PRÓLOGO

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Estava frio, mais frio do que se faz costume quando se trata de Goiânia. Aqui é a cidade do sol e do verão eterno, não deveria fazer tanto frio como agora, mas estava. Eu sentia perto de mim o gelo se infiltrando. Estava tão frio que... que mais parecia estar por dentro.

Toquei em minhas mãos e por incrível que pareça elas estavam normais. Quentes e suadas como de costume. Então por que eu me sentia tão... estranha? Por que eu estava tremendo? Por que meus dentes estavam batendo em um ritmo desordenado? Será que eu estava doente? Mas eu não me lembro de ter passado mal, não comi nada de errado e não peguei nenhuma chuva. Isso não era doença, sentia que algo tinha sido tirado de mim, algo valioso demais.

Virei–me para o lado e segui a passos vagarosos. Meu Deus. O frio era tanto que meus pés mal se mexiam. Será que era mesmo o frio ou meu corpo estava me dizendo para ficar quieta? Para não me mexer? Ah, quer saber? Não tô nem ai, se eu não me mover, não vou saber em que lugar estou. Sabe se lá até quando ficarei aqui. Sabe se lá onde é esse "aqui". Meu Deus, isso é injusto! O que estava acontecendo comigo? Por que estava me sentindo tão impura? E onde estava todo mundo?

– Injusto, Melissa? injusto? – Ouvi sussurros. Uma voz pesada, como um chiado irritante que fica na nossa cabeça.

Alguma coisa (ou alguém) tentou encostar em mim e pela primeira vez senti minha pele tremer. Mesmo já com frio, senti algo gelado. Algo misturado com o medo e a ilusão. Algo perdido. Como... como eu.

– Você... – A coisa falou quase ao meu lado. Pelo menos era o que parecia. Eu não enxergava nada, mas conseguia sentir tudo. Até mesmo o sopro em minha nuca. – Você está perto. Seu tempo está acabando.

Girei e tentei desesperadamente encontrar quem estava fazendo aquilo comigo, que brincadeira era aquela? De novo não, não hoje!

– Quem está ai? – Minha voz parecia tão alarmada que cheguei a me encolher de culpa. Mas por que eu estava com medo? Eu não tinha o que temer. Não fiz nada. Ninguém sabe que fiz.

– Seu tempo está passando Melissa. – A voz assustadora estava outra vez perto demais. – Isso não vai durar muito.

– Quem é você?

Dessa vez eu consegui ver um vislumbre de sorriso. Mas nada mais, apenas um sorriso assustador. Me encolhi de culpa e medo. Já estava pronta para chorar, gritar, até mesmo bater naquela suposta sombra.

Pensei, rindo de mim mesma, como eu iria bater em alguém se mal conseguia me mexer?

– Eu sou todo mundo. – A voz finalmente disse.

O que? Como assim? Eu não estava entendendo nada. Meu Deus, eu só queria sair de lá, fugir, tentar de alguma forma escapar.

– O que houve Melissa? Está querendo fugir da verdade de novo? – A voz começou a rir. – Isso mesmo, tente. Corra, passe a vida fazendo isso até se cansar.

– Me deixe em paz! – Tentei me abaixar de um jeito seguro e tampei meus ouvidos.

Tudo parou. Aquela agonia presente em minha cabeça cessou e eu só ouvia minha respiração. Silencio, finalmente.

Olhei em volta, tudo estava preto. Ninguém, além de mim, parecia estra lá. Seria essa a minha penitencia? A loucura?

E então aconteceu de novo. Um grito forte e presente como um raio no céu.

– E então, quando você se cansar, será tarde demais.

Dessa vez, ao invés de agachar, quase me atirei no chão.

– Não!

A voz continuou. Não dava para ver se era feminina ou masculina, elas se misturavam. Vozes de todos os tipos, de diversos tons.

– Ah, Melissa... Melissa, Melissa. – Falava cada vez mais alto. – Você nunca aprende, não é Melissa? Sempre quer fugir, Melissa. Sempre quer escapar, Melissa. Melissa. Melissa. Melissa! MELISSA!

Acordei em um salto e quase soquei a cara do meu irmão.

– Você tá louca é? – Ele desviou e estava agora tentando se proteger atrás da minha cama – Estamos atrasados para aula. Vem logo antes que o papai comece a falar, da última vez ele nos fez ficar sem computador por uma semana. Então trate de se arrumar e ir correndo tomar o café da manhã. Anda!

Pedro me empurrou (com muita força por sinal, para alguém que só tem 13 anos de idade) de volta para a cama e saiu correndo, gritando para o papai que eu já estava pronta. Pelo visto ele tem mais medo de ficar sem internet do que de ver nosso pai bravo. Se bem que, pivete do jeito que ele é, já se acostumou a ouvir gritos.

Suspirei e olhei pensativa em volta do meu quarto. Nada tinha mudado, mas o frio que eu sentia no sonho continuava em mim. Era sempre assim, toda a noite antes de dormir um aviso perigoso vinha gritando em minha mente e persistindo em meus sonhos "Pare de se arriscar!" Ele continuava a dizer. A rotina e os sorrisos que recebia nunca me deixaram parar, então eu fazia o que qualquer adolescente da minha idade faz quando se tem pesadelos (mesmo que sejam pesadelos repentinos e quase reais sobre a mesma coisa, ainda assim, eram só pesadelos), ignoro e sigo o meu dia dizendo para todos que "Capotei na cama sem nem mesmo sonhar". O que claro, era só mais uma mentira.

O jogo da verdade [COMPLETO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora