Capítulo 8 - Aqui Estamos

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Memórias fluem pela mente de Beatriz. O dia que ela e sua mãe brigaram e sua mãe a fez decidir entre desistir das lutas ou procurar outro lugar para morar; O dia que ela e Ana se mudaram para seu novo apartamento; Os dias mais felizes e os dias mais tristes.

Ela se lembrou de quando Lucius contou a ela sobre o Torneio Anel da Ira.
- Você precisa de mais dinheiro? Infelizmente as suas lutas não estão em alta atualmente. Mas se você realmente estiver disposta, o que acha de entrar nas grandes ligas? - ele havia proposto.

Ela lembrou também do dia que acordou em uma cela de delegacia com um oficial batendo nas barras.
- Pode acordar, tá liberada - ele disse abrindo a porta.
- Achei que seriam três dias - Beatriz respondeu confusa.
- Pagaram a fiança.
- Pagaram? Quem?
Beatriz se lembrava claramente da decepção no rosto de sua mãe.
- Então esse é o único jeito de eu ver você hoje em dia? - ela perguntou. Não havia raiva em sua voz. Apenas tristeza, o que partiu o coração de Beatriz - Por que você agrediu aquelas pessoas?
- Foram eles quem começaram! - Beatriz disse, embora soubesse que isso não faria diferença nenhuma.
- Todo esse tempo, e você ainda não aprendeu a se controlar?
- Mãe, eles estavam falando mal dele...
A mãe sacudiu q cabeça.
- Já faz quase cinco anos que seu pai morreu, você acha justo usar ele como desculpa?
Beatriz se lembrava que, de certa forma, até mesmo ela estava um pouco decepcionada consigo mesma naquele momento.
Ela se lembrava da discussão que se seguiu, de como ela e sua mãe se exaltaram ali mesmo na delegacia. A memória de sua mãe tendo um ataque em sua frente enquanto às duas gritavam uma com a outra era algo que ela nunca iria esquecer. Da mesma forma que a conversa que as duas tiveram no hospital.
- Os médicos disseram que não foi a primeira vez. Por que você não me contou? - Beatriz perguntou. Apesar de tudo, ela se preocupava muito com sua mãe.
- Considerando que você nunca fala comigo? Imaginei que não se importava.
- É isso que você acha? Mãe eles disseram que você...
- Eu sei.
- Quanto tempo?
- Isso eu não quero saber. Foi a minha decisão.
Beatriz já havia perdido seu pai, a ideia de perder sua mãe também a destruía por dentro.
- Mas... eles também disseram que existe um tratamento. É experimental, mas pode funcionar!
- Se te falaram isso, também disseram que é extremamente caro. Eu já aceitei a minha situação Beatriz. Está tudo bem.

A calma com a qual sua mãe lidava com qualquer situação sempre incomodou Beatriz que de forma oposta tendia a se deixar levar pelas emoções. Ver alguém tão calmo quando confrontado com a própria morte era simplesmente absurdo para ela.
- Não! Você não pode estar falando sério! Eu... Eu recebi uma oferta, se eu aceitasse, poderia mudar tudo. Eu poderia pagar seu tratamento, nós poderíamos ter uma vida nova.
A mãe pareceu confusa por um tempo, mas então, sua expressão mudou completamente. Parecia que Beatriz havia lhe contado uma coisa realmente terrível.
- Me diga que você não está falando do que eu estou pensando.
- Como assim?
- Ele... Lucius te falou daquele torneio não é? Aquele torneio horrível. Me diga que você não vai aceitar - A mãe disse firmemente.
- Como... Como você sabe sobre isso?
- Ele ofereceu a mesma coisa a seu pai, você ainda não havia nascido. Nós conversamos sobre isso na época. Não que tivesse algo para conversar. É uma péssima ideia desde o começo.
- Mãe, o prêmio são 500 mil!
- Beatriz! As pessoas morrem nesse torneio. Elas morrem de verdade. Prêmio nenhum vale isso.
- Você não acha que eu consigo?
- Isso não vem ao caso.
- Claro que vem. Você nunca acreditou em mim. Você nunca viu uma única luta minha sequer. Mas eu sou forte. Eu consigo! Eu posso te ajudar.
O sinais vitais da mãe começam a se agitar e uma enfermeira entrou correndo na sala.
- Madame, preciso pedir que se retire... - Ela diz a Beatriz.
Beatriz estava prestes a sair da sala, quando sua mãe pediu para trocar uma última palavra com ela.
- Querida... Eu talvez não tenha muito tempo, mas você ainda é jovem. Eu não dúvido da sua força, mas você ainda tem muito o que viver. Não jogue sua vida fora. Por favor... Prometa que vai recusar.
- Eu... Não posso prometer isso. Mas prometo que vou pensar direito antes de tomar uma decisão.

Quando Ana chegou em casa naquela noite, se deparou com Beatriz chorando no sofá. Ana se sentou ao seu lado e Beatriz explicou tudo para ela. Contou sobre a proposta de Lucius, sobre a condição de sua mãe e sobre a discussão que as duas tiveram.
- Eu nem sei o que dizer... Sinto muito por sua mãe... - Ana disse e abraçou Beatriz - Você sabe que eu vou te apoiar no que quer que você decida, certo?
- Obrigada Anilu, você é demais. Eu nem sei o que eu faria sem você.
- Tenho certeza que sairia bem, você é uma mulher forte. É isso que eu mais amo em você - Ana disse com um sorriso.
- Eu também te amo - Beatriz respondeu.
E então ela corou. Ela tinha sentimentos por Ana já a bastante tempo, mas nunca teve coragem de os expressar desta forma. Um silêncio constrangedor se seguiu por segundos que mais pareciam horas, até que Ana finalmente respondeu.
- Eu... Me sinto lisonjeada Triz... Eu também te amo. Mas... Não desse jeito....
Beatriz sacudiu suas mãos freneticamente, gesticulando para que Ana parasse.
- Não, não! Eu... Eu... Também não quis dizer desse jeito! - as duas estavam coradas. Mas, enquanto Ana estava levemente rosada, Beatriz mais parecia uma cereja no momento.
- Oh... - foi só o que Ana respondeu.
- Desculpa se você entendeu errado - Beatriz disse, se pondo de pé.
- Tudo bem Beatriz? - Ana perguntou.
- Claro! Eu só... Lembrei que tinha uma coisa muito importante pra fazer! Depois a gente se fala - Beatriz disse, e sem esperar uma resposta, saiu às pressas do apartamento.
Beatriz lembrava de correr para a academia naquele dia. Ela nem se importou em colocar o equipamento de proteção, apenas socava os sacos de areia com suas mãos nuas.
- Idiota! Idiota! Idiota! - dizia a si mesma - Por que ela iria gostar de mim? Ninguém gosta! Eu sou uma inútil!
Beatriz socou o saco com tanta força que ele furou, e areia começou a cair dele, assim como as lágrimas em seus olhos. Ela caiu de joelhos. E deu um soco no chão com força, ferindo seu punho desprotegido. Seu celular começou a tocar indicando uma chamada de Anilu. Beatriz limpou suas lágrimas e encarou o telefone, mas não teve coragem de atender. Então ela apenas esperou o telefone parar de trocar. Ana mandou uma mensagem ao invés.
"Triz eu sei que você está passando por muita coisa, mas está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Você é uma pessoa boa, e você é forte, pode fazer qualquer coisa. Nunca se esqueça."
A mensagem dizia mais depois disso, mas ela não quis ler o restante.
- Eu consigo - ela disse a si mesma.
Beatriz procurou em seus contatos até encontrar Lucius e enviou uma única mensagem.
"Sobre o assunto que conversamos, sobre o Anel da Ira. Eu aceito."
No instante que ela tocou em enviar, uma mensagem de resposta chegou.
"Excelente, farei os preparativos."

Finalmente, Beatriz se lembrou de sua primeira vitória no torneio. Ela se lembrava dos rostos de surpresa na plateia quando ela foi anunciada a vencedora.
- Gostaria de dizer algumas palavras, novata? - O juiz havia perguntado.
Pelo que Beatriz sabia do torneio, não era só questão de ganhar as lutas, havia também um certo concurso de popularidade envolvido. Isso decidia de tudo, desde as regras das lutas em que ela participaria até mesma a quem seria escolhido para enfrenta-la, tudo para gerar o máximo de entretenimento e manter as apostas em alta. Beatriz sabia exatamente o que fazer. Ela tomou o microfone da mão do juiz de forma rude. E então disse o mais alto que podia:
- Eu sei que vocês todos esperam que eu não dure nada nesse torneio. "Ela é uma mulher", "Ela é fraca", quem sabe que outras merdas passam pela cabeça de vocês. Mas eu vou ganhar, vocês querendo ou não. Meu nome é Beatriz. Quem acha que pode me derrubar, pode vir!
Beatriz soltou o microfone, que fez um BUM ao cair no chão. A plateia vibrou, mas não em aplausos ou torcida. Todos vaiavam, jogavam objetos e comida, chamavam Beatriz dos piores nomes, mas Beatriz não ouvia nada disso. Por mais que todo o barulho deixasse difícil de escutar, Beatriz podia ouvir claramente alguém gritando seu nome, mas não com raiva igual aos outros. Alguém, no meio daquela plateia enlouquecida, torcia por ela. E era só o que ela ouvia.
- Beatriz! Beatriz! Beatriz! Beatriz!

...

- Beatriz! - a voz de Ophidia trouxe Beatriz de volta ao presente com um espanto - será que dá pra parar de ficar sonhando acordada? Eu preciso da sua atenção total aqui. Nós chegamos.
- Chegamos? Chegamos onde?
Beatriz encarou as duas grandes portas em sua frente. Os dizeres "Ala de Pesquisas Sobrenaturais - Perigo! Risco de Morte Iminente" não pareciam nada convidativos. Ophidia estalou os dedos, a trava das portas se desfez e elas abriram.
- O que tem aí? - Beatriz se perguntou se as coisas poderiam ficar ainda mais esquisitas.
- Se você acha que foi esquisito até agora - Ophidia disse, como se pudesse ler a mente de Beatriz - Você ainda não viu nada.
Ophidia começou a rir maniacamente enquanto adentrou a Ala de Pesquisas Sobrenaturais e Beatriz a seguiu, se preparando para o pior.

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