A garota nobre

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Eylef demorou um pouco para voltar, nesse meio tempo puxei o máximo de panos limpos, ou quase limpos, que estavam jogados por ali em direção ao buraco do teto, aquele era o único lugar onde eu tinha certeza que nada iria desabar sobre mim.

—O que está fazendo?

—Garantindo minha sobrevivência.

—Vai acabar se molhando.

—Não vi tempo de chuva.

—Eu vi.

A contra gosto puxei o amontoado de panos para perto de uma das paredes.

—Vai demorar muito tempo para anoitecer?

—Um pouco.

—Se eu cochilar você me acorda?

—Não garanto nada.

Revirei os olhos.

—Você conhece esse lugar?

—Sim.

—Então já esteve aqui antes?

—Sim.

—Consegue responder com uma frase inteira ao invés de uma única palavra?

—E você consegue ser menos irritante?

—Não, não consigo.

Bufando o vi sentar no mesmo banquinho, boa parte do corpo oculta pelas sombras deixando apenas a máscara branca visível na luz.

—Eu só queria conversar um pouco — falei depois de um tempo, o livro ainda nas mãos — Tem muita coisa que eu gostaria de saber, e no momento você é a única pessoa que pode ajudar com isso — esfreguei o polegar na capa verde — Mas já que eu sou a chata da história, vou ficar na minha até achar alguém legal para conversar!

—Não seja tão dramática.

Virei o rosto para o outro lado me acomodando melhor nos panos velhos quando ouvi sua voz.

Pegue.

De esguelha vi um cacho de frutas roxas ser estendido na minha direção.

—O que é isso?

—Comida.

—Ah — revirei os olhos — Pensei que fosse algo que pudesse me matar.

—Talvez mate.

Parei minha mão a poucos centímetros das bolinhas, o olhar prateado fixo ao meu, como se estivesse se divertindo.

—Só há um jeito de descobrir então.

Agarrei o chacho jogando três frutas na boca, o sabor era doce e levemente amargo. Depois de engolir as três, vi Eylef me encarar com seriedade.

—Não deveria confiar tanto assim em qualquer pessoa.

—Que bom que você não é qualquer pessoa.

Joguei outra frutinha na boca, essa estava mais doce.

—Idiota!Não percebe que está arriscando a própria vida?

—Preocupado comigo? — provoquei.

—Obviamente não.

Sua resposta foi tão rápida que, por um momento, aquele não pareceu ser o mesmo Eylef arrogante que eu conhecia.

—De qualquer forma, acho que venho arriscando minha vida a muito tempo...

Me lembrei do decreto daquele homem, minha ida até casa da Maria com os emplastros e principalmente da garota mutilada, ainda um pouco mais longe lembrei do frio cortante de um inverno sem fim.

Corpo e alma, a pior das maldições (Projeto em fase de criação)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora