Três dias e um plano

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Durante os três dias em que esteve como prisioneira na casa de John de Brisaac,S/N recebeu instruções praticamente ininterruptas sobre as artes próprias de uma dona de casa. Tinha sido forçada por madame Jade de Brisaac a realizar tarefas que as irmãs sempre faziam com prazer,deixando S/N livre para caçar. O horror de Jade com o fato de S/N ser despreparada para realizar até mesmo as mais simples tarefas de casa,como bater manteiga e tecer um fio,tinha sido um choque muito profundo,quase igual ao fato de S/N recusar-se a cobrir os brilhantes cabelos com uma touca,embora fosse casada havia quase uma semana. Madame Jade de Brisaac se inflava enloquecemente para falar do assunto em toda oportunidade que tinha,o que,como S/N não podia sair de sua vista,acontecia aproximadamente a cada cinco minutos,do amanhecer ao cair da noite. S/N tinha sido forçada ao menos para calar a boca da mulher,a cumprir com o plano que madame Jade tinha de tornar a Sra. de Stephensgate uma perfeita castelã.
Ao fim do terceiro dia de encarceramento,S/N já tinha aprendido a fazer queijo e manteiga,a sovar um pão razoavelmente,a remendar qualquer rasgo numa peça de roupa,a usar uma roça e a trabalhar num tear. Também recebeu orientações sobre como instruir os servos de uma casa e passou boas horas aprendendo a memorizar uma única passagem do livro de oração de madame de Brisaac,uma passagem que discorria profundamente sobre a falta de juízo de Eva no Jardim do Éden e como as mulheres eram as únicas responsáveis pela ruína da humanidade.
S/N aguentou essas privações só porque sabia que teria de escolher entre a chatice da mãe de John de Brisaac ou a prisão. Embora não temesse nem ratos nem piolhos,levando tudo em consideração,não gostava de espaços pequenos e fechados. Mesmo pretendendo nunca mais tocar numa roca quando ficasse livre da casa do xerife,achava que a passagem do livro de oração poderia provar-se uma arma valiosa na próxima vez que decidisse implicar com uma das irmãs,que eram visitas frequentes,embora descrentes,ao chalé do xerife.
Nenhuma delas jamais tinha visto a irmã mais nova aguentar um tratamento tão duro de uma forma tão doce. Patricia até mesmo sussurou que S/N era uma boba de não tentar escapar e ofereceu os próprios serviços numa tentativa de que S/N aceitasse,mas ela declinou.
No entanto,apesar da docilidade,a jovem não conseguia admitir sentir outra coisa que não tristeza durante o encarceramento. Tentava dizer a si mesma que era porque já tinha sido acusada injustamente de um crime que não cometeu. Até mesmo disse a Brynn,que a questionou preocupadamente sobre sua palidez,que era o efeito de estar tanto tempo dentro de casa. Ela não disse a ninguém que sua infelicidade devia-se à preocupação com o marido. Tomava o cuidado de,embora chorasse toda noite antes de dormir — porque,mesmo depois de estar casada por um tempo tão curto,não conseguia dormir sem os braços de Jungkook em volta do corpo —,chorar baixinho para que o xeirfe e sua mãe não a escutassem. Ela não dizia a ninguém,é achava que nenhum dos dois desconfiava,o quanto sentia falta de Jungkook e o quanto se preocupava e rezava por ele.
Mas John de Brisaac não podia deixar de perceber o fato de que,toda noite quando voltava para casa depois de vigiar Jungkook,S/N esperava por ele perto da porta do chalé,suportando,exausta,a crítica de sua mãe em relação a sua impaciência por notícias sobre a recuperação de Jungkook. Via como ela tinha ficado pálida em apenas alguns dias,e,embora fingisse não notar isso para poupar-lhe o constrangimento,estava perfeitamente ciente de que soluçava no travesseiro todas as noites.
Esse fato,mais do que todas as queixas e ameaças de lorde Jeon,era o que mais afligia a consciência de John. As lágrimas secretas de S/N eram a razão de ele manter os homens totalmente ocupados na busca frenética pelos La Roche,do pedido ao rei por reforços,das frequentes crises de mau humor e,até mesmo,de ele ter golpeado o rosto do prefeito com sua luva. A tristeza e a preocupação da garota eram como uma camisa de crina de cavalo que ficava pinicando,e foi por essa razão que ele voltou para casa,na quarta noite da prisão de S/N,com o coração ainda mais apertado que o normal. S/N percebeu o desapontamento dele imediatamente e recuou,com medo de escutar mais notícias ruins. Madame de Brisaac,no entanto,não percebeu nem um pouco a reticência do filho e voou até ele como uma gralha-azul rabugenta.
– E o que você acha que essa desmiolada fez o dia inteiro? – perguntou ela,apontando um dedo de forma acusadora para S/N,que,usando um vestido simples que as irmãs lhe tinham trazido,estava sentada em silêncio na frente da lareira,separando  fios. – Nada. Nada exceto fofocar com aquelas irmãs que não são nem um pouco adequadas. Parece que a mais bonita,aquela que engravidou do trovador,não conseguiu segurá-lo,mesmo tendo casado com ele havia apenas uma semana. Ele desapareceu uma noite dessas,levando todo o dinheiro que lorde Jeon Jungkook lhe deu,a rabeca e a mula. Aparentemente,a vida honesta de um moleiro era esfadonha demais,então ele foi embora sem dizer uma palavra. E a Sra. Mellana derramou muitas lágrimas,mesmo estando melhor sem ele...
O xerife,que tirava as botas,exausto,levantou os olhos para S/N,embora não pudesse dizer que estivesse particularmente surpreso.
– É mesmo? – perguntou ele.
S/N tirou os olhos dos fios brilhosos que segurava e assentiu com a cabeça,a expressão séria.
– É verdade,sinto dizer. Acho que não veremos Jack Mallroy novamente. Ou,se o virmos,será na ponta da espada do meu irmão,pois ele provavelmente o matará...
– Disso não tenho dúvida. – John voltou a atenção para suas botas. – Há outra pessoa desaparecida – ele resmungou.
S/N o escutou e levantou a cabeça de forma abrupta.
– Outra pessoa? Quem mais desapareceu? Sei que vocês estão procurando os La Roche e Peter,mas quem mais?
Madame de Brisaac era tão indiferente ao fato e S/N ser casada com o conde de Stephensgate como era o fato de o sol se pôr no oeste. Para ela,S/N sempre seria a mera filha de um moleiro,mesmo casando-se com o próprio rei. Ela nunca seria do mesmo nível que o filho.
– Como ousa falar com o xerife com esse tom atrevido,desavergonhado,jovem senhora? Baixe os olhos e não abra a boca a não ser que lhe dirijam a palavra primeiro. Não reconhece que está entre seus superiores?
John de Brisaac lançou um olhar aflito para a mãe e perguntou e havia cerveja na casa. Quando madame de Brisaac respondeu afirmativamente,ele perguntou se ela não podia ir pegar um copo,e,quando madame de Brisaac indagou por que S/N não podia pegar,em vez da mãe de idade avançada,John de Brisaac arremessou uma das botas que segurava com muita força na parede,fazendo a velha sair gritando da sala.
O efeito que essa ação causou,além de fazer com que o xerife se livrasse da mãe ranzinza,foi tirar um sorriso do rosto de S/N,que fazia dias que tinha vontade de atirar alguma coisa na direção de madame de Brisaac. 
– Você errou – salientou ela.
– Eu sei – resmungou o xerife. – Nem todos têm seu talento.
S/N estremeceu com a lembrança do motivo pelo qual era hóspede na casa dele,e John imediatamente quis bater em si mesmo por essa mancada.
– O que eu quis dizer foi...
– Eu sei o que você quis dizer. Agora me diga o que você não podia dizer na frente da sua mãe. Jungkook está...– Ela engoliu em seco,depois continuou bravamente: – Jungkook está pior?
– Não,não. – Aborrecido consigo mesmo,John atravessou a sala e se sentou num banco na frente da lareira. – Ouça,S/N. Não é por lorde Jeon que temo,mas por Jeongsan.
– Jeongsan? O que tem Jeongsan?
– Ninguém o viu ou ouviu falar dele desde a noite...desde a noite em que seu marido foi atingido. Lorde Jeon teme que talvez algum mal lhe tenha acontecido...
– Algum mal? – S/N levantou-se tão rapidamente que as bolas de linha que estavam em seu colo saíram rolando,quicando pela sala. – Jungkook não teme o mal,mas o assassinato! Assassinaram Jeongsan,xerife? Você acha que alguém o machucou?
John de Brisaac deu um suspiro pesado.
– Temo que tenha acontecido isso. Em toda a sua vida,o garoto nunca ficou tanto tempo longe de casa. Meu medo,e também de lorde Jeon,é que talvez o escudeiro Peter o tenha levado quando partiu...
– Mas Jeongsan não sairia do solar com ele – disse S/N firmemente –,exceto à força.
– Eu sei. E é por isso que redobrei meus esforços para descobrir onde os La Roche estão e escondendo,mas até agora foi tudo em vão. Não há sinal,nem mesmo uma indicação de seu paradeiro...

Free My Heart (Jeon Jungkook)Where stories live. Discover now