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Eu não estive no jantar da Rosa de Sangue, esse não é o meu lugar. O único intuito de eu ter pisado neste lugar já está algemado e pronto para ser levado de volta ao castelo. O que o rei fará com ele depois disso já não é minha responsabilidade, eu acho...

Com Levann morto significa que eu teria de parar com a obsessão por vingança? Eu queria muito poder dizer que não acreditava naquela maluquice de Levann e Sarah serem ambos culpados pela guerra, mas meu irmão não era um Sol'Din e não conseguiria fazer o que Sarah fez com minha mente aquela noite. Era tudo muito confuso, conflitava diretamente com tudo que acreditei durante esses dez anos.

Eu era apenas uma criança que teve que limpar o sangue da própria mãe. O que seria tão perigoso ao ponto de minha mãe preferir morrer a ficar e deixar Levann sofrer com aquilo? Gostaria de saber, mas uma parte de mim me diz que é melhor eu ficar longe de tudo isso.

O que importa é que logo essa confusão acabaria. Levann seria morto, a guerra acabaria e talvez eu pudesse chamar Dapher de pai de novo. Não precisaria mais me esconder junto à Rosa de Sangue. Não que eles sejam realmente pessoas ruins, mas...

Eu suspirei e me agarrei mais forte às rédeas de Coriane. Minhas mãos suavam e eu tinha certeza de que se minhas pernas não estivessem tão bem presas ao corpo de Cori eu já teria caído. Minha vida toda eu tive de esconder o que sentia para que as pessoas parassem de falar pelos corredores que eu era apenas uma garotinha fraca que perdeu a mãe. Acabei me tornando muito boa nisso, mas desde que Levann voltou eu sinto que fica cada vez mais difícil manter meus sentimentos dentro do peito. Apesar da raiva, eu queria falar com ele, entender o que aconteceu sem eu ter um surto de ódio e tentar matá-lo como da última vez.

O ponto é que ninguém pode me culpar pela minha reação. Não é fácil tentar digerir que sua mãe abriu mão de seu corpo físico pra viver dentro da consciência de seu irmão... sério, não é fácil. E ver Levann naquela situação, algemado e incapaz de fugir, prestes a ser usado como moeda de troca me dividia opiniões: Um lado meu estava satisfeito por ele ter o que eu acreditei que ele merecia durante dez anos, e outro lado estava apreensivo... só não sei exatamente o porquê.

Estávamos muito próximos do castelo, daquela estrutura imponente de mármore e telhas douradas que refletiam intensamente a luz do Sol para nós. Ao redor dos muros claros e debaixo de quatro pontes levadiças estava o fosso que era a periferia: Um lugar escuro e cruel que abrigava toda a dor e sofrimento da antiga elite esmeralda... Era um contraste de beleza excruciante.

Conforme nos aproximávamos era possível ver soldados guardando as torres de vigia utilizando arco e flechas e outros desarmados que julguei serem Elementais. Muitos se prepararam para nos atacar, mas logo cederam, creio que a presença de Blackjack era o maior sinal que eles precisavam para entender nossa visita.

Circundamos a cidade de Jaya até pousarmos sobre a grama verde alguns metros antes das pontes que levavam até o castelo em si. Coriane e Blackjack foram os primeiros a pousar, e a legião subsequente de centenas de águias brancas veio logo atrás, posicionando o exército da Rosa de Sangue por toda a extensão ao redor da cidade, bloqueando todas as saídas que os soldados de Jaya poderiam ter por terra. Alguns dos guerreiros mantiveram-se montados nas águias para formar o esquadrão de defesa aérea que combateria os inimigos pelos céus... certamente eles estudaram o exército de Dapher.

Quando desci de Coriane eu acariciei seu bico e seu pescoço para acalmá-la, pois ela estava claramente tão ansiosa quanto eu. Ela deslizou a cabeça por minhas mãos em busca de carinho e assim eu o fiz, tentando transparecer uma tranquilidade e confiança que eu não tinha. Alycia veio em minha direção primeiro enquanto Levann tomava um tempo a sós com Blackjack, para se despedir.

Estar do lado de Alycia era bem incômodo, para não dizer terrível. Nós duas não dizíamos uma única palavra, deixando o silêncio preencher o espaço entre nós enquanto encarávamos meu irmão abraçando sua águia aos prantos... chorão.

— Alyyyyy!!! — Um grito estridente e choroso veio de trás de nós, seguido de uma garota de cabelos roxos saltando em cima de Alycia. — Eu estou com medo, me proteja, ó ser mais forte que eu conheço depois de mim mesma!

A de cabelos pretos tentava, com todas as suas forças, tirar Lucy de cima dela até perceber que era impossível e desistir, ficando com uma garota de um metro e cinquenta grudada em seu pescoço.

— Se você é mais forte do que eu, por que eu tenho que te proteger? — Perguntou Alycia, claramente espumando de raiva por dentro. — E desgruda de mim antes que eu deixe você tão roxa quanto seu cabelo.

Lucy a soltou e deu de ombros, ignorando o fato de ter sido refutada pela Banshee.

— ...Preciso que fique aqui. Não quero que se envolva nisso mais ainda. Eu não suportaria perder você. — Eu ouvi vindo de mais longe. Ao me virar encontrei Lukas e Vidya conversando, ele parecia preocupado e ela estava brava. Não que eu conhecesse Vidya muito bem, mas acho que ela ter aquela expressão não significava coisa boa.

— Lukas eu me envolvi nisso no momento em que eu fui morar com vocês. Essa é minha luta também, eu sou capaz de fazer isso e eu queria que pelo menos você entendesse isso. — Um forte calor emanava da conversa daqueles dois, que preferi não prestar atenção por muito mais tempo. Que bela hora para se ter uma discussão de casal.

Meu irmão se aproximou de nós enxugando as lágrimas com as mangas longas pretas de sua camiseta que usava por baixo do sobretudo branco. Sua cara estava levemente inchada e brilhante. Aquilo seria cômico se não fosse tão trágico. Já Blackjack saiu voando junto de Coriane para longe do campo de batalha como havíamos pedido, igualmente abatido pela despedida.

— Como estamos? — Perguntou Alycia. Eu preferi não me meter.

— Ele vai ficar bem, ele é incrível. — Respondeu Levann vendo BJ desaparecer pelos céus, recebendo da Banshee tapinhas no ombro como forma de consolo.

Ele me lançou um olhar dócil e gentil, quase arrependido. Acho que o medo da morte faz isso com as pessoas, as deixa mais gentis e suscetíveis a reconhecer seus erros. Mas agora era tarde, Levann... a sentença já havia sido decretada.

Eu desviei o olhar, evitando encará-lo para que ele soubesse que eu não iria cair tão facilmente em sua carinha de cão arrependido. Não dessa vez.

— Prontos? — A voz rouca de Lukas surgiu das sombras, um pouco cabisbaixa. Vidya havia ficado para trás, emburrada. — Você vai cuidar de Lucy? — Ele perguntou para Alycia.

— E quando foi que eu não fiz isso? — Ela questionou, lançando um olhar frio para a Elemental que sorria com um brilho intenso no olhar.

— E você? Está pronta para concluir sua vingança? — Lukas se dirigiu a mim repentinamente, o que me fez dar um pulinho de surpresa.

Eu pensei alguns segundos, até tentei formular algo para dizer, mas as palavras não queriam sair de minha boca de jeito nenhum perante aqueles olhos púrpuras misteriosos e gentis do líder da Rosa de Sangue. Após perceber que eu não conseguiria responder sua pergunta ele apenas sorriu e caminhou para mais próximo da ponte que nos levaria até a entrada principal da cidade de Jaya.

Lukas então olhou para trás, diretamente para mim e disse com um sorriso:

— Espero que tenha se divertido nesse tempo com a gente.

Se deixar o castelo para me juntar a um possível grupo de terroristas que me fizeram lutar contra um Elemental de gravidade, quase morrer pra um Berserker, servir de isca para atrair meu irmão traidor e que me colocaram no meio de uma luta contra soldados de WetSand enfurecidos podia ser considerado diversão... Então sim, eu me diverti sim.

Eu apenas sorri de canto em resposta, e ele entendeu.

A Rosa de SangueWhere stories live. Discover now