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Depois de dar uma risada sarcástica, o homem deixou a sala e todos saíram dali, ficando apenas eu e Gustavo. Fechei a porta, com cuidado, tentava assimilar todas as informações que tinha recebido.

A história de vida do homem que eu dividia a minha vida parecia um quebra-cabeça, com peças espelhadas por todos os lados. A sensação de que uma verdadeira tempestade estava por vir não parava de me assombrar e pelo visto, não só a mim. Me virei para ele, recostando meu corpo na porta, e em seguida, tirei a bolsa dos meus ombros e coloquei na cadeira ao lado, em silêncio. Gustavo havia sentado e estava com a cabeça baixa e mãos sobre a testa, alisando.

— Eu sei que preciso te explicar muita coisa...

Ele afirmou, sem me encarar.

— Sim, precisa. Mas, nesse momento eu só quero saber se você tá bem.

Respondi, sincera. Era dilacerador vê-lo tão agoniado. Parecia que a qualquer momento Gustavo sairia gritando por ajuda. Os músculos do seus ombros saltavam, de tanta tensão, as olheiras, de quem não estava dormindo bem, ficaram evidentes. Ele estava exausto.

— Eu queria ter um botão pra minha cabeça parar de pensar um pouco.

Ele continuou falando, agora, havia levantado a cabeça e me encarado. Fui caminhando até ele e coloquei seu corpo para trás com as mãos, me sentei em seu colo e Gustavo agarrou minha cintura, recostando a cabeça nos meus peitos. Abracei suas costas o máximo que pude e fui distribuindo alguns apertões por ali, massageando.

— Você não quer voltar pra casa, descansar um pouco?

— Eu acho que não vou mais voltar pra casa.

Gustavo murmurou tão baixo, quase em negação ao falar aquilo.

Arqueei as sobrancelhas e me afastei um pouco, tentando visualizar seu rosto.

— Como assim?

Perguntei, encucada. Ele apertou mais meu corpo, me pedindo um abraço. Abracei-o em silêncio, sem entender nada.

[.....]

Haviam passado algumas horas e Gustavo pediu nosso almoço por um aplicativo de comida, estávamos azuis de fome. A secretária dele, a quem pedi mil desculpas por meu comportamento, ajeitou toda a mesa do escritório, improvisando, para que a gente almoçasse ali.

Quando chegou a comida, ela nos trouxe e sentamos a mesa, de frente, um para o outro. Eu sabia que chegaria a hora do assunto que estávamos tentando ignorar, chegar.

— Primeiro de tudo, quero te pedir desculpas por esses dias. Eu realmente nunca soube dividir nada, na verdade, eu precisei criar isso dentro de mim depois que meu pai... foi embora. O único que eu podia confiar, nesse mundo que caiu no meu colo, era eu mesmo.

Gustavo começou a falar, dando uma garfada em sua comida. Escutei com atenção e assenti, comendo também.

— Tá tudo bem, eu também não consegui lidar com isso tudo. Com o espaço.

— Eu queria te poupar algumas partes da minha vida, a parte ruim, no caso, mas eu ainda não havia compreendido o nosso dividir a vida, as vezes, pelo mal que já te fiz, é difícil não poder ser perfeito pra você, entender que, não sou um robô, que posso ter um lado ruim, é difícil pra mim. Minha história, a dos meus pais, mais precisamente, vem refletindo em mim, principalmente nesses últimos dias, da pior forma possível e eu não queria que respingasse em você, em nós.

Ele continuou, pausadamente. Comecei a ficar apreensiva e larguei o garfo, minha garganta secou e eu peguei o copo, bebendo um pouco de suco.

— Respigar em nós?

— Sim. Meu pai era casado quando conheceu minha mãe e tinha um filho, o Lucas. Eles se conheceram através do Leon, o pai de Júlia. Minha mãe e Leon namoravam. E meu pai e Leon eram muito amigos e vizinhos, em Barbadis, a cidade em que meu pai nasceu. Eu não sei direito o que rolou na época, eu não era nem nascido, mas o Leon e meu pai tiveram uma briga feia, a mãe do Lucas, começou a comprar algumas drogas com Leon e meu pai descobriu. Passado algum tempo, o casamento deles começou a desgastar por ela colocar a vida do Lucas em perigo diversas vezes, vender as coisas e meu pai precisou internar a mãe do Lucas numa clínica de reabilitação.

— Meu Deus... E onde entra sua mãe e seu pai nesse loucura toda?

— Pelo que entendi, minha mãe, com pena de toda a situação, vendo a mãe de Lucas trata-lo mal por conta das drogas, contou para o meu pai que o Leon que vendia as drogas pra ela. E, nessa loucura da internação, minha mãe ajudou nos cuidados com o Lucas e meu pai acabou se apaixonando por ela.

— Jesus... Que loucura.

— Loucura foi o que eles fizeram depois. Meu pai, com medo, porque Leon era sub-gerente da máfia de Barbadis, locou para a gangue rival. Ele entrou e foi embora de Barbadis, levando minha mãe e deixando Lucas no grupo de apoio da clínica de reabilitação. Eu não concordo com isso que eles fizeram e eu não sabia e nem entendia o porque não levaram Lucas. Meu pai dizia que eles não pensaram direito, que saíram as pressas. Não sei, só sei que, a mãe de Lucas, três meses depois, adoeceu e morreu. Tenho certeza que ele teve uma vida difícil. Mas, ele me culpa por tudo de ruim que aconteceu. Ele transferiu a merda do meu pai, para minha merda.

Gustavo pausou a fala, atordoado. Era realmente muita coisa.

— Tá mas o que ele quer de você? O que eles querem? O seu pai nem tá mais aqui.

— Quando eu assumi os negócios, a boate, o Leon precisava que eu casasse com a Júlia, era um acordo. Se eu me casasse, ele esqueceria as dívidas e conseguiria juntar as duas gangues de Barbadis e Lagos, nossos dois sobrenomes faria dele um quase rei na cidade, ninguém estaria acima dele na máfia.

— Santo Deus, onde eu me meti? Tirei o acordo de um mafioso!

Brinquei, tentando aliviar a tensão daquilo.

Rindo por fora e chorando por dentro. Eu podia ter levado uma bala nessa minha cabeça. Sempre fazendo merda, Gabriela!

Gustavo riu, coçando a cabeça.

— Essa é a parte que talvez você não goste muito. Eu não desisti do acordo, ia cumpri-lo, ia me casar. Só que, Lucas apareceu, do nada, querendo vingança, não sei de onde saiu, nem como me achou e ele achava que eu amava Júlia e fez de tudo pra ficar com ela. Convenceu o Leon porque ele também tinha o sobrenome, podia proporcionar quase as mesmas coisas que eu. E conseguiu, no final, se casar com ela.

Calafrios percorreram meu corpo assim que ele terminou de falar. Saber que ele não havia desistido dela fez todos os deboches de Júlia ganharem motivos. Me senti mal e larguei a comida, me levantando.

— É, realmente não gostei muito. É muita coisa pra minha cabeça, sério.

Sussurrei, enquanto andava de um lado para outro. Gustavo me encarava, sentado. Agora era ele quem havia largado a comida.

— Eu sei, eu não queria levar essas coisas pra você.

— Você não largou a Júlia e os negócios por mim, como todos, inclusive eu, achava, ok. Você tem um irmão maluco, ok. Mas por que você não pode voltar pra casa? O que eles querem?

La puta llWhere stories live. Discover now