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Dez anos atrás Jaya se tornara um lugar álgido. O castelo? Silencioso. As pessoas não mais tinham alegria de viver e trabalhar naquele lugar. As flores continuaram lindas graças a Felix, o jardineiro, mas a comida, que antes sempre era servida aos montes para uma família de quatro pessoas e seus convidados frequentes, agora era feita para apenas para duas pessoas que sequer jantavam juntas.

Os iluminados corredores do castelo Klaus, por onde Elise cantarolava e saltitava, agora eram sombrios e quietos. Os dedos da princesa de Jaya deslizavam pelas paredes conforme ela caminhava por aquele lugar próximo à sala de jantar onde, naquele exato momento, acontecia outro dos aniversários de seu pai, que agora ele comemorava juntamente a mais três homens de sua confiança.

Chegando ao salão principal, vazio era tudo o que se podia ver e sentir. Cortinas azuis pesadas cobriam as grandes janelas de vidro assim como um pano preto cobria o que um dia fora o piano responsável por risadas e lágrimas de emoção de uma família fragmentada. Ainda caminhando naqueles corredores, Elise passou em frente a um local que lhe deu um nó na garganta: A biblioteca.

Ela tocou as portas de madeira envelhecida com as duas mãos e apoiou a testa, buscando dentro de si algum resquício de força para abrir aquela cripta de memórias excruciantes. E, após um suspiro longo, ela abriu.

Embora tudo já tivesse sido arrumado depois de dez anos, para Elise, era como se nada tivesse mudado. O espectro, a assombração daquela manhã de inverno, ainda lhe parecia fresca assim como o sangue de sua mãe no carpete aquele dia.

Adentrando o cômodo, ela lentamente refez os mesmos passos daquela manhã, como se pudesse ver uma pequena Elise de nove anos correndo desesperada até o corpo ensanguentado e sem vida de Sarah Klaus. Ela se ajoelhou no carpete e pôs as mãos no lugar onde, naquele passado distante, sua mãe foi encontrada. Um minuto de silêncio por dia nunca fora o suficiente para equilibrar a força dos gritos de angústia que saíram da garganta de Elise aquele dia. Nunca seria.

Ela orou aos deuses pela alma de sua mãe como fazia todos os dias e...

— Já vão se fazer dez anos sem você, mãe. Não tem sido fácil. — Ela abraçou os joelhos assim como sua mãe fazia e continuou. — Eu nunca vou perdoar o Levann pelo o que ele fez. Por... tirar você de mim e nem por trair nossa família, nosso país. Ele fugiu pra se abrigar em Bloodstate e, desde então, Magnus não o entregou para nós, isso fez o pap- quer dizer, o rei... — Ela se conteve. — ficar enfurecido. Quem diria que seu filho mais velho que sempre comentava que queria ser o próximo rei se aliaria ao seu maior inimigo?

Elise afundou a cabeça nos joelhos, acariciando a própria pele em busca de algum carinho físico que ela não tinha a anos.

— O rei, como ele gosta que eu o chame agora, declarou guerra a Bloodstate. Enquanto eles não entregassem o príncipe traidor ele continuaria atacando. As pessoas estão sofrendo mãe. Eu não sei o que fazer. Tantos anos depois daquilo e hoje é a primeira vez que eu consegui voltar nesse lugar. — Ela respirou fundo e levantou a cabeça, apoiando o queixo nos joelhos e olhando para o teto. — Mas nem tudo são notícias ruins. Eu tenho treinado muito junto com a Megan e a capitã Maryenne. Estou ficando mais forte para vingar você mãe, eu sei que... que você não iria querer isso, mas eu não sei se consigo continuar vivendo tranquila enquanto eu mesma não arrancar a cabeça dele. Ele tirou tudo de mim, eu confiava nele e... ele fez isso comigo, com a gente. Ele era seu filho também! Por que ele fez isso?!

O tom de voz de Elise aos poucos se tornava mais alto, e, ao perceber isso, ela parou de falar por um momento, até que sussurrou:

— Desculpe, foi apenas... um desabafo.

Ela se levantou do carpete e olhou em volta, percebendo que, da janela da biblioteca, uma luz alaranjada do final de tarde invadia o cômodo em um feixe estreito estranhamente direcionado para um único livro em cima da uma mesa de centro que chamou a atenção da princesa de Jaya. Em sua capa grossa haviam letras caligrafadas escritas com tinta dourada: Contos de Niford.

A Rosa de SangueOnde as histórias ganham vida. Descobre agora