— Não tinha me visto, Alencar? — sorridente, quis saber.

— Sim, senhorita... É que o senhor Rodrigues não está.

— Tudo bem, posso esperá-lo lá em cima, como sempre — chegou a dar um passo em direção à entrada, mas o porteiro não abriu o segundo portão.

— Temo que não... — o homem, além de reticente, deixou claro que não se sentia bem em fazê-lo.

— Por quê? O que houve? — a alegria abandonou-a, dando lugar à preocupação.

— O senhor Otávio se mudou hoje de manhã — revelou de uma vez e Lorena teve que se apoiar para não cair para trás. Ela olhou no relógio, estivera com ele à noite passada. Jantaram na varanda. Como ele poderia ter se mudado?

— Deve estar enganado. Com certeza, ele só foi viajar — cogitou nervosa.

— Estou aqui desde as cinco horas... — o porteiro tentou argumentar.

— Ele não quer me ver, é isso? Por isso, pediu que inventasse essa história – estava trêmula com aquela sensação estranha dentro do peito.

— Não senhorita, ele se mudou — o homem diria que acompanhou a mudança, porém, ela não deixou.

— Então prove! — pediu desesperada — Deixe-me subir...

O homem suspirou exasperado. Estava tão confuso quanto a jovem e ficou triste ao perceber o modo como a notícia a abalara. Lorena sempre o tratara muito bem e ele próprio sempre vira os dois juntos, os mil cuidados do homem para com ela.

Ponderando sobre isso, e para não prolongar aquela cena, resolveu consentir. Talvez ela se convencesse ao ver com os próprios olhos. Assim, apertou o botão e deixou que ela passasse pelo segundo portão. Diria que a porta estava aberta, no entanto ela também não esperou para ouvir.

Lorena caminhou como se andasse sobre brasas. Cada passo doía-lhe. Otávio devia estar com alguém e não queria ser interrompido. Fora assim, quando dormiu em seu apartamento pela primeira vez; isso, depois de cinco meses de namoro. Ele havia esperado o tempo dela. No entanto, quando ela disse estar à vontade para ficar com ele, foram para seu apartamento. Só que, diferente das outras vezes, ele não a levaria para casa, após jantarem ou assistirem algo na televisão. Assim, os dois chegaram ao apartamento em uma sexta feira à noite e só saíram de lá no domingo à tarde. Na ocasião, Otávio deixara ordens expressas para não serem incomodados.

Diante da porta automática, Lorena viu seu reflexo e se achou mal arrumada, desengonçada e feia. Passou a mão nos cabelos de modo nervoso, antes de entrar no hall.

O prédio de luxo ficava no bairro da Vila Mariana, com um apartamento por andar. Andou até o elevador e o chamou, batendo um dos pés no solo de modo repetido e ritmado, uma pequena amostra de seu enorme nervosismo. Quando finalmente o elevador chegou, entrou nele e apertou o número 15 por diversas vezes, visto que este era o andar em que ficava o apartamento de Otávio.

Em menos de cinco minutos estava no andar. Como uma equilibrista que caminha na corda bamba sem rede, ela foi, passo por passo, pé ante pé, até a porta e tocou a campainha. Do lado de fora pôde ouvir o barulho da mesma e achou impossível que Otávio não tivesse ouvido. Como não obteve resposta, Lorena fechou a mão para dar três batidas na porta. E então aconteceu: ao tocar na porta, percebeu que ela estava aberta.

Engoliu em seco, tomou coragem e a empurrou, abrindo-a em sua totalidade. O quadro que se pintou diante de sua vista, num primeiro momento, paralisou-a. Não havia um móvel sequer. Nada. Apenas as paredes beges e nuas que, sem os quadros, perdiam a vida.

Quando conseguiu, entrou e ficou ainda mais abismada. Não havia nada em nenhum cômodo. Era impensável que na noite anterior estivera ali com ele, jantara na varanda e começaram a se beijar no sofá para fazerem amor na cama do quarto.

Lorena andou por tudo para tentar acreditar o que via e não conseguiu. Quando finalmente sentiu o golpe, sentou-se encostada a uma parede e chorou. Não estava entendendo coisa alguma.

O porteiro foi achá-la quase uma hora depois de ter subido, na mesma posição, encostada à parede chorando copiosamente.

— A senhorita quer que eu chame alguém? — seu tom saiu preocupado. Também tentava entender aquilo tudo.

Lorena fez que não com a cabeça, entretanto aceitou a ajuda para se levantar. Estava sem norte. Como um zumbi, caminhou para fora do apartamento, secando as lágrimas.

Não soube exatamente como saiu daquele prédio, porque não estava pensando direito, aliás, não pensava em nada. Andou para longe do prédio, querendo apenas se afastar. Atravessou a rua sem nenhum cuidado e, talvez por isso, não tenha prestado atenção. Do mesmo modo, o motorista distraído procurando por um CD não a viu e o choque foi inevitável. Mesmo pisando com força no freio, arremessou a jovem longe.

Quando o homem desceu do carro, colocou a mão na cabeça desesperado e ligou para a polícia, repetindo para si mesmo, a todo o momento, que não tivera culpa. Os policiais o instruíram a ficar no local e informaram que uma ambulância também estava indo para lá. Insistiram para que não mexesse na vítima.

O motorista tentou cumprir o solicitado. Porém, acabou juntando os pertences da moça, visto que sua bolsa abriu, derrubando muitas das várias coisas que ela trazia lá dentro. Quando chegou ao papel, um exame médico, ele teve certeza de que seu dia, e talvez sua vida, estivessem arruinados: lá dizia que a moça estava grávida de três semanas.

****

O homem alto e moreno, muito bem-vestido, entrou na sala principal do escritório de advocacia, assim que fora anunciado. Seu anfitrião não fez questão de se levantar, apenas lhe indicou a cadeira para que se sentasse.

— E então? Está feito? — perguntou, assim que o recém-chegado sentou-se.

— Sim — afirmou rapidamente, pouco à vontade, sem se vangloriar daquilo.

— Você tem certeza? — duvidou, enquanto abria uma gaveta e apanhava um envelope. Precisava ter certeza de que cumprira seu papel no acordo e, por isso, hesitou em lhe entregar o envelope. Estavam em seu escritório, que ficava em um prédio mal conservado do centro da cidade, e já começava a ver indícios de impaciência no homem à sua frente, pois, ainda que este tivesse acabado de chegar, era evidente que queria sair dali o quanto antes.

— Pelo amor de Deus, cara, eu a abandonei! Se isso não é partir o coração dela, então não imagino o que seja! Fiz a minha parte, agora faça a sua! – bradou impaciente.

— Ok, Otávio — o advogado sorriu — Saiba que foi muito penoso assisti-lo cortejar a mulher que amo. Mas, tem razão, se você arrasou os sentimentos dela, então, fez a sua parte — estendeu o envelope para ele.

— Já lhe disse que meu nome não é Otávio — fez questão de lembrar, apanhando o envelope e o colocando no bolso do paletó — E, além do mais, você pagou por isso, você que me procurou. Nunca se esqueça disso.

— Não me esquecerei, meu caro. Não me esquecerei — o advogado repetiu, vendo o homem bem-apessoado levantar-se para deixar sua sala — Assim como espero que você não se esqueça de sumir por uns tempos!

— Pode ficar tranquilo, havia planejado ficar fora da cidade por algum tempo.

— Como o dinheiro que lhe dei poderia ir para fora do Brasil — o advogado provocou — Só não quero correr o risco de, quando estiver com ela, esbarrar em você em algum lugar. Pelo menos, não agora.

— Não correrá este risco, não se preocupe — prometeu sério e o advogado sorriu, sentindo que não era mentira. Se havia uma coisa que aprendera sobre ele é que cumpria a palavra, afinal estava sendo muito bem remunerado para isso. Sem nenhum cumprimento, viu o homem deixar a sua sala e sorriu vitorioso. Ele não havia apenas abandonado a sua ex-namorada, como também, deixado o caminho livre para que pudesse voltar para a vida dela, como um ombro amigo disposto a consolá-la. 




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