Capítulo 8 - História para adormecer

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Era sexta feira. Estava na sexta e última aula do dia. A professor Smith estava passivamente sentado na sua secretária a olhar “discretamente” por baixo dos óculos grossos que tinha pousados do nariz. Será que ele pensava mesmo que ninguém percebia que ele estava alerta? Ugh…

Olhei para o relógio pendurado uns largos centímetros acima do quadro verde, no qual ainda se escrevia a giz. Estava aborrecida e cheia deste silêncio sepulcral da ponta dos pés até à ponta dos cabelos. Tinha acabado o teste há alguns minutos e agora, a cinco minutos do fim da aula, o ponteiro do relógio parecia arrastar-se pela superfície branca do objeto como se para me irritar. Bem… estava a funcionar!

Concentra-te, Abby! O bom senso alertou na minha cabeça. Certo. Mais cinco minutos de atenção e estava livre da escola durante o resto do dia e o fim-de-semana – teoricamente. Infelizmente, já tinha trabalhos de casa marcados. Suspirando, reli pausadamente todas as perguntas e respectivas respostas. E, corrigindo um erro aqui e ali – mesmo que fosse de ortografia – o tempo passou num ápice e a campainha tocou. Mordendo o lábio, procurei reler o que faltava duas vezes mais depressa.

“Canetas pousadas.” Ordenou o professor. “Testes na minha mesa.” Nem um minuto depois, reparei que já pouco movimento havia na sala. Maldita geração dos alunos-demasiado-fixes-para-quererem-saber! “Abby, lamento. Vou ter de lhe retirar o teste.”

Passando avidamente os olhos pelas últimas três perguntas que restavam conferir, levantei-me e entreguei o teste. Depois, pegando na mala onde tinha já guardado o estojo, caminhei para fora da sala, despedindo-me educadamente do professor.

Nos breves minutos que haviam passado, já poucos alunos se encontravam por aqui. Podia ouvir os meus saltos baterem ritmicamente no pavimento azul escuro do corredor. Sorri para mim mesma ao aperceber-me de que até o meu andar parecia gritar palavras como “decidida” e “confiante”.

Eu não acho que era realmente alguma dessas coisas mas era exatamente isso que queria aparentar ser. Parando no meu cacifo, abri a porta com a chave que trazia na bolsinha de fora da mala e tirei todos os meus livros.

Suspirei ao ver uma foto de família que tinha estupidamente decidido colocar aqui dentro. O meu pai já lá não estava. E parecíamos felizes nesta fotografia que fora tirada alguns meses depois da sua morte. Mal sabíamos nós que mal nos livrássemos de um peso morto, iríamos deparar-nos com outro semelhante…

Mordi o lábio. Eu sei que não devia pensar assim do meu irmão. Mas ele tinha-se tornado numa espécie de clone do pai. Não era o meu pai, nem se parecia fisicamente com ele. No entanto, as maneiras, os hábitos e o estúpido vício estavam lá. Tal e qual…

Fechando o cacifo mecanicamente, virei-me e caminhei em direção à saída. Ou pelo menos, tencionava. Acabei por ir contra alguém, sem conseguir sequer dar dois passos. Wow! Este gajo com certeza não era um rapaz do oitavo ano. Olhei para cima.

Revirei imediatamente os olhos. Ugh! Claro que não… Era o Jason. Ele tinha-me segurado pela cintura para que não caísse para trás mas enquanto eu pensava que era apenas uma forma de se aproveitar da situação, era impossível negar a inocência inerente ao seu gesto. Tinha uma expressão de preocupação estampada no rosto. Talvez o dia não lhe tivesse corrido pelo melhor…

“Está tudo bem, Abby?” perguntou, levantando uma perfeita sobrancelha. Surpreendeu-me esta tão simples pergunta. Porque razão estava ele a perguntar-me isso? Hum… aposto que precisa de alguma coisa.

“Sim.” Atirei, afastando-me. “Estavas a espiar-me?”

“Uh… não.” Respondeu, procurando acompanhar os meus passos.

Peripécias da Vida de AbbyWhere stories live. Discover now