Capítulo 1 - Morte Súbita

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A arquibancada vibrava de animação. Todos ali sabiam que aquela seria uma noite que jamais esqueceriam. No centro da arena, duas figuras se enfrentavam ferozmente trocando golpes poderosos para decidir de uma vez por todas quem levaria o tão cobiçado prêmio para casa.

De um lado, o grande Goliate, esbanjando uma estatura de incríveis 2,3 metros e pesando 230 quilos, ele não precisava de nenhuma introdução. O violento lutador era conhecido por esmagar completamente suas vítimas e já havia mandado inúmeros para o hospital e um número considerável de pessoas direto para o cemitério. Dentre outras regras grotescas, matar o seu oponente não era contra as regras no Anel da Ira, o que não era tão incomum nesse tipo de eventos que não eram exatamente regulamentados ou sequer... legais. Goliate se aproveitava completamente deste fato, o que fazia muitos desistirem simplesmente ao saber que ele seria o oponente. Quando foi anunciado que uma garota que estava competindo pela primeira vez iria enfrentar Goliate, todos imaginaram que a luta não duraria um segundo, isso se ela sequer aparecesse. Beatriz tinha apenas 1,65 e menos da metade do peso de seu oponente. Ela conhecia muito bem a fama que ele tinha. Mas nada disso jamais iria fazê-la desistir do prêmio de 500 mil. Não depois de tudo que ela havia passado para chegar ali. Enfrentando oponente após oponente no torneio, Beatriz vinha criando sua própria fama. Além de ser a primeira mulher a chegar nas finais do Anel da Ira, ela não havia matado um único oponente no torneio, diferente de todos os campeões passados. Não era de se estranhar que ela tivesse seus próprios fãs gritando seu nome.

O que muitos imaginavam que seria uma luta de segundos, já se estendia por horas, apesar de que estava claramente se aproximando de sua conclusão. Beatriz não só estava sobrevivendo, ela estava ganhando. Goliate balançava seus enormes punhos a torto e a direita, mas Beatriz se desviava deles com tanta graça e facilidade que os dois pareciam estar performando uma complexa dança coreografada. Goliate não estava tendo tanta sorte. Beatriz desferiu um gancho de direita tão veloz que o Gigante mal pôde ver o que o atingiu.
- Filha da... - ele começou a resmungar antes de levar outro golpe. - Por que não fica parada, tá com medinho é?
Goliate riu mas Beatriz não deu nenhuma atenção, o que o deixou ainda mais furioso. Ele ergueu seu punho e golpeou com toda a força, mas Beatriz não estava mais em seu caminho e o gigante apenas golpeou o chão. Ele se virou para lançar um segundo golpe, mas foi surpreendido com um chute em seu rosto e foi lançado para trás.
- VOCÊ VAI MORRER AGORA! - ele urrou. - EU SOU O GRANDE GOLIATE! EU NÃO PERCO PRA NINGUÉM!
Beatriz sorriu. - Bem, pra tudo tem uma primeira vez - ela disse em tom de deboche.
Essa foi a gota d'água. Com seu rosto tão vermelho quanto um tomate e as veias saltando de sua testa, Goliate disparou em direção a Beatriz, cheio de intenção assassina. Beatriz disparou de encontro a ele. O Gigante ergueu seus dois braços, punhos fechados e saltou em Beatriz para a esmagar com eles. Beatriz fixou seu pé no chão, contraiu suas pernas, puxou seu punho direito junto à sua cintura, reuniu todas as suas forças e então saltou desferindo um poderoso gancho, atingindo Goliate bem em seu queixo. O gigante girou no ar com o impacto e caiu de costas no ringue. Completamente inconsciente. A plateia segurava o seu fôlego por todo momento, mas então, todos vibraram de emoção. História havia sido feita bem ali e uma nova lenda havia nascido.

Beatriz deu vários autógrafos naquela noite, muitos fãs queriam a parabenizar. Mas assim que possível ela deu uma desculpa e correu em direção ao vestuário. Havia uma pessoa a quem ela queria contar a grande notícia mais do que a ninguém: Ana Luiza, sua melhor amiga desde sempre, sua única amiga. Beatriz esperou ansiosa enquanto o telefone chamava e quando ela ouviu a voz de Ana, um grande sorriso se abriu em seu rosto.
- Você não vai acreditar, Eu ganhei! -Beatriz falou, sua felicidade e animação eram aparentes em sua voz.
- Oh meu Deus, meus parabéns! Eu sabia que você conseguiria. Como você está? Se machucou? Eu estava muito preocupada - Ana respondeu.
- Ele não me acertou nenhuma vez. Eu disse que você se preocupa demais. - Beatriz disse em um tom alegre.
- Sou eu quem sempre tem que ficar tratando seus olhos roxos e fraturas, é claro que eu me preocupo. Espero que você não esteja mentindo. - Ana disse de forma firme.
- Eu prometo que estou bem. Vou pegar o prêmio e já já chego em casa. Hoje nós vamos comemorar! Vamos assistir aquele filme que você queria e vamos pedir uma pizza. Ou melhor ainda! Vamos pedir comida japonesa, daquele restaurante chique. - Beatriz sorria ao imaginar a noite que as duas teriam.
- Ah amiga... desculpa... hoje não vai dar... - Ana respondeu em um tom melancólico. - Eu... tenho um encontro hoje. Só estava esperando notícias suas, mas já que você está bem, eu já estou saindo. Mas a gente pode comemorar outro dia.
Beatriz quase deixou seu telefone cair ao ouvir aquilo - Eu... não sabia que você estava saindo com alguém... você não falou nada... - Ela tentou não parecer tão chateada.
- Bem, não é como se eu precisasse te contar tudo né, foi mal. Prometo te retribuir outro dia. Mas por que você não sai também? Você ainda pode comemorar sem mim.
Apesar de não saber exatamente o que, algo no que Ana falou incomodou Beatriz ainda mais.
- Não, tudo bem, eu só vou pra casa.
Beatriz deve ter falhado em esconder o quão chateada estava com tudo aquilo pois Ana tentou mudar um pouco de assunto.
- E a sua mãe? Você já deu a grande notícia a ela? Você vai finalmente conseguir pagar o tratamento dela - ela disse.
- Eu não falo com ela há meses. Nós tivemos uma briga feia da última vez. Ela odiou quando eu falei sobre o Anel da Ira pra ela. - o sorriso de Beatriz havia desaparecido completamente.
- Oh Triz... eu não sabia... sinto muito. Espero que vocês consigam se resolver. - Ana tentou parecer solidária.
- Tudo bem, aproveite o seu encontro. Nos vemos depois.
Beatriz não esperou Ana responder e apenas desligou o telefone. Ela juntou suas coisas, foi na administração do torneio retirar seu prêmio e foi embora.

Beatriz se sentia muito mal. A emoção de ter vencido o torneio havia desaparecido completamente. Ela não se sentia uma vencedora naquele momento. Muito pelo contrário, ela sentia que tinha perdido algo que dinheiro nenhum poderia comprar de volta. A caminhada até o ponto de ônibus parecia interminável. As ruas completamente desertas e a péssima qualidade da iluminação pública deixavam todo aquele cenário macabro. Beatriz não tinha medo de lugares assim, mas ainda era cautelosa, ainda mais ao carregar uma quantia tão grande consigo. Ela teve a perturbadora sensação de estar sendo observada e decidiu apertar um pouco mais o seu passo. Foi aí que ela notou que estava sendo seguida. Beatriz se virou para encarar quem quer que fosse que estivesse atrás dela. Fugir não era de seu feitio e ela estava mais do que preparada para se defender se fosse necessário.

Ela se surpreendeu ao ver a enorme, mas familiar figura de uma pessoa que ela não gostaria de rever tão cedo.
- Goliate? O que você quer - ela questionou.
- Você sabe muito bem, você está com algo que me pertence - Goliate disse com sua voz ríspida.
- Saí fora, eu ganhei de forma justa, agora deixa de ser um mau perdedor. Você não quer levar outra surra né
Goliate começou a rir. Sua risada era tão grotesca quanto qualquer coisa relacionada a ele e Beatriz sentiu seu estômago se revirar.
- Qual a graça grandalhão? - Ela perguntou.
Beatriz segurava sua bolsa firmemente e bem próxima de seu corpo.
- Você se acha tão superior a todos nós, não é? - Uma voz disse vinda de trás de Beatriz e ela quase gritou de susto.
Ela sentiu algo a golpear com força em sua perna e caiu de joelhos. Ela se virou e reconheceu o agressor como seu oponente das semifinais. Haviam outros três homens, todos participantes do Anel da Ira.
- Sabe, todos aqui conversaram e... nós odiamos ter uma garotinha metida levando a melhor sobre nós. Nós pensamos... porque não dividir o prêmio? Você venceu a gente lá dentro, mas aqui fora, contra todos nós? Você não tem chance!
Os cinco riram. Beatriz tentou lutar mas estava em muita desvantagem. Dois deles agarraram cada um de seus braços, a imobilizando e outro arrancou dela sua bolsa. Eles amarraram um lenço em sua boca e começaram a revezar enquanto davam socos em seu estômago.
- Agora você vai aprender a não ser tão metida! - Eles diziam, enquanto a espancavam e sorriam. Até chegar a vez de Goliate.
- Você não chegou a experimentar um dos meus socos lá no ringue, não é? Diga oi ao criador por mim.
Goliate a socou com tanta força que os dois homens que seguravam Beatriz em pé acabaram a soltando com o impacto e ela voou longe. Ela não tinha mais energia para se mover. Mas Goliate ainda não havia acabado. Ele continuou a golpeá-la inúmeras vezes e não parou quando ela perdeu a consciência. A lembrança de sua humilhante derrota ainda o enchendo de ira. Quando Goliate finalmente parou, suas mãos estavam vermelhas. Beatriz já não se movia, seu coração batendo cada vez mais lentamente. Até parar de bater por completo.

Diaboli LudumWhere stories live. Discover now