Um momento pode mudar tudo

Começar do início
                                    

Faz, praticamente, uma semana que Caio não vem a faculdade. Pedro ligou chorando dois dias atrás, preocupado de não vermos mais a cara cheia de sardas do baixinho.

Eu o acalmei, disse que era preciso espaço, mas eu internamente me perguntava quanto espaço ele realmente precisava.

Um mês? Dois?

Caio acharia Lola bonita. Ela é alta e magra, o cabelo cheio é cacheado como o dele, a boca é rosada e ela sorri grande.

O pensamento me faz olhar para ela mais uma vez.

— Senta.

Lola prontamente se põe a falar sobre algum evento amanhã, uma festa, ela queria ir comigo.

— Claro, por que não? — assinto, exatamente como deveria. Lola era bonita, eu não era famoso por dizer não.

Tomo um gole da água a minha frente me perguntando quando exatamente era hora da aula de Estrutura de Roteiro. Olho para o relógio segurando minha garrafinha e me levanto.

— Você tem o meu número?

Jogo a mochila sobre o ombro e encaro o corredor. Essa seria minha última aula por dia, eu faltaria as outras duas.

— Eu acho que sim, nos vemos depois, ok?

Caminho pelo corredor lotado e entro na sala 101, vejo Lucas fazendo anotações em seu caderno e me sento ao seu lado.

— Ainda de mal humor? — ele pergunta sem desviar a atenção da folha a sua frente.

— O que você está escrevendo?

— Relatório para outra aula.

Assinto, em silêncio por um momento

— Pergunta logo, Damien.

— Como está o Caio?

Ele quase sorri.

— Bem.

— Você sempre diz isso.

— O que quer que eu diga?

— Ele não precisa de nada? Roupa? Alguma coisa?

— As que você mandou da última vez ainda servem. Mas olha, ele está mesmo bem, é sério.

Ele estava bem. Isso era ótimo, se ele estava bem, logo voltaria ao normal.

Os alunos iam entrando. Pedro, minutos depois, despencou numa cadeira qualquer a nosso redor, logo depois, a professora iniciou.

As horas se arrastam, mas, para meu alívio, a aula acaba e eu recolho minhas coisas. Queria dormir.

Vou caminhando para casa e uso o elevador para subir ao meu andar. O corredor iluminado pela luz do sol tem sua paz perturbada por um barulho muito característico de talheres sendo bagunçados.

Engulo em seco e coloco a mão em minha maçaneta, girando, descubro que a porta está destrancada. Abro rapidamente e me deparo com Caio segurando um garfo, comendo uma grande fatia de bolo.

— Voltou... você! — a frase sai desconexa enquanto meu coração se enche por um momento. Ele estava sentando no balcão da cozinha, pernas cruzadas, o cabelo cheio e cacheado arrumado, os lábios cheios entre apertos, os olhos grandes se arregalando de surpresa.

— Ei, não devia estar na faculdade?

Jogo a mochila no chão e dou um passo adiante. Lucas disse que ele estava bem e era assim que ele parecia: bem.

Isso era bom. Era ótimo.

— Eu falei a última aula eu não tô muito legal.

— Hm... bom, desculpa invadir e pegar sua comida.

Balanço a cabeça e coloco a mão no móvel em que ele está.

— Eu comprei pra você. eu...

— Só vim pegar minhas coisas.

Comprei para quando você voltasse.

Meus olhos vão de imediato para onde Caio aponta, o dedo fino me guia a um conjunto de três malas e uma mochila.

Não consigo evitar a decepção que chega em mim como uma onda.

— Bernardo vai me dar uma carona pra me ajudar com as coisas.

Bernardo?

Eles eram amigos agora?

— Você está, vai se mudar?

— Encontrei um quarto sala bem legal perto da faculdade.  — Ele pula da bancada e vai até a pia. O barulho da água sobre a louça me tira do transe.

Se mudar? Isso não era um tanto extremo? Quer dizer, as coisas não precisam ser assim. Se ele está bem, ele pode ficar.

— Não precisa se não quiser, quer dizer, esse apartamento é próprio, não custa nada.

— Ah, mas eu quero. — as palavras dele saem claras. — Acho que vai ser mais prático para o trabalho também.

Caio sorri, um sorriso breve quando seus olhos escuros encontram os meus.

Aperto os lábios e assinto.

— Agora terá a casa só pra você. — Ele sacode as mãos molhadas e olha em volta por um instante.

Eu sinto meus dedos dos pés de contorcendo, a respiração curta por um segundo.

Eu teria a casa para mim. Isso era ótimo.

Só não parecia.

— Você está esquecendo sua caneca. — Sorrio e o observo estender a mão.

— Está quebrada, Damien. Vaza quando uso. Tem coisas que não dá para consertar.

Ele anda até suas malas, passando por mim, os cachos balançando com o movimento.

— Vou indo. A gente se vê na faculdade, né?

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