Capítulo 15

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Cuidado com o que deseja!



Havia se passado três dias. Ou o frio diminuíra ou Eudine havia se acostumado a ele. A verdade é que, pela primeira vez, conseguiu sair daquela habitação da qual só conhecera o interior. Ao empurrar a porta de madeira fora recebida com uma lufada de vento, mas ele não chegou nem perto de feri-la. Antes, foi como se a afagasse.

A visão que teve ao sair completamente foi ao mesmo tempo extasiante e assustadora. Teve a noção do quão alta era a montanha ao olhar a imensidão de terras que podia ver dali. Respirou pausadamente, pensando que talvez tivesse sido loucura ter ido até lá e que era um milagre estar viva.

— Está se arrependendo?— Igraine assustou-a ao tocar em seu ombro.

— Não, ainda não tenho motivos para me arrepender — Eudine virou-se e a encarou — Agora que estou me sentindo bem melhor, eu posso fazer o que vim fazer?

— Claro, nunca disse o contrário. Só queria que estivesse em posse das faculdades, principalmente as mentais, para que pronunciasse o que realmente quer. Isso alterará de um modo irreversível o seu destino.

— Tem repetido isso para me assustar? — Eudine observou-a, querendo notar algo em sua feição, sem sucesso.

Igraine riu.

— Você não se deixaria assustar, ainda que eu quisesse fazê-lo. Mas, a resposta é não. Não é a minha intenção. É meu dever avisar. O pedido, assim como a flecha atirada ou como o revezamento da lua e do sol, não anda para trás. Lembre-se, eu tenho o poder de conceder, não de desfazer.

— Eu já compreendi e já estou pronta para fazê-lo — Eudine declarou com segurança, pronta para pronunciar seu pedido.

Igraine a impediu com um gesto.

— Aqui não. E, antes que retruque olhe em volta Eudine e me diga o que vê.

Eudine impaciente fez o que lhe foi pedido.

— A imensidão. É o que vejo. Não tinha noção de que daqui seria possível ver tanta coisa.

— Eis a questão. Seus olhos podem ver a vastidão do lugar, mas não percebem que, além disso, há muita coisa. Imagina quantas pessoas há lá embaixo. Cada uma com seu ensejo, com sua vontade. É impossível que uma vontade exista sem influenciar a outra. Você não foi a única, nem será a última a vir aqui. No momento em que desejares, esteja ciente de que isso vai incidir na vida de outras pessoas. Geralmente, as vidas que lhe são mais próximas. Este é o verdadeiro preço. Se você está disposta a pagá-lo, então é hora de obter o que você quer.

Eudine ficou balançada com as palavras, porém, sua personalidade a impediu de voltar atrás em sua decisão. Tinha feito uma jornada até ali, não podia desistir agora.

— Sim, vamos lá.

Igraine seguiu na frente. Eudine foi com passos firmes atrás dela. Achou que fosse efeito de ter ficado algum tempo do lado de fora, mas o interior da habitação estava mais escuro. Os olhos da moça demoraram a se ajustar. Olhou os cabelos brancos de Igraine e estes pareceram brilhar no escuro, o que a fez pensar que talvez não estivesse tão bem quanto imaginava, pois cogitou que aquilo fosse resquício de alucinação.

Andando pela casa, Eudine se deu conta que, desde que chegara, estivera confinada a um dos lados da residência e entendeu onde Igraine ficava, quando não estavam juntas.

Igraine interrompeu sua caminhada e parou diante de uma porta pesada também de madeira. Mas, diferente das outras da casa, essa tinha um aspecto mais envelhecido e escuro. Além disso, havia uma inscrição: Verum voluntate.

Rainha Negra (Somente Degustação)Where stories live. Discover now