Capítulo 25

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  O SANGUE QUE manchava o chão de terra já havia secado, após jogarem mais terra por cima para não precisarem ver aquela coisa pavorosa novamente, Arabella ainda estava em choque imaginando o sangue de Grace, que até pouco tempo cobria suas mãos e braços.

   Sentada embaixo de um grande eucalipto, seu tronco com cascas desfiadas - provavelmente comido por cervos da floresta - emana um delicioso perfume adocicado, que invadia as narinas da princesa, ainda que este não tivesse efeito doce sobre sua mente, aquele cheiro que se tornava cenário dos pensamentos perturbadores da mente de Arabella fazia um cenário de terror para a princesa, e ela sentindo-se tão zonza e adoentada derivada da grande carga emocional de ter a vida de Grace em suas mãos, deita-se nas raízes expostas do belo e majestoso eucalipto, fechando os olhos e desejando que a imagem do sangue da garota saísse de sua mente.

Na pequena clareira, que mais parecia um vão entre as árvores, o grupo de Guardiões e seus novos "companheiros", se amontoavam próximos uns aos outros, arrumando um local onde se sentar ou deitar entre as árvores e as cinzas da fogueira que Math acendera. Com o corpo de Grace - enfaixado por um tecido - deitado embaixo da árvore onde fizeram sua sutura, a jovem ainda permanecia desacordada, algo que não impressionava a equipe de Guardiões, já que sofrera muito com a faca cravada em si, mas acordar após ter tipo a pele do seu abdômen cauterizada para curar sua ferida seria muito pior, então o alívio de vê-la inconsciente era um sentimento coletivo.
  Ainda que alívio fosse uma palavra forte demais para ser usada naquelas circunstâncias, Marjorie, Lisianto e Malia estavam muito aliviados pela jovem garota ter sido salva, assim como Viktor e o companheiro de Grace, Ben. Mas Arabella estava em estado de choque, o que preocupava o ruivo, e Lucinda não deixava o lado de Math, que sentado próximo às cinzas da fogueira, falava baixo para ela que era sua culpa a garota estar naquele estado, sentindo-se perturbado ao ver a cicatriz enorme na barriga da garota, causada pela cauterização da pele, o homem de olhos violetas abraçado à suas pernas e escondendo o rosto entre seus braços, deixava lágrimas discretas escorrer por sua face, ainda que não quisesse que Lucinda o visse daquela forma, ela não deixava o seu lado ‐ e por mais estranho que parecesse para os Guardiões que conheciam a castanha - ela fazia carinho no cabelo do moreno, enquanto repetia que ele não tinha culpa do que houvera.

  Viktor que observava a cena não sabia a quem deveria se dirigir primeiramente, tantas pessoas feridas... alguns fisicamente e outros mentalmente. Mas como um líder, ele sabia que não deveria ceder diante de uma dificuldade, o líder é o pilar de seus seguidores e aqueles que o seguem precisam saber que podem confiar nele, desta maneira Viktor precisava mostrar com determinação que os atos dos seus companheiros foram os mais certos a se tomar. E ele começaria pelo mais abalado!

  Se juntando a Lucinda ao lado de Math, Viktor põe uma mão nos cabelos de Math, fazendo o moreno erguer a cabeça, curioso com uma mão que não era a de Lucinda em sua cabeça, seus olhos violetas se encontrando com os olhos de Viktor, o moreno fazia uma expressão de choro ao observar o rosto complacente do Príncipe.
— Dói machucar outras pessoas não é? – pergunta o ruivo, fazendo os olhos de Math brilharem como cristais lilases com as lágrimas, o moreno assente devagar, em silêncio – uma vez... – continua o príncipe – quando eu era mais novo, vi um exilado retornar muito ferido da capital, ele estava sendo trazido por um de seus colegas de equipe, aquele soldado estava à beira da morte – diz virando seus olhos para o chão, focado nas lembranças daquele dia – ele foi levado para uma tenda onde se realizam os tratamentos médicos dos Exilados, já que no Sul podíamos contar com um curandeiro que resolvera entrar para a rebelião, naquela noite eu não consegui dormir, fiquei muito perturbado me perguntando como aquele rebelde havia sido ferido, ele não era uma Atração e a missão dele era pacífica, procurar suprimentos para a base – Math ouvia em silêncio a história de Viktor, estava tentando entender onde aquilo se encaixava na sua situação – então eu fugi da minha cama naquela noite e procurei pela tenda onde o soldado estava, ao entrar me deparei com uma pessoa em pé ao lado do corpo, o homem ferido estava dormindo e nem havia notado a pessoa entrar ali.
— Quem era essa pessoa? – pergunta Malia, que estava ouvindo a história de Viktor, ao lado de Majorie e Lisianto que também prestavam atenção em silêncio. Olhando para a negra o ruivo responde.
— Era um Caçador de Atrações – a resposta de Viktor despertando espanto ao redor, com os olhos fechados e com a mente ainda retumbante, Arabella ouvia em silêncio.
— Mas o que ele fazia ali? O homem não era uma atração, não foi o que você disse?! – Pergunta Lisianto confuso, Math que ainda observava em silêncio decide abrir a boca para falar, ainda que bem baixo.
Foi ele que feriu aquele homem?
— Sim, após notar minha presença na tenda ele ficou muito surpreso e então começou a rir, ele ria baixo para não acordar o soldado ferido, eu estava asustado e não entendia o que estava acontecendo, quando tentei fugir não fui capaz de correr a tempo e o homem me imobilizou, mesmo estando apavorado e achando que aquele seria meu fim o Caçador não me atacou, ele não me machucou ou falou algo sobre me levar embora, ele simplesmente me parou e me manteve naquela tenda, até que ele começou a dizer como era irônico que na noite que decidira pagar por seus pecados estivesse de frente à outra atração – ouvindo a história confusos os Guardiões se perguntavam por que aquele homem não havia atacado Viktor, e como Viktor escapara com vida aquele dia.

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