Um grande oceano de águas completamente escuras.
— O que isso tem haver com...
— Silêncio! Você quer uma explicação né? Vai fazer sentido. Ok, ok. Imagine que os humanos, animais e etc navegam nesse Oceano. As águas são escuras demais pra ver através, então eles não fazem ideia do que tem nelas.
Beatriz olhou para as estranhas criaturas nas celas mais uma vez.
— Então o que tem nessas tais águas são essas coisas?
— Exatamente! Sabia que você ia entender. Essas coisas e...
Ophidia apontou seus dois polegares para sim mesma.
— Então você também é um deles? — Beatriz perguntou encarando novamente o vidro e Ophidia riu como se ela tivesse ouvido a melhor piada do mundo.
— Eu? Igual a eles? Essa é boa. Eles foram capturados por humanos. Olhe pra eles, eles já perderam toda noção de quem são, do que são, em breve eles não serão mais nada. Patético. Mas de certa forma... — Ophidia estendeu seu braço direito e ele se desfez em fumaça roxa antes de se refazer novamente — Nós já fomos o mesmo um dia, mas hoje eu sou muito mais, e eles muito menos. Não nos compare.
Ophidia encarou um dos cientistas no chão.
— Agora, entre os caras que eu soltei, tem alguém realmente interessante. Se foi capturado aqui não pode ser grande coisa, mas o que ele fez aqui... Impressionante. Deve ter aprendido isso por ficar tanto tempo perto daquela coisa.
— Espera aí... — Beatriz não sabia do que Ophidia estava falando, mas ela havia dito algo que a deixou bastante incomodada — Foi você soltou eles? Você abriu essas celas?
— Sim. E daí? Eu só não soltei os fracotes por que eles são inúteis, mas soltei o suficiente pra limpar todo esse lugar, e veja só, não tem ninguém nos enchendo, perfeito.
— Mas essas pessoas...
— Quem liga pra elas? Não me diga que você de repente tem consciência Beatriz.
— Como assim, é claro que eu tenho. Eu nunca aprovaria isso.
Ophidia riu.
— Fala sério, a quanto tempo você acha que eu observo você? Você é egoísta, uma sadica, você gosta de subjugar seus oponentes nas lutas e ter as coisas do seu jeito fora delas. Você não liga pra ninguém além de si mesma.
— Eu não sou assim! — Beatriz estava começando a se irritar, mas o que mais a incomodava era pensar que Ophidia talvez tivesse razão.
— Nós não somos tão diferentes quanto você imagina Beatriz, mas se eu fosse você eu realmente não teria essa discussão agora. Não quando você tem tão pouco tempo.
— O que? Como assim? Por que?
— O seu mundo e o meu, são duas coisas diferentes, mas ainda assim, você consegue enxergar os dois. Já se perguntou por que?
Beatriz pensou no que Ophidia disse e então se lembrou de como foi quando viu Ophidia pela primeira vez. Se lembrou de como as duas se encontraram.
— Se for pensar na minha ilustração — Ophidia disse — as águas escuras não são realmente água, não é? Você não pode nadar nelas. Você só pode afundar. E afundar. E afundar. A alma humana é interessante, sabe? Eu consigo ver o momento que ela deixa o seu corpo. Eu usei parte da minha própria energia pra segurar a sua por mais tempo, mas não pra sempre.
Beatriz de repente entendeu por que não sentia calor, ou frio, ou dor, ou... Nada.
— Por que você não disse isso antes? Então eu vou morrer de novo? Depois de tudo isso?
— Ah aí está! Agora você está interessada, não é? Sim você vai morrer, ou... Algo do gênero.... Mas, existe uma forma de prevenir isso. O que nós viemos buscar aqui pode te trazer de volta permanente. É um ítem realmente poderoso. Nós duas podemos utilizá-lo. Eu vou ter o que eu quero e você o que você quer. Eu já disse que seria ruim pra mim se você morresse, não é? Acredite.
Acreditar em Ophidia era a última coisa que Beatriz queria fazer, mas ela não tinha nenhuma outra opção.
— Agora, se já ficou claro — Ophidia disse — melhor não perdermos mais tempo não é?
E Ophidia saiu na frente com Beatriz a seguindo logo atrás.
Beatriz se virou para olhar um dos cientistas caído no chão, seu rosto e mãos completamente mumificados pelo que ela agora sabia ser uma criatura sobrenatural. A iluminação falhava, deixando tudo mais sombrio. Beatriz não pôde deixar de imaginar: se Ophidia se achava tão superior a quem quer que tivesse feito aquilo, o quão pior, o quão terrível ela não poderia ser na verdade?

Diaboli LudumWhere stories live. Discover now