9 | A lenda

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O sol declina no horizonte. Após ter lavado meu corpo, me entrego aos treinos de leques mais uma vez. Vejo Wukong escrever algo, ele está no canto do templo, faço uma pausa e vou até ele que logo coloca um papel em um envelope. Me sento à mesa em que ele se encontra, ficando bem em sua frente.

- Fico imaginando... e se eu me tornar um monstro?

Com certeza quero distância de patinhas brotando do meu abdômen, ficar do tamanho de uma jubarte, com uma carapaça dura me cobrindo por completo, presas com metade do meu tamanho saltando da boca, se é que eu teria algo ao menos parecido com uma boca... urg!

- Você não vai.

- Como pode ter tanta certeza?

- Confio nas profecias e acredito em você.

- Só me diz isso.

- É a verdade.

- O que estava escrevendo aí? Espero que não seja a minha carta de demissão.

- O mundo tem chance de ser salvo se você continuar nessa empreitada, nunca penso em te dispensar, pode ficar tranquila.

Wukong dá uma piscadinha e sai. Volto aos meus afazeres.

Aolai... ilha paradisíaca, onde meus sonhos gananciosos se converteram em uma luta incessante contra o mal. Quem diria que eu seria a designada para esta missão. Será que minha família está me procurando? Vou tirar um tempo para investigar, qualquer outro dia, menos hoje. Não quero voltar, talvez nunca quis. Não sinto falta de ninguém do meu antigo lar. Era tudo tão estressante, melhor está aqui, ao lado de uma lenda, assim faço mais bem do que mal.

Bem perto do anoitecer, alguns macaquinhos se amontoam ao meu redor, julgo curiosos com minhas manobras e interessados nos meus leques. São três, uma garotinha e dois garotinhos. A macaquinha puxa minha veste, vou ver o que ela quer.

- Pedi ao rei macaco para me contar a sua lenda mas ele disse que estava muito ocupado e disse que você poderia contar.

- Então vocês querem que eu conte?

- Sim! - todos respondem ao mesmo tempo.

- Bem... caham - sento no topo de uma rocha enquanto os macaquinhos ficam no chão, ao redor. - O rei macaco nem sempre foi o rei macaco, sabe? Ele nasceu de uma pedra e era um macaco mortal como qualquer outro. Não nasceu imortal, era tão mortal como eu ou como vocês. Ao encontrar a Caverna da Cortina de Água, se tornou rei. Ia morrer durante o sono, com um pouco mais de 300 anos. Porém, não aceitou esse futuro, subiu em uma jangada e rumou a civilização humana. Conheceu o senhor patriarca budista-taoísta Subodhi e, durante a sua estadia na escola desse mestre, aprendeu as 72 transformações enquanto ajudava como podia, limpava o chão, carregava água...

- Uau! - exclama um deles.

- Ganhou o nome Sun Wukong desse mestre e, por ele, foi expulso depois de se exibir com as suas 72 transformações. Voltou para a Montanha das Flores e Frutas, obteve a sua Jingu Bang, cuidou de seu povo, quis ter um título celestial e foi nomeado pelos superiores senhores celestiais como Protetor dos Cavalos. Descobriu que esse cargo era o mais baixo de todos e nem existia, descobriu também que não foi convidado para uma festa especial onde seria servido pêssegos da imortalidade entre outras coisas. Com raiva, se rebelou contra o céu, incitou sua população de macacos a lutar contra o exército celestial.

- Ouvi falar disso! Dele ter destruído o céu!

- Também!

- Wukong estava indo bem, lutando contra forças cósmicas, até chamarem o Buda que o colocou de baixo de uma montanha, a Montanha dos Cinco Elementos, ficando preso lá por 500 anos até ser libertado pelo monge Sanzang. Apartir desse encontro, Wukong seria guarda costas do monge e o protegeria de muitos demônios que queriam devorar o seu mais novo mestre. Durante toda uma jornada, foi um grande guerreiro, se tornando, ao findar da jornada para o oeste, o Buda Combatente Vitorioso.

- Que demais!

- Quero ser igual a ele!

- Eu serei mais poderoso do que ele!

Todos vão embora, enquanto brincam de rei macaco. Suspiro, foram tão fofos, tenho certeza que não vi nenhum deles querendo me apedrejar quando o mestre me levou para morar com ele.

- Nossos filhos estão crescendo tão rápido...

Ao me virar, topo com um Wukong de sorrisinho de lado.

- QUÊ? Nossos filhos? Ai ai... são seus macacos, não meus.

- Como já é da família, são seus também. Focando na missão, já preparou as malas? Vamos fazer uma longa viagem amanhã.

- É melhor eu começar a me preparar então.

- Deixei as roupas que vai precisar usar no seu quarto, aconselho que coloque todas na mala, lá a galera é muito exigente com esse tipo de coisa.

- Ah... ok. Sem problemas.

O mestre some de novo e quando eu estava prestes a atravessar a cortina de água, para chegar em casa, a menininha macaco de mais cedo me chama. Deve ter perdido alguma coisa e veio perguntar se sei onde pode estar, seja lá o que for.

- O que foi, pequena?

- Posso te fazer algumas perguntas?

- Sim, pode fazer.

- O que você é do rei macaco?

- Discípula.

- Ah...

- Era só isso que tinha para me perguntar?

- Bem... queria saber se eu poderia ser legal como o Wukong mas sou uma menina.

- E como isso pode ser um problema? Sabia que ele já se transformou em uma mulher para enfrentar um inimigo?

- Sério?

- Sim.

- Nossa!

Em poucos minutos, eu e ela estamos no meu quarto. Lhe entrego um resumo da lenda que fiz questão de fazer nas parcas horas livres que tive. Mesmo sendo só "mais ou menos" no desenho, resolvi fazer minha versão ilustrada, não poupei tinta. Como não sei se pode emprestar as escrituras do mestre, achei melhor entregar algo meu a ela.

- Meu presente, aqui está um resumo da lenda do rei macaco para você ler.

- Valeu! - ela abraça o pergaminho e me abraça antes de ir embora.

- De nada, princesinha.

A Discípula de Sun WukongOnde as histórias ganham vida. Descobre agora