Frutas, legumes e Rafael

99 17 1
                                    

3

   Assim que me deitei apaguei no sono, no entanto, a noite passou devagar, assombrada pela imagem de pessoas doentes morrendo pela cidade junto de um olhar esmeralda que parecia sumir em meio a escuridão acordei com o corpo cansado e a cabeça doendo, do lado de fora conseguia ouvir as vozes exaltadas do comércio junto de batidas incessantes na minha porta.

—Já vai!

Com a visão ainda embaçada troquei de roupa enquanto as batidas continuavam.

—Estou indo!

   Me arrastando até a entrada abri a porta me deparando com um amontoado de tecido lilás que ofuscou meus olhos.

—Sophie!Me desculpe por ontem!

   Mal tive tempo de raciocinar quem era quando Carla jogou os braços em volta do meu pescoço para um abraço sufocante.

—Eu estava nervosa, não queria ter falado com você daquele jeito!

—Carla...eu não...con...sigo...resp...

—Me desculpe!Por favor!Fiquei tão mal que fui dormir pensando nisso!Estou até com olheiras!

   Depois do que pareceram horas ela finalmente me soltou fazendo com que eu puxasse uma longa lufada de ar.

—Você está bem Sophie?!

—Sim... — disse depois de me recompor — Estou sim.

—Vejo que você também não teve uma boa noite de sono, me desculpe, é tudo culpa minha!

—Está tudo bem Carla — inconscientemente puxei a gola do meu vestido que parecia estar me enforcando — Você só estava preocupada comigo.

—Mesmo?

—Mesmo.

—Ah Sophie!Que bom!

   Seus braços se abriram mais uma vez, porém, consegui ser mais rápida desviando meu pescoço do seu aperto.

—Mas e agora?Já se decidiu sobre o que vai fazer? — seus olhos encararam os meus com expectativa — Eu disse ontem e vou repetir quantas vezes forem necessárias, você pode vir trabalhar comigo na loja de tecidos, mamãe ia adorar!

—Eu agradeço Carla, mas eu não sei...desde que me conheço por gente eu faço remédios e cuido de pessoas, acho que conheço mais o nome de plantas do que de tecidos.

—Não seja boba!Com o tempo você aprende!E eu vou estar lá para te ajudar, vamos!Além do mais, você vai precisar de dinheiro se quiser sobreviver.

—Eu sei disso...

—Então!Mamãe paga cinco moedas de prata no final de cada mês, é um bom salário!

   Realmente, com cinco moedas de prata eu conseguiria me manter com tranquilidade, no entanto, não era o salário que preocupava, e sim as pessoas que eu veria padecer sem poder fazer nada para ajudar.

—A vaga está de pé Sophie, se quiser um tempo para pensar fique a vontade, eu vou estar na barraca, me encontre lá se decidir aceitar o emprego.

—Obrigada Carla, eu vou pensar sim.

   Com um último abraço minha amiga se despediu me deixando sozinha com meus próprios pensamentos.

—Vamos lá Sophie — disse a mim mesma no silêncio — Ficar parada não vai melhorar as coisas.

   Sem ânimo algum fui em direção ao cabide de roupas pegando minha velha echarpe e cobrindo os ombros. Não poderia ficar em casa, não se eu quisesse passar o resto do dia me torturando com pensamentos que não mudariam em nada minha situação, a única escolha plausível era sair e espairecer.

Corpo e alma, a pior das maldições (Projeto em fase de criação)Where stories live. Discover now