Mente de um assassino

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Somente quando estavam afastados por uma boa distância,e bem longe dos ouvidos do prefeito,a senhora de Stephensgate desabou a soluçar compulsivamente com o rosto apoiado nas mãos. Com o que teria sido uma falta de jeito cômica se o gesto não fosse tão patético,o xerife levantou uma das mãos para acariciar os ombros trêmulos de S/N,de um jeito não muito diferente do que normalmente usava para acariciar a égua Lua. Se não estivesse tão arrasada,S/N teria dado risada.
– Calma,calma – murmurou John de Brisaac de forma reconfortante. – As coisas não estão tão más assim. Você não pode deixar o prefeito Choi chateá-la desse jeito. Afinal de contas,lorde Jeon ainda está vivo.
– Mas por quanto tempo? – S/N soluçou.
– Como aquele homem disse,só Deus pode dizer. Mas ele é um homem forte e jovem. Provavelmente tem alguns bons anos pela frente se você não acabar com a energia dele.
S/N chorou com ainda mais intensidade com a lembrança de seu comportamento depois do marido atirar suas calças no fogo.
– Ah! – Ela fungou,esfregando o rosto molhado com as costas da mão. – Xinguei-o de cada nome!
– De fato você o xingou. Para sorte do pretenso assassino. Você certamente parecia brava o bastante para matá-lo.
– Estava – confessou S/N. Depois arfou,contorcendo-se na sela para olhar para o homem de barba. Estava escuro na estrada por onde andavam e a lua recém-surgida estava parcialmente escondida pelas folhagens densas dos galhos das árvores que margeavam a estrada sulcada pelas rodas. No entanto,ela conseguia enxergar muito bem o rosto do xerife.
– Mas você não pode achar que eu faria uma coisa dessas! – Ela chorava. – Matar meu marido por umas calças? Ah,com certeza que não!
– Não acho nada disso. – Ela viu o sorriso do xerife à luz pálida da lua. – Mas alguém no meio daquela gente realmente queria lorde Jeon morto.
– Não posso imaginar quem poderia ser. – S/N suspirou.  Tinha se recuperado um pouco,e sentou-se mais ereta na sela. – Quem poderia odiar tanto Jungkook a ponto de querer matá-lo? – ela desejou saber. – Só faz alguns dias que ele voltou a Stephensgate…
– Acho que faço uma boa ideia de quem pode estar por trás disso tudo – o xerife disse. – Mas o estranho é que ele não estava presente hoje à noite para acusá-la novamente,como fez um ano atrás.
– Você está falando de Reginald La Roche? – S/N sacudiu a cabeça. – Mas por que ele iria querer matar Jungkook? Por tê-lo forçado a deixar o solar?
– Isso já é razão suficiente.
– Mas o que mais ele esperava que Jungkook fosse fazer? O Sr. La Roche trapaceou e roubou lorde Geoffrey,talvez até o tenha matado…
– É verdade. E lorde Jeon o humilhou e o ameaçou por ter feito isso.
– Mas isso não é razão suficiente para matar um homem!
– Homens foram mortos por razões muito mais tolas – observou o xerife.
– Mas…
– É impossível que Reginald acredite que,com Lorde Jeon fora do seu caminho,ele herdaria o título…
– Mas isso seria impossível! – disse S/N,as lágrimas esquecidas. – Tem o Jeongsan…
– Lorde Jeon Jungkook declarou Jeongsan o herdeiro? Acho que não. La Roche tem mais direito ao título que o menino…
S/N suspirou.
– Isso seria um crime!
– Seria muito conveniente para Reginald La Roche,que devorou tantos anos para a propriedade e tem tantos amigos na corte…
– Tem?
S/N ficou surpresa. Não conseguia imaginar Reginald La Roche tendo algum tipo de amigo,particularmente amigos poderosos. Mas depois imaginou que amigos poderosos eram o único tipo que ele toleraria.
– É verdade. A irmã dele,com quem foi morar em Leesbury,é casada com o primo da dama de companhia favorita da rainha…
O ânimo de S/N tinha retornado com força suficiente para permitir que ela mudasse sarcasticamente com essa pequena informação.
– Não desdenhe,minha senhora – advertiu o xerife. – São conexões como essas que ajudam a pessoa a receber favores do rei…
– Qualquer rei que preterisse Jungkook em favor de Reginald La Roche seria um idiota – declarou ela,com emoção.
O xerife,ela sentiu mais do que viu pois a noite estava realmente escura,sorriu.
– Ah,minha querida. Você nunca será uma esposa apropriada para um conde,a não ser que coloque um freio na sua língua…
S/N franziu a testa,envergonhada. Sempre a lembrariam de como era uma esposa inapropriada? Era injusto,lamentavelmente injusto.
Aqui estava ela,presa por um crime que não cometeu,enquanto o marido,que alguém estava tentando matar,definhava inconsciente a quilômetros de distância. Duas semanas atrás,o maior medo era que o xerife a aprendesse por caçar em propriedade alheia. Agora estava sendo acusada de tentativa de assassinato,e o mesmo homem que a tinha prendido estava tentando ajudá-la a descobrir a identidade do verdadeiro assassino.
Era difícil saber se era a criatura mais sortuda do mundo ou a menos.
– Você tem que deter La Roche,John – proferiu,usando o primeiro nome do xerife insonscientemente. – Ele não vai descansar enquanto não tiver o que quer. Já matou uma vez… Ah,Jungkook está correndo muito perigo! Se ao menos você me soltasse! Encontraria Reginald La Roche em um piscar de olhos…
– Lorde Jeon não é a única pessoa que corre perigo por causa de Reginald La Roche,minha querida. – O xerife deu um risinho. – O que é a principal razão por você estar presa sem haver uma única testemunha para confirmar que você atirou uma flecha. A última coisa que esta comunidade precisa é de você por aí em busca do inimigo do seu marido…
– Mas…
– Pare! Eu mesmo vou encontrar o Sr. La Roche amanhã. Tenho certeza de que posso fazer isso sem a sua ajuda,S/N. Então teremos a verdade.
– E hoje à noite...hoje à noite você vai voltar ao solar Stephensgate e ficar com Jungkook e garantir que ele… – A garganta dela fechou,conforme as lágrimas ameaçavam rolar mais uma vez –...garantir que ele…
– Vou fazer exatamente isso,minha querida. – Novamente,John de Brisaac acariciou desajeitadamente o ombro de S/N. – Não vou me afastar do leito dele.
S/N,aliviada,de repente começou a sentir os efeitos do dia extremamente longo e difícil. Relaxou o corpo na sela mais uma vez,agradecida por poder se escorar nos braços de John de Brisaac. 
Conforme a égua se arrastava pela estrada escura em direção à casa do xerife,que ficava fora da propriedade de Stephensgate,S/N escutava distraidamente os sapos coaxarem e os grilos circrilarem no meio da floresta que margeava a estrada,sons reconfortantes que sempre a faziam se lembrar de casa. É claro,o lar não era mais a casa do moinho,mas os sons da noite permaneciam os mesmos,quer estivesse dormindo no quarto do sótão com a irmã,quer num quarto nobre entre os braços do marido.
E então ela escutou algo que fez sua espinha arrepiar e levantou o corpo temerosamente. O barulho não era nem de sapo nem de grilo,e não tinha vindo nem do xerife nem da montaria. Virando o pescoço para trás,a princípio ela não viu nada.
Sentindo a tensão repentina de S/N,o xerife perguntou a ela calmamente:
– Qual é o problema?
– Não sei – sussurrou ela. – Sinto como se alguém estivesse nos seguindo. Acho que escutei uma respiração…
O xerife freou a montaria,e,como se o medo de S/N fosse contagioso,levou uma das mãos ao cabo da sua espada.
– Quem está aí? – gritou ele na escuridão. – Revele-se ou sinta minha lâmina...
A respiração pesada continuou. S/N sentiu como se o coração tivesse parado de bater,de tanto medo que estava. Reginald La Roche os tinha seguido desde o solar com a intenção de despachar a esposa assim como o marido?  Ou havia algum espectro do mal esperando-os nas sombras? S/N não acreditava em fantasmas...não muito. Mas considerando os acontecimentos do dia,não a surpreenderia se um saltasse da escuridão…
A lua,que tinha se escondido atrás de uma nuvem,de repente derramou-se sobre eles,e,sob a luz prateada,S/N viu que estavam sendo seguidos,não por Reginald La Roche ou por algum fantasma,mas por seu próprio cachorro.
– Gros Louis! – Ela estava tão aliviada que começou a chorar mais uma vez,mesmo enquanto ria. – Ah! É o Gros Louis!
O cachorro,extremamente ofegante do esforço para acompanhar o ritmo da égua do xerife,saltava feliz pela estrada,contente de ouvi-la chamar seu nome. O xerife olhou para a fera saltitante e tirou a mão da espada.
– A senhora tem muitos defensores leais – Ele observou brincando,com um toque de alívio. – Se me lembro bem,este animal nos seguiu até em casa da última vez que você foi presa.
S/N sorriu ternamente com a lembrança.
– E sua mãe o prendeu na cozinha,onde ele comeu toda a manteiga.
Para Gros Louis,ela falou amorosamente:
– Que cachorro mais lindo! Ah,xerife,ele pode ficar comigo novamente?
O xerife deu de ombros filosoficamente. Não estava acostumado a permitir que os prisioneiros levassem para a cadeia os animais de estimação,mas também não estava acostumado a levar os prisioneiros para casa,junto da sua mãe. E madame de Brisaac não ficaria contente com sua prisioneira nem com o animal de estimação. 
Durante a longa viagem para casa,o xerife decidiu que o melhor a se fazer seria deixar S/N com sua mãe o mais rápido possível,depois voltar ao solar a toda pressa. Os benefícios dessa ação seriam duplos: primeiro poderia ficar de olho em Jungkook e garantir que não houvesse mais tentativas de assassiná-lo. Segundo,não teria de ouvir as reclamações da mãe sobre S/N e o cachorro.
Essa decisão animou-lhe o espírito durante todo o caminho até a porta da frente de casa. Mas quando a porta se abriu,ele começou a ter uma segunda opinião sobre a sensatez de deixar sua prisioneira sozinha com sua mãe. Embora entre os dois Reginald fosse mais perigoso,era bem provável que a mãe também tivesse a mente de um assassino. Mas sua arma preferida era a língua: ela aborrecia ao extremo qualquer um que estivesse por perto com suas incessantes reclamações. De modo geral,John de Brisaac considerava as flechas mortais mais eficientes.

Free My Heart (Jeon Jungkook)Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum