Capítulo 12

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A grandeza exige sacrifícios — Friedrich Schiller


O aviso do homem estava certo. À medida que avançava, o terreno ficava mais acidentado e mais difícil de continuar. Na última noite o frio era tão intenso que nem mesmo a capa estava conseguindo fazer com que deixasse de tremer. A isso, juntou-se uma chuva fina e persistente. Pensou que, embora fosse um cavalo preparado, Melt também estivesse sentido o terreno irregular, mas, ainda assim, conseguia vencê-lo. Quando resolveu parar, naquela que devia ser a última parada, pensou em poupar o animal também.

Por causa do frio, não conseguiu dormir. Na verdade, temia que se o fizesse podia não mais acordar. As mãos estavam congelando, nas últimas horas sentira dificuldades em segurar as rédeas do cavalo. Após várias tentativas frustradas, conseguiu fazer uma fogueira. A primeira parte difícil foi arrumar um abrigo onde pudesse se proteger um pouco e se manter seca. Em seguida, teve que deixar o cavalo e, tentando conter o tremor, procurar gravetos que não estivessem úmidos para fazer uma fogueira. Quando retornou, estava com mais frio do que quando saíra. Lutou um pouco com os gravetos até conseguir produzir fogo. Mais um aprendizado que se mostrara útil e do qual não se arrependia.

— Um dia me dará razão Gwen... Há muito mais para se aprender em um castelo! — disse para si mesma, acomodando-se bem perto do fogo.

Nem mesmo o calor das chamas fez com que parasse de tremer. Conforme a madrugada avançava, mais o vento frio a castigava. Entendeu finalmente porque todas as pessoas falavam tão mal do lugar, afinal, chegaria a tal montanha na manhã seguinte, mas talvez não conseguisse vencê-la, simplesmente porque não estivesse em condições para isso.

Antes um pouco de o sol nascer, batia os dentes e foi necessário levantar-se e andar de um lado para o outro, porque sentia dor nas articulações. Mais uma vez teve medo de estar congelando. A boa notícia é que a chuva cessara. Assim, seria menos penoso continuar.

Quando finalmente o sol começou a despontar no horizonte, Eudine colocou-se novamente no caminho. Segundo o mapa, estava muito próxima, coisa de meia hora.

Drystan puxou as rédeas do cavalo para que ele parasse. Havia saído do castelo determinado a encontrar Eudine. Sinceramente, ficara decepcionado com Gael e o pouco caso que fizera sobre o desaparecimento da jovem. Será que não percebia que ela era muito nova e que algum mal podia lhe acontecer? Não que tivesse certeza de que Eudine aceitaria sua corte, mas queria ter a certeza de que estivesse bem, ainda que o rejeitasse.

Se ele, acostumado a longas viagens, estava cansado, tentava projetar como estaria a jovem após alguns dias e isso o deixava ainda mais preocupado. O que o tranquilizava um pouco é que ela só estava a algumas horas à frente, assim, não havendo indícios de que lhe acontecera algo, mais cedo ou mais tarde, ele a encontraria.

Depois de conduzir seu cavalo, Ilid, o mais rápido que pôde, foi pego de surpresa. Deu uma leve puxada na rédea e o cavalo cessou completamente, batendo uma das patas dianteiras no solo, numa espécie de comunicação com o dono que só se movimentaria novamente se ele puxasse mais uma vez as rédeas. Como o duque não o fez, o animal permaneceu parado para que ele pudesse apear.

Drystan deixou o cavalo e foi caminhando pela estrada de terra. O que o fizera parar foram as marcas de rodas no terreno. Elas estavam mais fundas do que o normal, como se estivessem girando rápido demais. Sua experiência fez com que se abaixasse um pouco e verificasse a profundidade das marcas. Algo que o deixou alarmado, afinal, aquelas marcas só seriam possíveis se uma carruagem estivesse correndo demais ou desgovernada. A preocupação ficou estampada em seu rosto ao perceber que aquele era o trecho mais sinuoso e, portanto, mais perigoso da viagem até o reino de Nerthynd, de onde vinha o príncipe Wilkins.

Resolveu acompanhar as marcas e não caminhou muito para que sua tese fosse confirmada: elas sumiam em uma das curvas, não seguindo o contorno da estrada. O que indicava que a carruagem, ou carruagens, teria passado direto, caindo na ribanceira.

Drystan respirou fundo, antes de dar dois passos à frente, olhando para baixo. Infelizmente viu a imagem que não desejava: destroços. Verificou se era possível descer por ali, a pé, sem se machucar.

A descida demorou um pouco, pois o fez com muito cuidado, para não pisar em falso. Não teve dúvidas de que se tratasse de uma carruagem e, quando se aproximou o suficiente, seus olhos se fixaram em um detalhe que lhe deu a dimensão da tragédia: o brasão de Heldroch.

Embora o sol estivesse no centro do céu, era como se estivesse ausente, porque o frio era ainda mais cortante do que durante a madrugada. Chegando ao limite do que podia ir a cavalo, Eudine, desmontou do animal e tirou de junto da sela as suas armas e uma das bolsas de couro, onde havia colocado a comida e a bebida restantes.

— Nós nos despedimos aqui, meu amigo. Você está livre — ela acariciou a crina do cavalou que a olhou como se tivesse entendendo o que ela estava falando — Quando eu voltar, se eu voltar — Eudine não quis ser pessimista, mas estava debilitada por conta daquele frio todo — Arrumarei um jeito de retornar. Agora saia daqui! Vá para um lugar mais quente!

E dizendo isso, livrou-o da sela, da outra bolsa que havia trazido e finalmente das rédeas, deixando-as no chão. Quando ele estava livre dessas parafernálias, bateu-lhe no lombo. O cavalo hesitou um pouco, afinal, fazia muito tempo que não corria livremente sem ter alguém em cima, mas logo que percebeu que podia fazê-lo, começou a trotar, até dar um pinote, correndo para longe dali, como se estivesse seguindo as instruções recebidas.

Assim que se viu só, Eudine olhou para a montanha. O lugar pareceu desafiá-la. Apesar de todo aviso, não imaginava que o lugar fosse tão ruim como era. Lembrou-se que em lugares de Heldroch nevava. Havia conhecido alguns deles, ao viajar com Gwen. Mas era completamente diferente dali onde não havia neve, mas o frio parecia mais severo, com um vento que chicoteava a cada segundo que tocava em sua pele. Apesar de saber-se despreparada para o lugar, desistir não passou em sua cabeça. Tinha chegado até ali sozinha, como dissera o desconhecido, logo era capaz de ir adiante.

Eudine puxou o capuz, de forma a proteger o rosto, e olhou para o caminho que tinha pela frente. O caminho para a subida era íngreme, por isso, tinha que começar o quanto antes, enquanto lhe restasse forças.

Os primeiros metros foram relativamente fáceis, mas quanto atingiu certa altura, o ar começou a ficar mais frio e raro. Eudine não conseguia respirar direito, nem pensar direito, só sabia que precisava continuar.

Andando cada vez mais devagar, teve a impressão de que a rainha Maeve a chamava. Olhou para trás duas vezes e não viu ninguém. Mais passos, mais vozes. Agora era Gwen, e ela estava vestida do mesmo modo que no dia em que ganhara sua cicatriz. As vozes convidavam-na a descer e se encontrar com elas. Por duas vezes parou, por duas vezes teve vontade de seguir as vozes, no entanto resistiu.

A jovem, envolta na capa negra, conseguiu subir mais, ficando a menos de quinhentos metros do topo, antes de cair, sem forças para continuar. Olhando para o céu, via as nuvens e um sol longínquo, enquanto o frio envolvia a sua alma. E se fechasse os olhos? Aquele mal-estar passaria? Ela se sentiria aquecida?

Estava quase cedendo ao peso de suas pálpebras, quando ouviu um uivo.

Havia lobos ali. Tinha temido que os lobos a encontrassem, quando sofrera o seu acidente. Ela, com certeza, teria sido um alvo fácil. Mas, eles não apareceram. No entanto, agora, o uivo estava cada vez mais próximo. Seriam eles os guardiões da montanha? Por isso, que ela ganhara o apelido pelo qual era conhecida?

Seus pensamentos estavam cada vez mais confusos, misturando realidade e alucinação. Sua respiração estava cada vez mais fraca, acompanhava o congelamento de seu corpo. Tentou se levantar, ou imaginou que tentou, pois continuou lá, olhando para o céu azul.

—Uma linda vista — balbuciou, imaginando que fosse a última imagem que veria,antes de morrer. Porém, estava enganada. Antes de perder os sentidos, a imagemfoi bloqueada pelo focinho de um lobo.

Rainha Negra (Somente Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora