AMANTES OU ESTRANHOS

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- Eu falei sem pensar, me perdoa?

Alice apertou a maçaneta, um tremor percorreu seu corpo, apoiou a outra mão na porta, palavras ditas com veemência defendendo Yara e acusando-a. Era o que ele realmente pensava dela.

"Eu não sou tão boa quanto ela!"

- Não me toque, eu não preciso ter uma mãe morta para saber o que Yara está sentindo, muitas vezes eu quis fazer o mesmo...

Ela se afastou da porta ao ver Miguel em uma nova tentativa para tocá-la, ignorando seu pedido insistente de perdão, andava pelo quarto, tentando firmar os pés no chão, por um momento foi preciso segurar no armário.

- Eu não quis te magoar, estou desesperado por te ver longe de mim, seu silêncio está me matando. Me deixe te tocar! - Alice socou os braços no ar, afastando-o, Miguel passou as mãos nos cabelos. - Por um momento, esqueci o que ela fez com você, mesmo sabendo onde está cada cicatriz.

- Eu queria esquecer, eu devia esquecer, já que ela me expulsou de sua vida - sua voz era quase um sussurro. - Desejando me ver morta e também meu filho.

Olhando para Miguel e com um meio sorriso, falou:

- Você está certo! Se eu perdoasse a Clarice, eu poderia chamá-la de mãe, mas, existe um se e ele faz toda a diferença, o se faz quem eu sou.

Alice segurou ergueu um dedo e falou enumerando:

- Se a Clarice não fosse a mulher que me espancou desde os meus oito anos... Se ela... Se...

Com a voz embargada, ergueu mais um dedo e continuou.

- Se nas muitas vezes que me deixou trancada, ferida e com fome, quando não me fazia assistir ela comer em uma mesa farta e eu não podia pegar nem um pedaço de pão.

Alice apontou para Miguel na tentativa de se controlar e não gritar, não pode impedir as lágrimas, piscou, mas em vão, elas persistiram. Ergueu mais um dedo.

- Se eu não sentisse sua ira, enquanto me queimava como um bezerro em seu colo, só porque eu queria meu pai, eu era uma criança... uma filha, sua filha querendo o pai.

Como se estivesse voltado no tempo, abraçou-se, mas não permitiu que Miguel a tocasse. E novamente enfatizou o Se.

- Se em todas as vezes que ela me batia não deixasse uma marca no meu corpo e também em minha alma.

Alice enxugou as lágrimas, inconsciente tocou o pescoço, buscando a cicatriz, Miguel ouvia com as duas mãos na cabeça, olhando para ela.

- Se calasse meus gritos e não olhasse para ela enquanto me agredia - Alice não conseguia controlar o tremor de seu corpo. -, o castigo era mais rápido.

Alice olhou para Miguel, porém não o via em meio às lágrimas.

- Se enquanto pisava meu pé e gritava que o meu pai não voltaria para mim... não tivesse tirado de mim a minha única esperança de fugir daquele inferno -

Ela se desmanchou em lágrimas.

- Naquele dia eu morri, me tornei a filha perfeita para ela e mesmo assim ela continuou me castigando, você não sabe o que é amar uma pessoa e se odiar por isso.... eu amava aquela mulher, eu só queria ser amada por ela...

Alice já falava sem controlar a emoção.

- Tanto que fingia ser outra pessoa, mas eu... - Alice bateu no peito. - Eu sei o quanto a Clarice é má, sem coração, me batia em nome de seu deus. - ela sorriu. - Passei uma vida dentro de uma igreja, mas só passei a acreditar que Ele existe quando engravidei do nosso filho. O Danilo me salvou.

UMA NOITEWhere stories live. Discover now