Guerra Fria

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Assinto, passando os olhos pelo ambiente. A casa estava quieta, as coisas estavam no lugar, o cobertor que Damien usava era o meu, ele parecia concentrado na televisão.

— Sei que você disse que não queria a minha companhia, mas esse filme é ótimo, você ia gostar demais.

— Eu realmente preciso de um banho — ele sorri pequenininho, um daqueles sorrisos que não chegam aos olhos, e, sem outra palavra sequer, volta a beber de sua caneca. Solto o ar devagar, e cada pedaço meu se odeia profundamente quando apenas completo: — Venho quando acabar, sim?

Caminho ao meu quarto e jogo a mochila na cama, tomo um banho quente e não me demoro nada. Visto meu moletom cinza e uma blusa branca antes de ir me juntar a Damien na sala de estar. O filme estava pausado, em cima da mesa de minha caneca, antes quebrada, estava remendada de uma maneira muito convincente, cheia de um liquido amarelado emanado uma fumaça branca.

Me sento ao seu lado, e ele joga uma pequena parte do meu próprio cobertor sobre minhas pernas e eu, em meu intimo, sinto que cedi mais do que deveria, abri mais espaço do que podia. Me amaldiçoo por pensar em tudo isso como uma guerra, e mais ainda por não ter o mínimo de bom senso para recuar.

Melhor ser amigo que nada.

É a frase que soa em minha mente pela milésima vez, entretanto, a cada vez que dita, menos sentido ela parecia ter.

— Eu esquentei — Damien diz ao reparar aonde meus olhos estavam pousados. — Como foi o fim do evento?

— Bom, as coisas foram bem — respondo enquanto me acomodo. — Achei que fosse ficar.

— Eu também achei.

Abraço a caneca com os dedos. Quero muito perguntar o que houve, quero muito perguntar da ex namorada. Tomo um gole e tento focar no filme, mas sequer me atento o bastante para saber o que está acontecendo ali.

Pode o coração ser assim, tão imbecil?

Tomo um gole quente e me arrependo amargamente de estar tão desatento.

— Pedro te trouxe para casa? — o líquido para em minha garganta e começo a tossir, puxando ar devagar para tentar respirar.

— Eu vim de uber. Por que a pergunta? — coloco a caneca de volta na mesa. Damien não me olha quando fala, ele continua firme na televisão. Eu o conheço e, o conhecendo, costumo saber as razões de suas perguntas.

Ele é um cara simples, e seus motivos seguem o mesmo fluxo, porém ali, com ele evitando o contato visual, era simplesmente complicado afirmar.

Eu deveria ter ido dormir.

— Nada em especial. Ele anda bem próximo a você, só isso. — assinto pelo que deve ser a décima vez desde que cheguei, um filme correndo por minha cabeça.

Eu e Pedro sempre fomos próximos. menos próximos do que eu era de Lucas, mas com certeza próximos. Damien nunca questionou esse fato diretamente. Um pequeno sorriso desponta no canto de meus lábios.

— Somos bons amigos, como eu e você.

Mentira.

Que mentira horrível.

Eu sou a porra de um mentiroso.

— Ótimo — a palavra soa seca e eu ergo a sobrancelha.

— Se algo o incomoda, você deveria simplesmente dizer — sugiro, sentando-me virado para ele. gesto que não é retribuído.

— Colocação engraçada, já que, quando se trata de você, eu preciso adivinhar.

Bufo.

Isso não era verdade.

— Nunca pedi que evitasse qualquer coisa — dou de ombros quando digo.

— Exatamente — é o que ele diz antes de, pela primeira vez durante a conversa, olhar para mim. — O chá está bom?

— Uma delícia.

Ele sorri novamente, aquele sorriso sem vida que vi ao entrar.

Se ele está puto, por que não diz o motivo?

— Como foi com Camila? — é minha vez, mordo a boca assim que falo, arrependido por conta do salto que a frase fez meu coração dar.

— Eu não disse? Terminamos. — Foi a vez dele de dar de ombros, como se o fato fosse imperturbável.

— Ela me procurou, queria falar com você.

— Queria? E você mostrou o caminho? — Mais uma vez o tom de voz soou mais seco, nervoso, incomodado.

Eu odiava essa sensação. Essa aparência.

Qual é, desde quando ele se importava?

Damien me olha mais uma vez, as irises escurecidas. Eu não digo nada. Essa não era a minha história e eu não estava realmente à vontade com os sinais confusos que ele estava demonstrando.

— Ela pediu para conversamos, estava nervosa. Tirei ela do meio de tanta gente e conversamos, foi isso. Pensei em voltar para a festa, mas já estava tarde, então eu vim para casa. Meu humor também estava um lixo — é o que ele diz depois de um longo silêncio.

— Eu me diverti — falo baixo.

— Acredito que sim — Damien solta um longo suspiro e, como se o gesto acompanhasse outro, o nome de Pedro aparece no visor de meu celular, uma ligação. Pego o aparelho e atendo sob o olhar cuidadoso do meu amigo ao lado.

— Chegou bem? — a voz do outro lado da linha soa alta, superando o som da música que soava potente ao seu redor.

— Cheguei. E você?

— Hum... eu meio que estiquei a noite com o pessoal, estamos em um bar. Nos vemos amanhã à noite na faculdade?

— Se você estiver vivo — dou uma pequena risada e Damien pega o próprio celular, e franzindo o cenho para a tela.

— Estarei sim, Lucas está mandando você dormir aqui, beijos, nos vemos amanhã.

Desligo o aparelho celular.

— Eles estão em um bar — digo, e não sei porque faço isso.

— Sei, Pedro me convidou — ele então se encosta no sofá e mais uma vez solta uma longa respiração. — Mas como eu disse, meu humor está uma merda.

Aperto os lábios, o pânico me dando uma vontade bizarra de rir. O que está acontecendo aqui?

Damien me olha com o canto dos olhos.

— Se for rir de mim, tenha a decência de não fazer isso na minha cara.

— E por que eu estaria rindo de você? Na verdade o filme é bem engraçado.

— É Midsommar.

— Ah...

O pânico se intensifica e eu preciso mesmo me acalmar, volto a beber o chá, já frio, e sinto que meu companheiro se aproximou um pouco mais no apertado sofá de dois lugares.

Volto a me acomodar no acento, segurando a caneca vazia.

Não, não é possível.

Oblíquo Tempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang