Capítulo 6

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Isadora saiu zonza da casa de Lorena, por volta das dezoito horas. Apesar de ser outono, a temperatura havia baixado muito e caía uma garoa fina que fazia com que ela tivesse vontade de chegar o quanto antes em casa, visto que não havia levado uma blusa ou agasalho. Eram em momentos como aqueles que seu carro fazia falta. Fez uma careta ao se lembrar de que, quando pudesse, precisava passar pela oficina onde ele já estava há uma semana.

Estava sem foco para resolver esses problemas mais corriqueiros. Afinal, eram muitas perguntas para responder: aquelas que ela se fazia e a que Lorena lhe fizera. "Quem mais se beneficiou com toda essa história?".

Sim, não havia dúvidas de que a resposta fosse o atual marido, entretanto, ainda assim, era algo muito cruel. Flashes da conversa voltavam, enquanto caminhava, buscando o celular para usar o aplicativo responsável por conseguir um táxi.

"Mas, se o celular é o mesmo, e isso tudo foi um plano arquitetado pelo seu marido, que na época era seu ex-namorado, por que o Otávio lhe passaria o número?", sua curiosidade e sua vontade de que aquilo fizesse sentido falaram mais alto. Lorena respondeu imediatamente:

"Na realidade ele não me passou o número, apenas respondeu à minha pergunta, quando o vi atender outro telefone diferente daquele com o qual havia me acostumado. Ele fez questão de dizer que era um celular da empresa que trabalhava e o desativaria. Hoje percebo o quão estranha foi sua hesitação. Quando finalmente ele me revelou o número, o fez rapidamente — mais um sorriso triste — Otávio não contava com a minha ótima memória para números. Logo, a primeira coisa que fiz, ao chegar em casa, foi marcá-lo aí nesta agenda, a lápis. Quando o Otávio sumiu, nem tive tempo para tentar contatá-lo, por causa do acidente, e também porque estava no fundo do poço pelo que aconteceu ao bebê. E, além do mais, temia ser rejeitada novamente. Então, essa agenda ficou jogada por um bom tempo. Quando a encontrei, não tive coragem de ligar, nem de jogá-la fora. E, então, quando o cartão caiu em minhas mãos, percebi a coincidência".

Lorena lhe dera o cartão, para que pudesse investigar, pedindo que, se descobrisse algo, voltasse a se comunicar. Promessa que Isadora havia feito e cumpriria. Pensando nisso, cogitou que talvez Heloísa estivesse certa: no fundo desejava que aquilo fosse mentira. Seria muito mais fácil do que lidar com a ideia de que havia pessoas sem caráter nem escrúpulos, ganhando dinheiro para brincar com o sentimento alheio.

Fez uma careta ao perceber que não havia nenhum taxista disponível na área e a chuva só fazia aumentar. Caminhou rapidamente até a avenida mais próxima, buscando um abrigo em um ponto de ônibus coberto. O vento gelado fez os pelos do seu braço se eriçarem, deixando-a desconfortável. Odiava os extremos do tempo: passar frio ou calor. Mas, morando em São Paulo, admitia que a culpa fora sua, pois deveria ter saído prevenida de casa. Somente com a noite chegando vertiginosamente percebeu o quão ermo era o bairro.

Olhou no pequeno relógio e se encolheu mais um pouco, quando a chuva aumentou. Por que nunca passava um ônibus, quando precisava de um? Devia ser a tal lei de Murphy. Abraçando-se para conter o frio que sentia, encolheu-se ainda mais. Deu-lhe agonia a possibilidade de molhar os pés.

— Vamos! Passe de uma vez! — praticamente suplicou, porém, suas preces não foram ouvidas. Para piorar estava ficando escuro. Quando a chuva parou, do mesmo modo que começou, respirou aliviada. Só queria sua casa, na qual poderia pensar no que faria a seguir.

Então, tendo conseguido manter-se seca, mesmo sem ter levado consigo um guarda-chuva, deu um passo para frente, totalmente alerta para apanhar o próximo ônibus que passasse, independente do destino. Só desejava sair dali. Se ele a deixasse próxima a algum metrô, já ajudaria muito.

Projeto Don Juan (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora