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Quando perdemos alguém, uma parte de nós vai embora com essa pessoa. Ficamos um pouco mais vazios e esse vazio magoa. Por mais pequeno que possa ser, a sua dor é enorme. Mas quando essa pessoa é o ser mais importante na nossa vida, a pessoa que mais amamos e aquela sem a qual não conseguimos imaginar a nossa vida, essa dor é para lá de infinita. Trespassa-nos, faz-nos gritar, chorar, querer morrer também. Faz-nos desejar ter morrido no seu lugar, pois acreditamos que tudo seria melhor caso isso tivesse acontecido.

As vozes na cabeça de Valerie pareciam vir de um lugar muito distante dali, mas, infelizmente, estavam mais próximas do que ela gostaria. Os sussurros daquelas duas pessoas que partilhavam o carro com ela, passavam-lhe ao lado e ela não ouvia nada do que proferiam. A sua cabeça estava preenchida com vários pensamentos, todos eles dirigidos para Ivy, a sua irmã gémea, morta.

- Morta. Morta. Morta. Está morta... - Valerie murmurou estas palavras num tom de voz tão baixo, que ela quase podia jurar que apenas as tinha proferido em pensamento.

Mesmo passado um ano, aquilo continuava tão presente na sua cabeça como se tivesse acabado de acontecer. Nunca conseguimos lidar com a morte da pessoa mais próxima de nós, e por mais que nos digam que o tempo cura tudo, isso não é bem verdade. Existirá sempre um vazio no nosso coração, sempre uma palavra, um objecto, uma memória, qualquer coisa, que por mais pequena e insignificante que possa parecer, fará a dor reavivar-se.

O problema para Valerie, era que ela via em todo o lado qualquer coisa que lhe fazia recordar a irmã.

Fora por este motivo que a rapariga tinha decidido que queria desistir da vida. Nada mais fazia sentido para ela. Ela não queria mais sorrir, não queria mais ter de fingir que estava feliz quando por dentro estava completamente quebrada. Estava cansada de ter sempre todas as pessoas a falar-lhe como se nada tivesse acontecido. Como podiam fingir que tudo estava bem? Cerca de um mês depois de Ivy ter morrido, Valerie tinha começado a tentar, de várias formas, acabar com a sua vida. Queria simplesmente morrer. Queria estalar os dedos e estar morta, mas infelizmente, não era tão simples quanto isso.

A primeira coisa que fez, foi marcar a pele pálida dos seus braços com os cortes que fazia com uma lâmina. Talvez se fizesse aquilo muitas vezes, todo o sangue do seu corpo saísse de si, deixando-a então sem vida. Mas ela sabia que não era assim que acontecia, aquilo apenas a tornava fraca, tão fraca que os seus olhos mal se aguentavam abertos, no entanto, o seu coração continuava sempre a bater. Este ato repetiu-se, tantas vezes, que já nem ela própria as conseguia contar. Por mais que tentasse esconder isto dos pais, não resultou durante muito tempo. Quando eles descobriram, uma tarde em que Valerie tinha ficado desmaiada na casa-de-banho do seu quarto, logo a levaram para o hospital. Pensavam que isso e o facto de a rapariga começar a frequentar um psicólogo, iria resolver tudo, mas estavam completamente enganados. Nada do que fizessem a ia fazer desistir do seu principal objectivo.

Valerie já não queria saber de nada, os amigos estavam esquecidos num pequeno recanto da sua mente. Ela não queria amigos, para quê tê-los se mais cedo ou mais tarde os ia perder? Para quê esperar pelo sofrimento quando o podia evitar logo à partida?

As suas tentativas de acabar com a vida, prologaram-se, mês após mês. Para além dos cortes, ela começou a tomar uma série de comprimidos de uma só vez. Mas nada daquilo a matava, os pais encontravam-na sempre e as lavagens que no hospital lhe faziam ao estômago, mantinham a rapariga viva.

Este ciclo repetia-se e Valerie ignorava todos os avisos dos pais, aliás, nada do que eles diziam parecia entrar na sua cabeça.

O carro parou de andar, e olhando pela janela, a rapariga vislumbrou o enorme edifício que se estendia para lá da estrada. O céu cinzento, repleto de nuvens escuras, faziam a fachada daquele lugar parecer mais assustadora do que realmente era.

Recovery || a.i.Where stories live. Discover now