Capítulo 2

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Se o inimigo deixa uma porta aberta, precipitemo-nos por ela — Sun Tzu.


A sensação era ruim, no entanto já havia se acostumado. Também fazia muito tempo que se esgueirava pelos corredores apertados, onde era possível andar apenas com o rosto colado à parede. Ela ficava se imaginando se alguém mais sabia sobre as passagens secretas. Talvez ninguém soubesse; caso contrário, já teria sido apanhada ali.

Descobrira a passagem por acaso, pouco depois de chegar, sozinha naquele quarto, grande demais para uma criança pequena. Não se recordava do que havia chamado sua atenção para a parede, nem o quê a fez tateá-la. Porém, lembrava-se perfeitamente de seu espanto, quando uma das pedras afundou, originando uma abertura grande o suficiente para passar um adulto. Hesitou em entrar, mas a hesitação deu lugar à excitação. Do lado de dentro descobriu mecanismo igual e, ao empurrar a pedra solta, a passagem se fechou. Após acostumar-se com a escuridão, descobriu que aquele lugar não apenas lhe servia de abrigo, mas também lhe permitia explorar o castelo sem ser descoberta.

Talvez fosse uma rota de fuga, em caso de invasão. O certo é que estava ali e percorria quase todo castelo. É verdade que havia poucos pontos nos quais era possível sair nos aposentos, porém, em muitos havia frestas pelas quais se podia ouvir e ver, quase perfeitamente, tudo o que acontecesse do outro lado. Eudine demorou a descobrir isso, pois a primeira vez que entrara ali era muito pequena. Acreditou que as minúsculas aberturas fossem para tornar aquele lugar mais suportável, deixando o ar circular. Bastara crescer alguns centímetros para entender que estava completamente enganada, pois aquele artifício só tinha um intuito: possibilitar que se espiasse o que acontecia dentro dos aposentos.

Eudine reteve o passo. Sabia que devia voltar o quanto antes, afinal a princesa poderia procurá-la. Entretanto, deteve-se ao saber que aquela parede pertencia ao quarto do chefe de armas. Embora tivesse decorado o caminho e tivesse acesso a todos os aposentos mais importantes do castelo, era aquele o que mais lhe atraía. Gael lhe tinha uma dívida e chegaria o dia em que a pagaria, só não sabia quando isso aconteceria.

Ajeitando-se, colocou um dos olhos no buraco e inicialmente não viu nada. Teria voltado aos seus aposentos, se não tivesse ouvido vozes. Manteve-se parada, esperando que Gael e sua companhia aparecessem.

Isso de fato não demorou muito a acontecer. Eudine arregalou os olhos ao notar uma mulher completamente nua, seguindo-o. Ele ainda mantinha suas vestimentas, mas a intenção explicita é que não as tivesse por muito tempo. Viu-o sentar-se na cama e fazer um gesto para a mulher. Ela se aproximou e colocou-se de joelho, engatinhando até se colocar entre suas pernas.

Eudine praguejou mentalmente por ter uma visão parcial da cena. Não que tivesse algum interesse no que se passaria ali, no entanto, saber de alguma fraqueza de Gael a ajudaria.

De onde estava era impossível ver o rosto da mulher. Porém, havia algo em seus movimentos que lhe era familiar e isso a incomodou mais do que aquilo que ela estava prestes a fazer para aquele homem.

Sem que houvesse qualquer palavra entre os dois, as mãos da mulher buscaram se livrar das calças dele. Assim que conseguiu, inclinou-se e sua cabeleira se perdeu nos meios das pernas do chefe de armas.

Eudine respirou fundo. Por que aquela cena a incomodava tanto? Talvez porque qualquer coisa relativa a Gael tivesse essa capacidade.

O chefe de armas era o homem de confiança do rei e, com o passar dos anos, solidificara a amizade que havia entre eles. Poderia se casar com qualquer dama que quisesse, pois o rei lhe dava aval para isso, contudo não o havia feito e talvez nunca o fizesse, pois não parecia alguém que se deixava levar por emoções. Apesar da feição sempre fechada, era um homem bonito, uma figura que se destacava entre os homens do rei. Seus cabelos de tom acinzentado faziam com que parecesse mais velho do que era, pois embora tivesse atingido a maturidade, era muito mais novo do que o rei.

Agora, pelo menos, Eudine entendia como ele conseguia viver sem a necessidade de uma esposa. Para que o vínculo, quando era possível matar suas vontades mais primitivas em seus próprios aposentos, a qualquer hora do dia, sem que ninguém sequer imaginasse.

Prestou atenção novamente à cena. Havia ali um tipo de dominação que não entendia. A mulher simplesmente fazia o que ele ordenava e, para isso, não era preciso que ele desse uma ordem sequer, bastavam gestos. Também não havia carinho.

Quando ele estava prestes a se satisfazer completamente, fechou os olhos e puxou a cabeça da mulher com força, prendendo-a junto dele, fazendo com que ela se debatesse um pouco, tentando se livrar.

Eudine engoliu em seco, enojada. Seu coração bateu mais rápido. Era aviltante ser tratada daquela maneira, por que ela simplesmente não reagia? Então, aos poucos ele foi diminuindo a pressão, soltando a mulher, deixando-a respirar. Ele deixou-a se afastar alguns centímetros, para num ato inesperado debruçar-se sobre ela e segurar-lhe pelos cabelos, puxando-a até que seu rosto ficasse inclinado em um ângulo que a pudesse beijar, sem dificuldades. Eudine soube exatamente que era a hora de sair dali; já tinha visto muito, por isso, retirou o olho da fresta. No entanto, a decisão durou apenas alguns segundos. Uma intuição fez com que voltasse à posição que havia abandonado.

Descobriu que esta foi a melhor decisão ao prestar atenção em um detalhe que havia lhe escapado: ao puxar a mulher, Gael a colocou em um ângulo coberto pelas frestas. Assim, sua curiosidade durou o tempo do beijo, pois, ao parar de beijar sua acompanhante, ainda puxando-a pelos cabelos, Gael revelou a quem pertencia aquele rosto: Lady Macge, ou simplesmente Avrill.

Rainha Negra (Somente Degustação)Waar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu