[12]. 110%

400 81 90
                                    

Quando cheguei em casa comecei a chorar quase imediatamente.
Não deu tempo nem de subir para o meu quarto, as lágrimas que segurei enquanto atravessava a rua caíram descompassadas.
Estava com o peito doendo tanto que percebi o motivo pelo qual diziam que o amor era impiedoso e malvado.
Vovó uma vez me disse que quando eu me apaixonasse teria que tomar cuidado. Explicou que eu tinha que amar alguém com 70% do meu coração, essa era a capacidade segura. Acima disso o amor se tornaria um assassino cruel. Ela estava certa e eu acho que amava Felix com 110%.

Solucei quando fechei a porta e joguei as duas muletas no chão.
Meu próprio corpo caiu também, não por desequilíbrio, estava apenas fraco demais.
O peso de um intercâmbio que quase arruinei no início, a falta de amigos, Heather e sua popularidade, minha submissão a ela por medo de ficar sozinho, Felix, minha paixão repentina por ele, todos os dias que vivi olhando-o das sombras, a traição que ajudei a esconder, a culpa, o medo e toda a dor que eu sentia me atingiram com força. Meus ombros não aguentavam mais tanta coisa.
O peso era demais pra um garoto do litoral de Busan que vivia pescando com a avó, colecionando pedrinhas e tropeçando por ai.

Percebi que aquilo tudo era demais pra mim.

As lágrimas borravam minha visão, não conseguia enchergar a tela do telefone quando o peguei do bolso.
Mesmo assim, soluçando, limpei o rosto rapidamente e nos segundos que a nitidez voltou, consequi ligar pra vovó.
A chamada foi atendida no terceiro toque.
Ela com certeza estaria ouvindo o rádio na varanda naquele instante, eu costumava ligar mais tarde.

ㅡ Changbin? Como ligou cedo hoje,filho. ㅡ A risada familiar me fez chorar ainda mais. ㅡ Vai sair pra dançar hoje à noite de novo?

ㅡ Vovó... ㅡ Solucei. ㅡ Tá doendo tanto... Acho que dessa vez não tem cura.

ㅡ Você machucou o tornozelo de novo? ㅡ Seu tom de voz tornou-se terno. Ela nem ao mesmo se preocupava com os meus machucados. Cresci caindo e me machucando, nunca aprendi a andar de bicicleta, havia uma caixinha de primeiros-socorros só minha no armário dela. Já estava acostumada ao Changbin chorão por ter machucado alguma parte do corpo.

ㅡ Meu coração. ㅡ Limpei o rosto com a camiseta. ㅡ Vovó, meu coração tá doendo tanto que parece que eu vou morrer.

ㅡ Seu coração? Como conseguiu machucar o coração se ele fica por dentro, Changbin? Acabou de me surpreender.

Acho que ela tentou me fazer rir mas acabei chorando mais ainda.

ㅡ Eu não quero mais ficar aqui. ㅡ  Solucei, fungando algumas vezes e assim acabei me engasgando. Tossindo, não ouvi o que ela disse mas parecia pedir calma. ㅡ Eu quero ir pra casa.

ㅡ Tenha calma, filho. ㅡ Pediu. ㅡ Você não está pensando com clareza, chore primeiro.

E assim os minutos seguintes foram gastos em meu choro imparável.
A dor dos meus machucados nunca diminuía quando eu chorava mas vovó sempre me mandava chorar até ficar sem voz.
Segundo ela eu estaria tão ocupado chorando que esqueceria que algo estava doendo.
Meu coração não parou de doer naquele instante, pelo contrário, mas pelo menos fiquei mais calmo ao aparentemente acabar com metade da água do meu corpo.
Minha cabeça latejava, minha garganta ardia e meu rosto parecia ter sido picado por um enxame inteiro de abelhas de tão inchado.
Em algum momento esqueci até mesmo que estava em chamada, tive um sobressalto quando ouvi o riso nasal da senhora que me considerava seu filho.

ㅡ Eu achei que nunca mais veria você chorar tanto quanto no dia que a Cheung  te deixou comigo e voltou pra Yongin. Você tinha seis anos, achava que ela iria levá-lo e ficou na varanda esperando ela voltar pra te buscar como prometeu, depois de anoitecer você chorou por uns 30 minutos seguidos, lembra? ㅡ Riu. ㅡ  Olhe só você agora, chorou o suficiente pra substituir o mar que temos aqui, consegue ouvir as ondas?

i wish i were heather.Where stories live. Discover now