Capítulo 4

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Isadora tentou digitar alguma coisa, mas a ideia simplesmente não veio, de modo que olhou desanimada para a tela do computador. Heloísa estava passando e percebeu a expressão aflita da amiga. Não esperou um convite para ir até ela e puxar uma cadeira para sentar ao seu lado.

— Um mau dia? — quis saber cúmplice, exibindo logo cedo um belo sorriso. Isadora queria ter aquele mesmo bom humor e disposição, mas a verdade é que não conseguia. Só pensava no tal encontro à tarde. Era loucura, e ela tinha noção disso, mas estava obcecada por uma matéria que nem sequer havia começado. E, enquanto isso, precisava concluir a outra, sobre relacionamentos online, ler e responder vários e-mails que havia recebido. Tinha uma vaga noção de que muitas mulheres caem na lábia de homens mal intencionados, só não tinha ideia de que tantas se dispusessem a compartilhar a experiência negativa. Tudo bem que nenhuma mensagem havia sido tão enigmática quanto à da Lorena, mas eram histórias igualmente inacreditáveis.

— Eu julgava não ser ansiosa! — Isadora não escondeu o estado em que se encontrava — E não consigo digitar uma mísera linha da matéria da próxima edição!

— É Isa, confesso que nunca a vi assim — Heloísa falou séria — Por que esse contato misterioso está mexendo tanto com você?

— Não sei. Quer dizer, sei o que sinto, mas não sei explicar. Solidariedade feminina? Se é que isto existe! — deu de ombros — É uma situação muito absurda acreditar que alguém possa receber para lhe conquistar e depois lhe fazer sofrer. Mesmo para uma pessoa como eu, que passa longe de ser romântica, é algo aviltante. Sempre aprendi que não devemos brincar com o sentimento das pessoas. E se isso for verdade... Brincar não passa nem perto do verbo correto para descrever.

— Puxa, Isa, me fez lembrar um poema do Augusto Branco, chamado Todo Amor.

— E desde quando gosta de poesia? — Isadora perguntou em tom de deboche e Heloísa ignorou.

— Você o conhece, não? — quis saber e Isa ficou pensativa.

— Puxei aqui no HD da minha memória e não me recordo. Se é que um dia conheci, devo ter apagado do disco rígido da lembrança — brincou, depois voltou a provocar a amiga — Acho que, além de ser mais elegante, mais magra e mais bonita, vou ter que engolir que ainda manja mais de poesia do que eu!

— Deixe de ser boba, estou falando sério. Mesmo porque é um trecho usado a torto e a direito, que já virou até clichê nas redes sociais. Só me causa espanto que uma jornalista não saiba!

— Não sei nem o que comi ontem, quanto mais trecho de poesia! Desembucha de uma vez! Agora fiquei curiosa.

— Ok, é o começo do poema, ele diz assim: "A maior covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a intenção de amá-la".

— Uau! Terei que pesquisar o poema! Realmente, ele serve como uma luva para esta situação, se é que ela é real — Isadora impressionou-se.

— Se você ainda se recusa a acreditar, Isa, porque vai ao tal encontro? — Heloísa quis saber, interessada na resposta.

— Porque sou curiosa demais para ficar na dúvida. Quero ouvir essa leitora, ela me pareceu bem séria pelo telefone, mas preciso olhar nos olhos dela e ouvir o que o meu sexto sentido diz a respeito...

— Você se engana — Heloísa levantou-se.

— Por que diz isso? — Isadora não entendeu, perguntando imediatamente.

— Você já escutou seu sexto sentido, sabe muito bem o que ele lhe disse, e é por isso que vai até lá, não o contrário. No fundo, bem lá no fundo, você acreditou na história e está torcendo para que seja mentira.

Projeto Don Juan (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora