28

3.6K 288 43
                                    

— E tá tudo bem com ela?

Ouvi a voz de Lucas, enquanto tentava abrir os olhos.

— No mais, sim, ela vai acordar daqui a alguns minutos. Agora é primordial a hidratação, alimentação correta e aplicar as vitaminas no horário certo, feito isso, os dois vão...

Um homem, todo de branco, lhe explicava, enquanto foram saindo porta a fora. Não pude ouvir o final, estava tonta e a voz de ambos foi ficando baixa demais.

Minha boca estava seca e a minha barriga roncou, eu estava com fome. Tinha perdido totalmente a noção de tempo e hora, nem sabia o que havia acontecido.

Mexi a cabeça e lembrei-me do enforcamento, pisquei os olhos algumas vezes e encarei ao redor da cama. Estava tudo limpo no quarto e eu usava outra roupa. Não havia nada me amarrando e então, eu tentei me levantar mas não obtive sucesso.

Droga!

Tossi algumas vezes, um enjoo consumiu minha garganta, senti todo meu corpo estremecer. Coloquei as mãos sobre a testa e recostei na cama, eu estava fraca demais, era uma sensação de impotência, misturada com um mal-estar e muita, muita dor de cabeça.

— Você acordou..

Lucas murmurou, entrando no quarto e se sentando na ponta da cama. Levantei a cabeça em sua direção.

— O que você fez comigo?

Sussurrei, pausadamente.

— Eu não fiz nada, você fez. E, hm, você precisa comer, já mandei preparar algo. Olha, eu não quero te fazer mal, para mim, você é só a merda de uma isca mas eu preciso que você colabore comigo ou vamos ter problemas.

— Você não quer me fazer mal, só a quem eu amo. Você não quer me fazer mal mas, olha.... me sequestrou e tá fazendo sei lá o que comigo, me machucando? Legal seu raciocínio.

Debochei, inquieta. Minha cabeça latejou forte e eu contorci o rosto, colocando as mãos sobre ela.

— Aí!

— O que foi? Tá se sentindo alguma coisa?

Lucas perguntou, agitado e veio até a mim, colocando as mãos sobre meus braços. O semblante de preocupação, totalmente inquieto, me fez ter a reação de encarar suas mãos, arqueando a sobrancelha.

Ele continuava a me encarar atentamente, enquanto meus sentidos capitavam que algo de muito estranho havia acontecido enquanto estivera desacordada.

Respirei fundo e me mexi, desconfortável com seu toque em meus braços, assim que percebeu, ele recolheu as mãos e se colocou de pé, a minha frente. Franzi a testa mais ainda, ô encarando e ele desviou o olhar.

Havia ficado... sem graça?

— Eu vou pegar algo para você comer, está fraca.

Ele disse rapidamente e logo saiu.

Que bizarro!

Meus sentidos aguçaram ainda mais, algo não estava certo e nada como minha velha curiosidade para me devolver as forças. As fraquezas do meu corpo se tornaram pequenas. Eu precisava vasculhar, saber, ou, com muita sorte, conseguir sair dali.

Fui xeretando por ali mesmo, entre o cômodo e mexendo nas gavetas de alguns velhos móveis que tinha espalhados pelo quarto. Não obtive muito sucesso, e, por parte, tinha colocando algumas parcelas de culpa por estar lesada e fraca.

Caminhei devagar até a porta e pude visualizar a sala pela frecha.

Era tudo de madeira e com bastante decoração praiana. Havia uma prancha azul cruzada na parede principal da sala e embaixo, uma assinatura com o nome de Lucas, que por final, quase me fez cair dura para trás ao invadir minha visão com seu corpo.

— Curiosa?

Ele zombou, adentrando com uma bandeja cheia de comida.

— Você não sabe o quanto..

Debochei, me afastando.

— Vou te levar para conhecer a casa depois, agora você precisa comer.

Me sentei, o cheiro da comida adentrou em meu nariz e meu estômago quase saiu do meu corpo, para comer por mim. Os três neurônios que pensaram em fazer greve de fome para tentar morrer e sair daqui, foram aniquilados. Não sei pensei nem duas vezes: puxei a bandeja das mãos dele e garfei com tudo a comida.

[....]

Talvez a parte mais estranha da minha primeira refeição neste lugar, teria sido o fato de que, meu sequestrador não tirava os olhos de mim. Parecia que precisava verificar e ter a certeza de que coloquei cada grão de arroz que havia no prato, para dentro.

— Satisfeita?

Ele perguntou, assim que me viu afastar a bandeja. Assenti com a cabeça, afirmativa.

— Ótimo, vou pegar as vitaminas.

— Vitaminas?

— Sim. Hm, você... teve alguns problemas com seu, hm, apagão. O médico receitou umas vitaminas.

— Meu apagão ou seu enforcamento? Volto a dizer, vitaminas?

Ele se levantou, pegando a bandeja e não me encarava para falar, parecia suar também. Eu estava começando a reconhecer alguns pontos fracos de Lucas, em pouco tempo. Ele ficava nervoso ao mentir, tinha muita transparência-emocional para um perfil de psicopata-sequestrador.

— Você tem algumas manias bem irritantes de questionamento com tudo, alguns traços da sua personalidade são bem parecidos com a amante do meu pai. Deve ser por isso que o filho dela se apaixonou por você.

— E você tem manias irritantes de não responder os questionamentos. Bom, não conheci, como gostaria, a minha sogra e toda a galera do passado que causou esse auê mas nessa história toda, posso dizer que é bem irritante também o fato de que, você sempre precisa culpar as mulheres.

Acho que, havia falado um pouco demais, como de costume. Lucas pareceu curioso e, assim que terminei de falar, ele franziu o cenho e se sentou novamente, me encarando.

— Culpar? Estou defendendo, inclusive, Júlia, que acabou tendo a história repetida por culpa sua, né?

Questionou, parecia acreditar realmente no que dizia e, apesar de achar aquilo tudo uma loucura, eu já estava sequestrada mesmo, não poderia acontecer algo pior.

Ou, sim..

— Júlia não teve o que merecia e eu concordo que me meti, mas não sozinha, no relacionamento dela, jamais me orgulhei disso. Você vive dizendo que a mãe do Gustavo "levou seu pai", que a mãe do Gustavo era a "terrível amante que destruiu sua família", sem saber das circunstâncias em que isso aconteceu, você era uma criança. Assim como, soube das histórias do meu relacionamento mas não estava lá. Você culpa sua mãe por ter tido problemas e precisado de ajuda de uma amiga, sequestrou a mim, que não tenho absolutamente nada a ver com a história toda do passado. Você culpa todas as mulheres da história, menos quem realmente tem a culpa: seu pai. Ele traiu, ele tinha responsabilidades com você, com sua mãe. Meu Deus, você e Gustavo eram crianças, os envolvidos nisso, nem estão mais aqui, o que você deseja com tudo isso? Fazer doer em quem e o que, sobre o que? Pra que?

Dialoguei, gesticulando, enquanto ele se manteve imóvel com a bandeja em seu colo. Lucas ficou pensativo e, sem me responder, levantou, me deu as costas e saiu dali.

La puta llWhere stories live. Discover now