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Trezentos e sessenta e cinco dias. Esse era o número de vezes que, hoje, fazíamos. Todas as manhãs eu acordava ao lado daquele homem e ainda me perguntava: "o que tá acontecendo aqui?"

Ainda era estranho de assisti-lo perambulando pelo meu apartamento de cueca enquanto eu mordia algumas torradas no café da manhã. Ou quando chegava e insistia em fazer o jantar, porque, com certeza, descobrimos que o macarrão com queijo dele ficava mil vezes melhor do que a minha massa corrida.

Era engraçado, que até as coisas mais esquisitas ainda me causavam um certo estranhamento. Eu passei esse ano ouvindo: "e como ele é, com você?", eu não tinha essa resposta.

Você não era mais o carrasco, o chefe. E nem eu era a menina que você arrancou dos braços da mãe. Nenhum dos dois eram mais aqueles dois que transavam enfurecidamente no terraço pela manhã, pensando: "o que estamos fazendo?" e muito menos, aqueles que gritavam e brigavam tentando se decifrar, atrás de amor. O que tínhamos construído era sólido, talvez.

Tínhamos virado pessoas normais, que todos os dias se perguntavam: até que ponto tudo isso poderia ser normal?

— Você fez o teste ontem?

Gustavo perguntou, enquanto abotoava sua camisa.

Eu estava sentada na mesa da minha cozinha, tomando meu café com leite, enquanto olhava minha caixa de mensagem do trabalho.

— Não, você vai me perguntar isso quantas vezes ao dia? Só pra eu anotar na minha agenda.

Respondi, debochando e tentando conter a minha irritação. Ele me encarou furioso.

— Desculpa por tentar manter um planejamento em alguma coisa da sua vida.

Ele devolveu o deboche e foi caminhando até a porta.

— Tá desculpado.

Gritei, ele me encarou, raivoso, abriu a porta e saiu.

Oito e quarenta da manhã, a primeira briga do dia. Eu esqueci de mencionar que, nessa vida sólida que tínhamos, tudo, todos os dias, parecia desandar um pouco mais. Nada podia ser normal entre nós.

Um e-mail chegou a minha caixa de mensagem, era do fórum, abri.

• Solicitação de esclarecimento •

Mais um pesadelo da vida antiga, fechei.

Vitor, Vitória e outros mil pesadelos tinham tornado nossa vida a beira do impossível. Gustavo vivia em audiências, entre um esclarecimento e outro, entre um processo e outro. Tudo era voltado ao passado, aquele mesmo, que não resolvíamos nunca.

Era engraçado, ele ignorava quando algo acontecia, os conselhos para que eu prosseguisse: "Gabriela, o que passou, passou" mas, todos os dias, o que passou, estava aqui.

E no meio disso tudo, tive que lidar com muitas mudanças, ele veio morar comigo, entrou para a faculdade, começou a fotografar grandes eventos e modelos, abriu uma agência. Ele ignorava o passado e queria ter a vida perfeita. Queria ser pai, casar e ter um cachorro chamado snoop e pronto, vida perfeita.

Estávamos no quinto mês de testes, tentando. Posso admitir que, nos primeiros dois meses foi compartilhado comigo essa vontade de ser mãe. Um mini-abusadinho ou abusadinha, com aquela boca vermelhinha de Gustavo, era lindo pensar na ideia. Mas, toda a cobrança, pesou, estragou. Eu não conseguia, nunca dava certo. Médicos me relatavam muitos problemas, muitas consequências vieram.

Meu telefone tocou, me levantei e fui até a bancada atende-lo, era Paloma.

• Ligação •

— Pronto?

— Amiga, bom dia. Você tá chegando?

— Na empresa? Ué, a reunião não é dez horas?

— Gabi! Na prova do vestido, tá todo mundo te esperando.

— Puta merda, Paloma! Eu esqueci... Caralho. To chegando, segura a onda pra mim aí, to chegando.

Falei, já desligando o celular e saindo em disparado para o quarto. Eu tinha esquecido completamente disso, hoje era a prova do meu vestido de casamento e eu não poderia de jeito nenhum deixar o Gustavo ganhar mais uma discussão de como eu não tinha planejamento com nada.

Ah, sim, eu esqueci de mencionar mais essa loucura, ele me pediu em casamento, oficialmente no dia do aniversário da minha mãe.

Vida perfeita! Era uma delícia ter tanta loucura assim pra uma pessoa só, não experimentem e façam terapia!

La puta llWhere stories live. Discover now