A caça deu certo?

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Aproximar-se em silêncio de uma lebre particularmente astuta à meia-luz acalmava um pouco a caçadora. Ela ignorou várias fêmeas por medo de deixar os filhotes sem mãe,e,em vez disso buscou um macho. Desfrutou um pouco,apreciando o tempo longe de seu prisioneiro devasso e deixado a presa escapar várias vezes antes de finalmente encerrar a caçada dando uma flechada exatamente na cabeça da lebre. Ela nunca saberia o que aconteceu.
Depois de tirar habilmente a pele do animal com a faca,S/N lavou as mãos em um córrego que havia ali por perto,onde também parou para encher o odre de água. Quando retornou à manjedoura,achando que talvez fosse descobrir que o Sr. Jeongguk tinha escapado,levando os risinhos e insinuações com ele,descobriu que ele tinha conseguido fazer fogo e que,além disso,tinha um pote de alguma coisa borbulhando agitadamente sobre ele.
Jungkook tirou os olhos da pequena caldeira,do qual emanava um inconfundível aroma de cebolinha. O sol tinha se posto e,exceto pelo brilho do fogo que ele acendera,a campina estava inteiramente às escuras. A luz do fogo fazia o maxilar dele,ainda mais perfeito,e S/N percebeu,com um leve sentimento de decepção,que,na verdade,era possível se dizer que seu prisioneiro era incrivelmente bonito.
Irracionalmemte,essa descoberta a irritava.
- Vejo que você mexeu nos meus pertences durante a minha ausência - disse ela friamente.
Jeon deu de ombros,salgando a sopa com uma pitada do saco de condimentos que S/N guardava no alforge.
- Temos de conhecer os inimigos,é o que sempre digo. - Ele sorriu,com seus dentinhos de coelho,extremamente despreocupado com a irritação dela. - Você tem um bom estoque de temperos e vegetais. Joguei alguns nabos e cebolinhas aqui. Não se importa,certo? Achei que se acrescentássemos os ossos do coelho e deixássemos a panela cozinhando em fogo brando durante a noite,teríamos uma sopa gostosa e consistente pela manhã.
S/N tentou esconder a surpresa. Aqui estava um homem,um homem que sabia cozinhar? Porque Robert não sabia diferenciar um nabo de uma pastinaca. A curiosidade foi mais forte do que a antipatia por ele,e S/N perguntou,bestificada:
- Onde você aprendeu a cozinhar?
- Ah - Jungkook suspirou,mexendo a mistura com um galho que tinha tirado de uma árvore. - Nem sempre era seguro comer a comida local do Egito. Vi muito mais homens caírem doentes por ter comido carne rançosa do que por uma espada. Aprendemos a fazer nosso próprio jantar,cozinhando-o em nossos capacetes,na maioria das vezes. - Ele deu risada ao lembrar-se disso. - É claro,também podia ser perigoso quando alguém esquecia o jantar da noite anterior ainda estava no capacete e o colocava na cabeça antes de olhar a parte de dentro.
S/N não conseguiu segurar a risada quando o viu fazer uma careta.
Ele sorriu pra ela,depois baixou o olhar para a lebre,que ela tinha espetado num galho limpo.
- Ah,o prato principal. - Levantando-se completamente,o cavaleiro aproximou-se dela,toda a atenção voltada para o coelho que ela havia matado. Ele curvou-se para pegar o espeto da mão dela,examinando-o de perto,depois ergueu o olhar de forma avaliativa.
- Um tiro perfeito - disse ele,com uma admiração evidente na voz. - Você fez isso m aquele arco curto?
S/N colocou o dedo no arco curvado,extraordinariamente satisfeita com o elogio,embora tivesse sido pequeno. O que havia com ela?
- Sim - ela disse,tirando a aljava do ombro e mostrando para ele. - Só preciso disso. Um arco longo é coisa demais. Além disso não preciso de armaduras.
Jungkook puxou o arco experimentalmente.
- Muito bem esculpido. Você que fez?
- Sim.- Surpreendentemente,S/N sentiu o rosto ficar corado. A consideração dele agradou-a bem mais do que devia. Que diferença fazia s dele se importava com ela ou não? Ele era apenas um cavaleiro,e,por sinal,não muito cortês. Não significava nada pra ela.
É claro,uma coisa era ser admirada pela aparência,pois não e podia controlar,outra era receber um elogio acerca de uma habilidade. S/N tinha infinitamente mais orgulho das suas habilidades de caçadora do que de sua aparência.
Falando apressadamente para esconder a vergonha,S/N mostrou um corte que fizera em cada uma das flechas e que,segundo ela,aumentava a curva do voo.
- Mas - Jeon disse,examinando a ponta violeta do projétil - ,embora aumente a projeção do tiro,faz com que suas flechas sejam bem incomuns.
S/N deu de ombros,sem entender imediatamente o significado do que ele tinha dito.
- Ah,sim,mas parece funcionar.
- E o xerife De Brisaac ainda não aprendeu a a identificar o seu trabalho manual?
O entendimento veio à tona. Subitamente desconfortável com a mudança de rumo da conversa,S/N pegou o coldre da mão dele e voltou a atenção para o jantar.
- Vou esfregar algumas boas ervas nesse camarada - disse ela,propositalmente mudando de assunto. - Se tivermos sorte,ficará pronto em meia hora.
Jungkook deu risada.
- Entendi. Seus problemas com o xerife não são da minha conta?
S/N ajoelhou-se ao lado do fogo e dedicadamente começou a passar uma camada de ervas na caça. Manteve os olhos na sua tarefa,torcendo para que o brilho vermelho do fogo encondesse o rosto corado.
- Não tenho problemas com o xerife - disse ela,indiferente. Depois lançando um breve olhar na direção do cavaleiro,murmurou - ,pelo menos nenhum que ele possa provar.
Jeon juntou-se a ela no chão duro,as articulações estalando em protesto quando abaixou o corpo na grama. Ele sentou-se longe dela o suficiente para que as coxas não se tocassem,mas perto o bastante para que a chance de tal contato ocorrer fosse uma possibilidade perceptível. S/N olhou para ele,nervosa,enquanto segurava o coelho para assar sobre as chamas,mas tudo o que ele fez foi curvar-se,os ombros largos de repente bloqueando toda a luz do fogo para mexer a sopa.
- Entendo- disse o prisioneiro,a voz grave mais rouca. - Mas tudo de que o homem precisa é uma única flecha.
- Não deixo minhas flechas por aí - disse S/N casualmente.
- Mas,certamente,de vez em quando você deve errar...
S/N torceu o nariz.
- Não erro.
- Impossível acertar o alvo sempre,nem toda vez...
Isso a ofendeu.
- Eu acerto - falou ela asperamente. - Você acha isso porque o fato de eu ser mulher faz com que falte alguma coisa em minhas habilidades de caçadora? Vou provar para você que tenho a melhor mira de Shropshire. Tenho uma ponta de flecha de ouro em casa que ganhei na feira de Dorchester para provar a você.
- Só estou dizendo que todo mundo erra uma vez ou outra.
- Eu nunca erro. Atiro para matar,não para aleijar. - S/N olhou para ele de forma ressentida,esquecendo-se de girar o espeto da carne. - Não tem ninguém por aí perambulando pelas terras do conde com minhas flechas mas ancas. No que eu miro,mato.
Pareceu-lhe que o Sr. Jeongguk foi de repente tomado por um grande interesse na sopa. Ele salpicou nela algumas pitadas das mesmas ervas que S/N tinha esfregado na lebre.
- E esse conde é aquele cuja propriedade você vem invadindo para caçar...
Tarde demais,S/N percebeu o erro,e rapidamente mordeu o lábio inferior. Quando aprenderia manter a boca fechada? Na verdade,esse cavaleiro tinha a facilidade de arrancar-lhe informações como a mais astuta das fofoqueiras da aldeia.
- Não disse que estava caçando em propriedade alheia - S/N resmungou.
- Não? - A voz rouca de Jeon retumbou com a graça que achava de tudo isso. - Achei que você tivesse falado que isso era a raiz dos seus problemas com o xerife De Brisaac.
Franzindo a testa,a caçadora girou o espeto. À medida que o aroma da sopa e da carne começava a preencher o ar,ela percebeu que estava com fome. Não comia nada desde que estivera na estalagem de Leesbury.
- Não é exatamente isso - explicou ela de forma relutante. - A caça que eu mato,na verdade,nunca sai dos domínios do conde.
- O que você está dizendo? - O olhar que ele lançou para ela foi desconfortavelmente penetrante. À luz do fogo,os olhos castanhos de Jeon brilhando aquela luz vermelha. - O que,em nome de Deus,você faz com ela?
A intensidade do olhar dele era enervante,e S/N abaixou os olhos,a garganta de repente seca. Com a mão livre,remexeu no odre pendurado na cintura dela,mas Jeon não entregou-lhe o seu.
- Experimente este - ele disse de forma breve.
S/N levou levou o odre aos lábios,somente para afastá-lo um segundo depois,sentindo os lábios pegarem fogo. Esganada,ela virou um olhar acusador na direção do prisioneiro.
- Você está tentando me envenenar? - ela perguntou quando conseguiu encontrar voz.
Jungkook teve a gentileza de parecer envergonhado.
- Desculpe. É só cerveja,embora eu admita que um pouco forte. Pensei que,como irmã de alguém que faz cerveja,você estaria acostumada às extrencidades da fermentação.
- Sim,mas eu achei que você estivesse me oferecendo água. Além disso,isso não é cerveja. É leite de dragão. Você comprou em Londres,aposto!
Jeon inclinou a cabeça.
- Admito que sim.
- Foi o que achei. Quem quer que tenha vendido essa coisa para você deixou fermentar por pouco tempo,e agora está tão forte que é capaz de levantar um defunto.
Irritada por tê-la visto engasgar-se com a cerveja,S/N deu um longo gole no líquido ofensivo,só para provar que não era uma donzela covarde. Embora os olhos tenham se enchido de água,ela conseguiu tomar vários goles,devolvendo o odre ao companheiro com um sorriso acompanhado por lágrimas.
- Muito obrigada - disse ela,rouca.
Jeon pegou o odre e disse:
- A caça do conde. O que você faz com ela,se não a remove dos domínios dele?
Homem provocador. S/N apertou os olhos para si mesma. Ele não mudava de assunto. Por mais que ela tentasse,não havia jeito. Tinha de lhe contar. Só tinha a si mesma para culpar por ter levantado as suspeitas dele.
- Você tem que entender que o conde,o falecido conde,lorde Geoffrey,morreu a mais de um ano atrás e deixou a propriedade nas mãos do intendente.
- E esse lorde Geoffrey não tinha um herdeiro? - Jeon ousou olhar pra ela. Manteve o olhar na carne que assava o espeto.
- Ah,sim,há um herdeiro - S/N bufou,desgostosa. - Mas não está em lugar algum onde possa ser achado. Foi capturado vagabundeando pela Terra Santa,nada diferente de você...
- Vagabundeando? - repetiu Jeon a meia-voz,mas S/N o escutou mesmo assim.
- Sim,ora,não se pode chamar d e outra coisa,pode? Uma exposição mais deprimente da estupidez masculina,eu nunca vi. - Ela lançou-lhe um olhar dissimulado. - Por acaso,você o conheceu? O filho do lorde Geoffrey,quero dizer,o conde de Stephensgate.
Jungkook apontou para a carne.
- É melhor virar o espeto. Está queimando. - Depois de S/N girar o espeto,ele disse: - Então,como o lordenao pode ser localizado,o estado está sem um conde faz um ano?
- Um pouco mais. E o intendente,um tal de Reginald La Roche,primo de lorde Geoffrey,e a preciosa filha estão morando no solar. - S/N estava quase acrescentando e uma dupla mais refinada de porcos egoístas você nunca viu,mas se segurou,lembrando-se de que o prisioneiro não era um estranho em Shropshire e poderia muito bem conhecer Reginald La Roche.
Mas,aparentemente,a relação que ele tinha era inexistente ou passageira,porque ele perguntou,com curiosidade:
- Esse La Roche não está exercendo suas funções de forma satisfatória,é isso?
S/N girou a carne,curvando os ombros de forma forma desconfortável. Sabia que não deveria reclamar de seus superiores,mas,de alguma maneira,embora fosse apenas a filha do moleiro,não conseguia evitar o pensamento de que poderia cuidar melhor da propriedade do lorde Jungkook que o maldito La Roche.
Ela sentiu o cotovelo do prisioneiro na lateral de seu corpo. Ele tocou na costela sensível de S/N,que deu um grito involuntário,fazendo o cavaleiro olhar pra ela,preocupado,e com as sombrancelhas levantadas de surpresa.
- Só queria oferecer mais um gole - disse ele,mostrando o odre de cerveja. -Esqueci a sua costela. Sinto muito,não foi minha intenção machucá-la ainda mais,ou piorar o estado que se encontra sua costela. Ainda está doendo?
S/N olhou para o odre de couro.
- Sim. Mas nada que mais dois ou três goles deste leite de dragão não cure.
Rindo,Jeon entregou-lhe o odre,é S/N deu mais uns goles antes de devolvê-lo e enxugar os lábios com as costas da mão. A cerveja era verdadeiramente terrível,mas aquecia o interior do corpo ao mesmo tempo que o fogo aquecia a parte externa.
Na verdade,apesar do machucado,S/N se sentia bem. A noite silenciosa era como um cobertor em volta deles,as estrelas cintilavam friamente acima,e o jantar cozinhava aromaticamente. O companheiro não a estava irritando tanto. Parecia ter adotado um comportamento menos desagradável e não fazia gracinhas havia mais de uma hora. Talvez pudesse começar a gostar de verdade da companhia antes do fim da viagem...
- Então esse La Roche - insistiu Jeon,como se a conversa anterior não tivesse sido interrompida.
- Ah - S/N suspirou. Ela concluiu que o fato de ela ter falado mal do parente do conde não tinha tido importância. Embora houvesse uma pequena chance de Isabella,que tinha a imprudente habilidade de farejar um solteiro elegível a léguas de distância,já ter encontrado uma maneira de armar um encontro com o cavaleiro,era improvável que o Sr. Jeongguk tivesse encontrado o pai dela. - Reginald La Roche parece achar que as tarefas necessárias ao solar Stephensgate devem ser quase duas vezes as que eram quando o lorde Geoffrey estava vivo - S/N explicou. - Então,em vez de trabalhar três dias nos campos de Sua Senhoria e quatro nos próprios,os camponeses são forçados a trabalhar seis dias para La Roche,ficando apenas com um pra eles. Mas isso não é nada comparado aos impostos que La Roche instruiu. Não acho certo,você acha?
Jeon olhava para ela atentamente,os olhos castanhos novamente sob a luz do fogo. Ela teve de balançar o espeto de carne sobre as chamas para chamar a atenção dele.
- Você acha isso certo?
Ele desviou o olhar do rosto dela e olhou para o coelho assado.
- Não,não é - disse ele e,pegando o espeto das mãos de S/N,começou a assoprar a carne extremamente quente. - Os impostos - disse ele com a respiração entrecortada,os olhos no rosto de Jeon brilhando como as estrelas. - Ele aumentou os impostos,é isso?
S/N não estava certa de que gostava de carne assoprada por alguém que não fosse ela,mas deu de ombros graciosamente e contentou-se com outro gole do odre do prisioneiro. Estava realmente sentindo-se bem melhor.
- Sim,ele triplicou os impostos,e isso,somado aos três dias de trabalho extra,bem,trouxe um pouco de indignação da parte dos servos. - Ela aceitou o pedaço de coelho que Jeon passou pra ela e,segurando-o com as dias mãos,deu uma mordida esfomeada. - Hummm - disse ela,embora a carne ainda estivesse quente demais para que comesse de forma confortável. - Está gostoso.
- Os servosnão reclamaram para ninguém? - perguntou Jungkook,a boca cheia de coelho assado também.
- Ah,sim,ao xerife De Brisaac. Ele é um bom homem - admitiu ela de má vontade - , por mais que queira me prender,mas não há nada que ele possa fazer. Reginald La Roche tinha lorde Geoffrey nas mãos antes mesmo de o velho morrer. Ele vai herdar o solar se o lorde Jungkook nunca mais voltar da Terra Santa,e espero que Deus nos ajude então.
S/N limpou a boca com as costas da mão e olhou para o companheiro,mas se arrependeu. O cavaleiro tinha pedacinhos de carne de coelho no rosto,achou fofo,mas nunca admitiria isso.
O prisioneiro,porém,parecia alheio as expressões faciais de S/N.
- Então,o que você está me dizendo me dizendo - começou,cutucando-a com um dedo como ênfase - é que La Roche está,aos poucos,matando de fome o povo de Stephensgate?
- Bem,os servos sim - S/N emendou. - Meu irmão e outros libertos da aldeia não estão mal. Os camponeses que trabalham para Sua Senhoria são os que mais sofrem...
Jeon tinha parado de mastigar e olhava para ela com tanta atenção que S/N começou a se sentir desconfortável novamente. Havia algo familiar nos olhos dele,mas não conseguia de jeito nenhum se lembrar do que era. Ela raramente visitava Caterbury,mas achava possível ter encontrado com algum parente dele por lá. Ou talvez Algum tio ou primo tenha passado em Stephensgate para provar a bebida de Mel. Era realmente famosa,e,no domingo livre,que acontece todo mês de outubro,o único dia em que era permitido vender cerveja legalmente sem licença,o moinho ficava lotado de homens que percorriam quilômetros só para provar a cerveja.
- Então você tem matado a caça do conde- disse Jeon lentamente,a voz um estrondo,como um trovão distante- , e dado a carne para os servos para que não morram de fome.
Os olhos de S/N arregalaram-se e ela quase se engasgou com o pedaço de coelho que tinha engolido.
- O quê? - gritou ela,dando um murro no peito e depois se arrependendo auando sentiu a costela doer. - O que você disse?
- Não se finja de inocente pra mim,pequena donzela - O trovão de sua voz não estava mais tão distante. - É por isso que você pode dizer com sinceridade que a caça não sai dos domínios do conde. Estão todas forrando os estômagos dos camponeses que trabalham na terra.
S/N deu mais um gole na cerveja,somente para facilitar a digestão da lebre levemente fibrosa. Não tinha certeza,mas parecia-lhe que o Sr. Jeongguk estava contrariado com alguma coisa. Como não parecia muito inteligente ter um homem como esse zangado com ela,ela piscou muito,como tinha visto Isabella La Roche fazer inúmeras vezes quando era pega pelo olhar de desaprovação do pai.
- Se eu não tivesse feito isso - disse S/N de forma meiga - ,teriam morrido de fome no inverno. Foi muito frio...
- Diabos e danação!
A abrupta exclamação de Jungkook espantou tanto S/N que ela quase deixou cair no fogo metade da carcaça do coelho que estava roendo. Ela observou,admirada,o prisioneiro fazer exatamente isso. Ele atirou a carne no chão e depois se levantou. Deu vários passos na escuridão da campina e segundos depois voltou com os punhos cerrados ao lado do corpo.
Não conseguia entender porque um homem que era um estranho para Stephensgate ficaria tão perturbado por causa dos maus- tratos dos servos,e então concluiu que a raiva dirigia-se a ela,pelo flagrante desrespeito às leis. As penas por esse desrespeito eram um tanto severas; os que fossem pegos caçando ilegalmente nos domínios do conde podiam perder uma das mãos ou uma perna,e não era incomum ter de pagar pelo crime com a própria vida.
S/N começou a se arrepender instantaneamente de ter aberto a boca sobre suas atividades de caçadora para um estranho. Até onde sabia,ele também podia ser algum agente enviado pelo rei para investigar o misterioso desaparecimento da caça da floresta de Fitzstephen. Porque o rei teria algum interesse na floresta de Fitzstephen,ela não fazia ideia,mas certamente essa era a única explicação para o estranho comportamento do Sr. Jeongguk. Se é que Jeongguk era o seu nome.
S/N não sabia como agir. Achava que uma garota como Isabella teria começado a chorar,usando as lágrimas como arma contra a raiva desse homem,e,se conseguisse,fingiria arrependimento. Mas ela não estava arrependida do que havia feito,e não podia agir como se estivesse.
Assim,ela simplesmente colocou o que havia restado do jantar na caldeira pendurado sobre o fogo,pois o apetite tinha ido embora abruptamente,e esperou em silêncio o homem desabafar a raiva,balançando a cabeça para o inevitável,mas murmurando de forma raivosa entre dentes.
Mas quando a cascata de acusações não veio,S/N começou a ficar inquieta e olhou para Jungkook apenas uma vez antes de abaixar os olhos. Ele estava a alguns metros,os braços cruzados sobre o peito,o olhar castanho inescrutável,mas definitivamente fixo nela. S/N achou que talvez fosse inteligente oferecer o menor alvo possível para a raiva dele,então,apesar do desconforto que a costela lhe causava,levantou as pernas ao peito e envolveu-as com os braços,apoiando o queixo sobre os joelhos,e ficou olhando revoltada para as chamas.
Quando Jungkook finalmente falou,tinha a voz rouca e um pouco mais grave. O trovão tinha se afastado completamente da voz. Em vez disso,parecia cansado,e S/N concluiu que para um homem como ele isso não era tão incomum. Afinal de contas,ele tivera um longo dia.
- Porque você fez isso?
S/N ficou surpresa com a pergunta. Por mais que Robert brigasse com ela por caçar em propriedade alheia,ele nunca tinha se dado ao trabalho de perguntar por que fazia aquilo. O fato de esse estranho fazer essa pergunta era realmente bastante esquisito.
Ela olhou pra ele,esticando o pescoço para ver seu rosto,mas sua face estava na escuridão,já que estava longe do fogo.
- Eu já contei - disse ela. - Se nada fosse feito,não teriam atravessado o inverno. Não havia comida suficiente em suas despensas,e com o aumento dos impostos feitos por La Roche...
- Mas por que você?
S/N franziu a testa,desviando o olhar dele e voltando-o para o fogo. Certamente não podia contar toda a verdade,mas,de qualquer forma,podia contar parte dela.
- Deus me deu um dom. - Ela deu de ombros. - Seria um pecado não usá-lo. Era isso que minha mãe costumava dizer pelo menos. - Quando ele não disse nada,ela concluiu que ele não estava satisfeito com a explicação,mas era tudo o que estava disposta a dizer. Levantou o queixo bruscamente,decidida a não pronunciar outra palavra.
- Você arrisca sua vida - disse Jeon lentamente - por servos.
Esquecendo-se de sua decisão de ficar em silêncio,S/N o corrigiu de forma concisa:
- Para você,talvez,eles sejam servos. Para mim,são amigos,pessoas que conheço desde que nasci,são quase uma família. Se o lorde não se importa com eles,eu me importo. É o que deve ser feito.
Quando ele não reagiu ao que ela disse,S/N afastou uma mecha solta do cabelo ondulado que tinha caído sobre um dos olhos e olhou furiosa pra ele. Mas ele ainda estava de pé na escuridão,e ela não estava nem um pouco certa de que ele estivesse olhando na sua direção.
- Você não pode provar nada,sabe - disse ela com uma indignação descuidada. - Muito menos o xerife De Brisaac, que também não pode produzir um fiapo de prova contra mim. Pergunte a qualquer um dos servos de lorde Geoffrey. Não dirão uma palavra. Então,você pode voltar ao rei Edward e dizer-lhe que,se existe uma ladra na floresta de Fitzstephen, não pode prendê-la por falta de provas.
Ela tremia quando terminou o discurso,mas não de medo. Meu Deus,não era de admirar que ele tivesse sido sequestrado de forma tão tranquila! Ele estava incitando-a a fazer-lhe uma confissão,e tinha conseguido,até certo ponto. Mas ainda não tinha nenhuma prova.
- Do que,em nome de Deus,você está falando? - perguntou Jungkook,marchando com as botas pretas de volta à fogueira. Ele sentou-se ao lado dela,pegou o odre do lugar onde ela o tinha colocado,apoiado contra o pé da manjedoura,tirou a tampa e deu alguns goles ruidosos.
Quando ele afastou o frasco dos lábios,ouviu-se um estalido,e Jeon,em seguida,limpou a boca com a manga da blusa.
S/N lançou um olhar zangado pra ele,esperando indimidá-lo com a íris cinza.
- Sei quem você é.
Jeon foi pego de surpresa. Por vários segundos,simplesmente encarou-a,a boca movendo-se estranhamente,até que finalmente disse,em uma voz que estava excessivamente cordial:
- Quem eu sou? Do que está falando?
- Não faça joguinhos comigo - falou S/N rispidamente. Ele parecia achar graça em vez de estar alarmado pela ira dela,mas ela não permitiria que isso a impedisse de proferir o discurso que ele tanto merecia. - Acho vergonhoso você se aproveitar de mim desse jeito. Afinal de contas,sou apenas uma donzela inocente. Você deveria se envergonhar.
Jeon deu uma risada sincera.
- Donzela você pode ser,S/N Crais,mas tenho sérias reservas no que diz respeito à sua inocência. Por exemplo,seu método de me distrair na cachoeira de Saint Elias.
O rosto de S/N ficou quente com a lembrança,mas ela recusou-se a ser distraída pela vergonha.
- Não é uma coisa nem outra. Quando meu irmão descobrir,pode ter certeza de que ele irá reclamar com o rei sobre seus maus-tratos em relação a minha pessoa.
- Meus maus-tratos em relação a você? - As sombrancelhas de Jeon inclinaram-se em descrença. - Não fui eu quem foi amarrado,como você tão delicadamente colocou,como um pouco? Não foi a minha vida que foi ameaçada com a ponta de uma faca?
- Como pode estar tão indignado quando é você o covarde e o mentiroso,não consigo entender. Não entendo como você consegue dormir à noite. - Olhando-o com os olhos semicerrados,ela sibilou: - Homens como você não valem mais que os vermes que se arrastam sob nosso pés.
Jungkook olhou pra baixo,esperando ver o terreno coberto de animais rastejantes da noite.
- Sinto muito,senhorita - começou ele cuidadosamente - ,se fiz algo que a tenha ofendido.
- Ofender-me! - S/N deu uma risada sem graça. - Ah,me prender será uma ofensa,com certeza. Uma ofensa contra tudo o que é sagrado nesta terra.
- Prender você? - O espanto de Jungkook,que S/N tinha certeza de que era fingido,foi tão convincente que ela quase acreditou nele. - Por que eu prenderia você?
- Ah - ela gritou,levantando-se de súbito à custa de dores na costela. - E você ainda continua a se fazer de desentendido! - Ela o cutucou com um dedo impaciente. - Você não é um agente do rei,mandado aqui para em encontrar?
Para a sua surpresa,o prisioneiro atirou a cabeça acastanhada para trás e soltou uma risada gostosa,longa e alta. Essa reação foi tão inesperada que,por um momento,S/N não conseguiu fazer nada além de encará-lo boquiaberta. Ele continuou a rir por algusn minutos,tão alto que S/N,que apreciava uma boa piada mas detestava imensamente ser o alvo de uma,ficou impaciente.
- Não é nada engraçado. - insistiu ela.
Mas Jeon não conseguia parar de rir. Em um acesso de irritação,S/N cruzou os poucos metros de gramado que os separavam até ficar ao lado dele,as mãos nos quadris,os olhos fuzilando-o tão ardentemente quanto as chamas do fogo.
- Sim,está certo - disse ela rispidamente. - Ria o quanto quiser. Vamos ver se você vai achar divertido quando meu irmão colocar s mais em você. Ele tem punhos grandes como sacos de farinha,sabe,e não vai achar nada gentil você me levar de volta à casa do moinho em algemas.
Isso só foi útil para fazer o cavaleiro rir ainda mais. S/N bateu o pé no chão impacientemente.
- Também tenho cunhados,quatro,e Bruce é o açougueiro da aldeia. Os braços dele são mais grosso que troncos de árvores.
Antes de perceber o que estava acontecendo,um dos braços do Sr. Jeongguk,que,embora não fosse mais grosso que troncos de árvores,estavam entre os mais longos e mais musculosos que ela já tinha visto,envolveu as pernas dela. No segundo seguinte,ele a tinha atingido com força na parte de trás dos joelhos,dobrando-os,enquanto a outra mão fechou-se em volta do pulso dela é levantou-a no colo. S/N não conseguiu abafar o grito de surpresa.
Mas antes de ter tempo para recobrar-se da vergonhosa acrobacia,antes de ter a chance de notar que o colo dele não era o lugar mais desagradável onde já estivera,pois era,entre outras coisas,bastante quente,embora duro e desconfortável em alguns pontos,por causa das pernas musculosas,S/N levantou a cabeça para reclamar sobre o tratamento rude...
...e viu seu protesto silenciado por um par de lábios muito determinados.

Free My Heart (Jeon Jungkook)Where stories live. Discover now