Vinte e sete

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Vinícius

Vi quando Heitor e Ariana deixaram juntos o casarão, depois do jantar. Ele a trouxe e a levou embora.

Depois que os convidados partiram Heitor havia me chamado para uma conversa, mas meu pai surgiu e o intimou a acompanhá-lo até o escritório. Para um sermão, imagino. Saí para fora a fim de arejar a cabeça. 

A noite havia acabado para mim depois do encontro com Ariana, vendo-a se afastando pela alameda, desistindo de nós. Sentia uma dor enorme, como se uma parte de mim tivesse sido quebrada. Ariana havia trazido de volta o sentido de lar e família para minha vida, de um jeito simples, sem complicação, sem maldade. Eu a queria como nunca quis outra pessoa, ela me preenchia, transmitia serenidade e uma paz que eu não sentia há muito tempo.  Perdê-la era o mesmo que voltar ao labirinto sem rumo da existência. 

Mas eu tinha a quem culpar.

Ela. Aquela mulher tinha voltado para infernizar a minha vida, como no passado. 

Tinha começado aos poucos, com ela me procurando para falar do meu avô, do quanto sentia sua falta. Era uma dor que eu partilhava, me sentindo reconfortado ao seu lado, trocando memórias. Caminhávamos pelos vinhedos, que meu avô tanto amou; naquelas tardes as lembranças eram tão vívidas que eu sentia sua presença. 

Mas não demorou até eu descobrir aonde essas caminhadas nos levaria.

Ao inferno.

Uma tarde, enquanto caminhava sozinho no meio da plantação, ouvi sussurros. Fui atrás para descobrir do que se tratava e vi: minha tia, com um funcionário. Ela estava de pé e ele a pegava por trás. Fiquei momentaneamente paralisado, assistindo, antes de dar meia-volta e me afastar dali, receando ser visto. A cena ficou gravada na minha mente. Sempre que eu a encontrava, aquilo voltava. Em nada ela se assemelhava àquela mulher que eu tinha visto no vinhedo, quando estava com a família. 

A lembrança me atormentava, sua presença passou a me confundir, com pequenos gestos de intimidade, nas mãos que me tocavam casualmente, um sorriso, uma palavra, um olhar...

Até que, uma tarde, durante uma caminhada, ela havia ficado para trás; me virei, encontrando-a nua, o corpo acetinado reluzindo ao sol. Ela parecia uma esfinge ali parada, me olhando. Meus olhos percorreram aquele corpo, antes de eu me virar e começar a caminhar na direção oposta. Mas então ouvi:

—  Se você não voltar, me entregarei ao primeiro que encontrar.

Lembrei-me da cena que havia presenciado, fresco e vívido na minha memória. Era aquilo que ela fazia, quando desaparecia do casarão algumas tardes. Eu não devia me importar, mas caminhei de volta. Juntei suas roupas no chão e lhe estendi.

—   Vista-se.

Ela riu, aproximou-se, espalmou meu peito, me rodeando lentamente, o olhar insinuante.

—  Você quer, tanto quanto eu.

Desceu a mão, encontrando minha ereção. Não sou de ferro, aos 16 anos, os hormônios estavam à flor da pele. Ela abriu minha calça, escorregando e ficando de joelhos à minha frente.

Foi a primeira tarde. 

Depois, ela passou a me procurar todas as noites, no quarto. Passei a trancar a porta mas minha mãe estranhou. Eu tinha pavor de que alguém descobrisse, que a minha vergonha fosse exposta. Passava o dia tentando parecer normal e despreocupado, mas à noite a culpa e o desejo me consumiam por inteiro. 

Aprendi a mentir, entre outras coisas; conheci o paraíso e o inferno em forma humana; ódio e desejo me consumiam, eu sentia seu olhar me perseguindo, possessivo, mas não tinha forças para fugir. Isso se repetiu por meses, até eu ser mandado para o Rio e reencontrar o equilíbrio. 

Os oito anos que passei no Rio foram um dos períodos mais tranquilos que tive, mas eu o trocaria, se pudesse, para ter uma segunda chance com Ariana. Agora que ela estava com Heitor, minhas chances diminuíam.

 Para conquistá-la, eu teria que enfrentar o meu próprio irmão. 

Heitor e eu passamos oito anos separados e algo maior que a distância estava entre nós agora, afastando nossos caminhos; mesmo assim eu não estava disposto a desistir de Ariana, ainda não. Uma das coisas que aprendi com meu avô, além de cultivar o vinhedo, foi cultivar a paciência.

Não sou santo, Heitor muito menos. Com a vida desregrada que ele levava, cedo ou tarde seu relacionamento com Ariana seria afetado. Não julgo Ariana por seu envolvimento com Heitor, eu sabia na pele o que era ser tentado. E se havia algo em comum entre Heitor e tia Lívia, era que ambos possuíam o mesmo tipo de encanto.  

Eu só esperava que Ariana não saísse ferida como eu.

Segredo de FamíliaHikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin