Três

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Ariana Magalhães - 21 anos

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Ariana Magalhães - 21 anos

Eu havia prometido à Dona Laura, que assim que o Corcel fosse consertado, iria visitá-la.

Sentamos no jardim, atrás do casarão, protegidas do sol por um pergolado recoberto de heras. Apesar do calor, a brisa que fazia as folhagens oscilarem não poderia ser mais convidativa para estar ao ar livre, ouvindo o zumbido das abelhas e o canto das cigarras.

Dona Laura serviu o café e o leite que Zuleica trouxe numa bandeja de prata. Além do café, que foi servido em xícaras delicadas de porcelana, havia bolo Souza Leão, queijo-do-reino fatiado, bolo de rolo e pamonha doce.

Apesar da fartura nas refeições em casa de Dona Laura, ela mantinha-se magra e elegante. O cabelo castanho retocado, com os cachos perfeitamente alinhados, olhos verdes vistosos e inteligentes. Era uma mulher capaz de versar sobre qualquer assunto, com exceção do futebol, que ela abominava. Mas se houvesse um convidado em sua casa discursando sobre o assunto, ela o ouvia atentamente, meneando a cabeça, até ter a oportunidade de mudar o rumo da conversa.

Eu a admirava por várias razões, e saber que contava com a sua estima deixava-me intimamente satisfeita.

—  Fiquei aflita quando soube o que lhe havia acontecido, tão perto de nós e ao mesmo tempo longe, pois a noite altera a percepção de distância. Eu precisava vê-la para ter a certeza de que está bem. — Enquanto falava, uma ruga de preocupação surgiu na testa de Dona Laura.

—  Eu estou bem, Dona Laura, graças ao Heitor.

—  Heitor?

Ele, pelo visto, não tinha dito nada à família.

—  Foi ele quem me encontrou no atalho.

—  Quando você não apareceu, julguei que tivesse se esquecido. Não passou por minha cabeça que estivesse em apuros. — Dona Laura me serviu um prato com as guloseimas. — Os jovens de hoje não se atentam mais aos horários ou datas. Meu filho Vinícius é um belo exemplo, ele veio jantar com meia hora de atraso.

Enquanto Dona Laura falava, uma figura masculina surgiu na alameda, vindo da casa. Ele se aproximou e inclinou-se para depositar um beijo na face alva de Dona Laura.

—  Minha mãe...

—  Falando nele, o filho atrasado — ralhou Dona Laura, disfarçando um sorriso de satisfação.

Aquele rosto era o mesmo que eu tinha visto na janela do Corcel, na noite passada, antes de Heitor aparecer.

—  Você se lembra de Ariana, meu filho?

Vinícius Castro Oliveira, que acompanhava a tia aos bazares beneficentes nas tardes de domingo, depois da missa, arrancando suspiros apaixonados das adolescentes como eu. Houvesse ele tido uma saúde frágil ou não, agora parecia bem saudável. Alto, esguio mas musculoso, não bombado como Heitor, embora ambos tivessem a mesma altura. Cabelos e olhos castanhos, as pestanas compridas e espessas. Ele usava uma camisa azul-marinho com as mangas dobradas até os cotovelos, jeans escuro e coturnos de couro marrons.

Ou ele não me reconheceu, ou fingiu não reconhecer.

—  Claro, Ariana, que faz a melhor carne de sol de Paraisópolis — disse naquela voz peculiar, que eu tinha ouvido através da abertura da janela.

O que era mesmo que eu tinha dito a ele? Que um amigo tinha ido pedir ajuda. Ele sabia que eu tinha mentido, que vergonha. Tenho certeza que foi ele quem pediu ao Heitor para me socorrer.

—  Se você tivesse tomado o atalho ontem, meu filho, teria encontrado Ariana presa na estrada — disse Dona Laura em tom de reprovação. — Mas justamente ontem, mesmo atrasado, você não tomou o atalho.

—  Não — concordou Vinícius, devagar.

—  Mas seu irmão Heitor tomou, e por sorte encontrou Ariana e levou-a de volta à cidade. Heitor disse o que vinha fazer aqui?

—  Não — repetiu Vinícius.

Ele tinha se sentado na minha frente. Eu não sabia se o súbito constrangimento era devido à sua presença ou pelas mentiras.

Zuleica trouxe outra xícara e Dona Laura serviu-lhe café, enquanto Vinícius girava uma chave de carro pesada entre os dedos, distraído. Reparei que ele usava uma pulseira preta de couro no pulso direito, que achei um toque masculino sedutor. A chave parou de girar e ao levantar a vista, encontrei os olhos de Vinícius fixos em mim, me estudando.

De repente, senti calor, a brisa tinha parado de soprar. Forcei um sorriso, voltando-me para Dona Laura, embora não tivesse escutado metade de suas palavras.

Mais tarde, Dona Laura convidou-me para jantar, mas recusei, tinha que estar no Riviera às seis horas. Vinícius me acompanhou até o Corcel, estacionado na frente da casa. Ao lado havia uma caminhonete preta, presumo que de Vinícius.

—  Posso lhe fazer uma pergunta? — Eu disse, parando ao lado do Corcel.

Ele lançou-me um olhar surpreso. Apressei-me em esclarecer:

—  É sobre o Heitor. Ele se afastou da família?

—  Ele não contou?

—  Eu não perguntei.

Vinícius considerou a pergunta por um momento, como se pesasse a resposta.

—  É uma longa história. Seria melhor que ele mesmo contasse.

—  Claro, me desculpe. — Virei para entrar no Corcel.

Vinícius segurou a porta aberta, enquanto eu sentava atrás do volante.

—  Esqueça o atalho, está bem? — Aconselhou, fechando a porta.

Enquanto me afastava com o Corcel pelo caminho de carros, olhei pelo espelho retrovisor, vendo-o ali de pé — o garoto transformado em homem, os traços juvenis em linhas másculas bem definidas, extraordinariamente belas. Heitor era um pedaço de mal caminho, mas Vinícius era o caminho inteiro, com via dupla.

Suspirei.

Segredo de FamíliaWhere stories live. Discover now