Vinte e nove

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Ariana

Heitor fazia questão de me deixar na frente da pousada e me apanhava na saída, de madrugada. Me levava até sua casa, nos amávamos até ficarmos exaustos. Nos seus braços desabrochei completamente como mulher, me libertei de preceitos infundidos na minha mente desde nova, como se sentir prazer fosse errado.

Quando eu tentava conversar a respeito com Heitor, ele ria, me abraçava e fazia com que eu esquecesse tudo, menos o que ele estava fazendo.

Era como se tivéssemos nosso próprio paraíso ali, naquele recanto na margem do São Francisco, perdidos entre o céu e a vastidão do sertão, sem nenhum vizinho por perto. Nadávamos nus, ele me possuía em plena luz do dia, sob o sol escaldante, dentro do rio ou na margem.

No começo eu ficava com receio de sermos vistos, mas Heitor achava estimulante, tornando nossas tardes ainda mais quentes.

Ele passava o dia comigo, depois de me deixar na pousada ia até o Armazém cuidar dos seus negócios, deixando João encarregado de tudo durante a sua ausência, menos nos finais de semana, quando levava os turistas para percorrer o Velho Chico no Princesa.

As tardes de sábado e domingo eu passava sozinha na minha quitinete, quando não estava com Helena. Quando soube que eu havia perdido a virgindade, Helena festejou, quis soltar fogos de artifício.

—  Quero saber tudo — disparou. — Tamanho, grossura, quantas vezes...

Comecei a rir.

—  Heitor, quem diria — continuou ela. — Pensei que o seu negócio fosse com o Vinícius.

Parei de rir.

—  Era — confessei. — Vinícius é muito complexo para eu tentar decifrar.

—  E não é justamente por causa disso que tu gostava dele?

—  Passou.

Helena olhou por sobre os meus ombros, para a entrada.

—  É bom mesmo, porque ele acabou de entrar.

Paralisei. Estávamos como sempre no bar de Seu Moura, mas só na água de coco; mais tarde eu teria que estar no Riviera e teria que ir dirigindo.

—  Ele vem para cá, amiga — murmurou Helena sem mover os lábios.

Levantei os olhos assim que Vinícius parou ao lado da nossa mesa.

Eu seria cínica se dissesse que não senti nada. Aqueles olhos castanhos sempre foram a minha perdição. Vinícius era como o sol, irradiando calor e me atraindo para a sua órbita. Eu ainda me lembrava da sensação de ser beijada por aqueles lábios carnudos, das mãos dele me tocando.

—  Atrapalho? — Perguntou, olhando nos meus olhos.

Apenas sacudi a cabeça, sem conseguir desviar a vista.

Ele ocupou uma cadeira, recostando bem para trás, me analisando abertamente, o olhar quente que em outros tempos derretia o meu coração.

—  Vou pedir uma cerveja — disse Helena, acho que mais para quebrar o silêncio. — Vocês querem?

—  Eu quero — disse Vinícius, sem tirar os olhos dos meus.

—  Ariana?

Olhei para minha amiga, encontrando seus olhos enormes cravados em mim.

—  E-eu não.

Helena se levantou.

—  Volto num minuto — disse, antes de se afastar em direção ao balcão.

Fomos deixados sozinhos na mesa, Vinícius e eu. Me lembrei da nossa última conversa, no jardim do casarão, eu dizendo a ele que não poderia esquecer o que tinha visto na margem do rio e o deixando.

—  Eu só queria que você soubesse, Ariana, que não desisti de você.

Ele me pegou totalmente de surpresa, fiquei sem saber o que dizer.

—  Você sabe que Heitor e eu estamos juntos.

Ele inclinou a cabeça, como se refletisse sobre o que acabara de ouvir.

—  Vieram me contar.

—  Eu gosto do Heitor, então não fique alimentando esperanças sobre nós.

—  Não posso prometer isso.

Vi aliviada Helena voltando com as cervejas. Colocou uma garrafa sobre a mesa na frente de Vinícius, que a apanhou, levantando-se.

—  Voltaremos a falar sobre isso. — Virou-se para Helena: — Se eu fosse você abriria o olho com Rômulo.

Dizendo isso Vinícius dirigiu-se para a saída.

—  Seu Moura, as cervejas são por minha conta. — Ele saiu.

Helena deu um longo gole na sua cerveja. Peguei a garrafa de sua mão e dei um trago.

—  Agora entendo o que você quis dizer com "complexo". O que ele queria, afinal?

 Tirar a minha paz.

—  Me lembrar daquele "negócio" que você achou que tínhamos.

Helena soltou um palavrão.

—  E eu nem sei porque vocês romperam.

Eu não havia contado a Helena o motivo de ter me afastado de Vinícius. Aquela história envolvia toda a família dele e não seria através de mim que ela se espalharia. 

—  Eu me preocuparia com Rômulo, se fosse você.

—  Vou vê-lo, assim que sair daqui.

Não pude deixar de experimentar aquela velha sensação de nostalgia, em que eu me lembrava de um, quando estava com o outro. Agora, os dois estavam na minha cabeça.

Mas no coração, só havia espaço para um.

Segredo de FamíliaWhere stories live. Discover now