Capítulo 2

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Após uma noite bem-dormida, muito em função do cansaço provocado pelo fuso horário, Thalles levantou bem-disposto. Fosse outro dia teria dormido nu, mas preferiu o conforto de uma calça modal azul escura. Era afeito a pijamas, mas quis dormir com as janelas da sacada abertas e, por esse motivo, recorreu ao hábito recém-adquirido na Europa.

Foi ao banheiro, escovou os dentes sem pressa, olhando-se no espelho. Para o dia, pelo menos, manteria a barba, cogitando tirá-la somente no dia seguinte, se precisasse encontrar algum cliente. Nessas ocasiões, preferia o rosto limpo, liso, asseado. Se muitas mulheres achavam a barba rala um charme, para uma reunião de negócio, ela podia ser considerada desleixo.

Tentou afastar essas ideias da mente. Desde o percurso do aeroporto até o apartamento, só pensava no trabalho do qual tinha se afastado e para o qual devia voltar o quanto antes. De repente, havia perdido o jeito. Sorriu para si mesmo com esse pensamento, pois era difícil perder o jeito. Seduzir se parece com andar de bicicleta: uma vez descoberto o jeito de fazê-lo, você só tem como ir adiante, evoluir, retroceder é impossível.

Assim que acabou, foi até a sacada. Com a mão no bolso da calça ficou admirando a paisagem: vários outros prédios ao redor. Era loucura considerar aquilo uma paisagem, contudo ele gostou. Apoiou-se na grade de ferro da sacada e ficou lá, inspirando e expirando o ar poluído da cidade, como se fosse o mais puro do planeta.

Sua contemplação chamou a atenção de uma jovem que estava em um prédio vizinho. Na verdade, não foi a contemplação, mas sim o corpo bem cuidado, "sarado" na linguagem popular. Thalles demorou um pouco a percebê-la, mas assim que o fez, acenou para ela. A moça, envergonhada por ser descoberta em sua atitude voyeur, sorriu sem graça e desapareceu para dentro do apartamento.

Thalles sorriu, afinal, achava engraçada a reação de algumas mulheres à sua forma física. Sim, ele se cuidava, não por ser vaidoso, e sim porque o corpo, no seu caso, era um instrumento de trabalho.

Teria permanecido ali se um cheiro convidativo não chegasse até as suas narinas, instigando-o, convidando-o e o recordando de que estava com fome. "Omelete com bacon", pensou, antes de resolver sair dali e ir até a cozinha.

Sem se preocupar em colocar uma camisa ou um chinelo, saiu de seu quarto e foi até a cozinha. Gustavo, de tão compenetrado que estava com sua omelete, demorou a notá-lo. Thalles, mais uma vez, achou a situação engraçada: um homem de sua altura, com um avental de cozinheiro por cima da camisa social, tão vidrado no que fazia que parecia estar em um daqueles programas culinários.

Gustavo fora o último a se juntar a eles, mas a sintonia foi tão perfeita, que parecia ter sido o primeiro. Era perfeccionista em tudo o que fazia, inclusive na arte da conquista. Negro, alto, forte e bonito. Poderia ter sido modelo se gostasse de coisas assim ou, então, um segurança especializado. Mas, quando Thalles e Fael o conheceram, era um corretor de imóveis, com lábia suficiente para vender um terreno na lua, se preciso. Era do tipo que sempre falava olhando nos olhos, com convicção e, ainda que não tivesse certeza do que estava dizendo, jamais demonstrava hesitação.

— Ora, ora, o bom filho a casa torna! — Gustavo cumprimentou-o com um sorriso, assim que, finalmente, percebeu Thalles parado a poucos metros.

— E torna com fome. Aliás, esse cheiro está maravilhoso Gus! — Thalles retribuiu o sorriso.

— Eu o abraçaria, se não estivesse ocupado aqui — Gustavo apontou a frigideira — Sua sorte é que sabia que estava dormindo e fiz uma bela omelete para três. O Leo ainda está deitado.

— Ah sim — Thalles recordou-se do primo — Você que é bom para ler as pessoas, acha que é seguro inseri-lo na sociedade?

— Bem, o primo é seu, mas confio no garoto! Esta ainda bem verde, porém, não é nada que demore muito. Levei-o a uma balada para verificar seu comportamento — ficou sério.

Projeto Don Juan (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora