Capítulo 20 - Choque Terapêutico

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O meu irmão não estava em casa tal como esperava. A minha mãe estava a trabalhar e a minha irmã estava na escola. Caminhando lentamente para o centro da sala, deixei cair a mala no chão, as chaves na mesa de centro e olhei em volta.

Não é que houvesse alguma coisa para ver numa casa onde as coisas não eram nada de incomum e as cores eram apenas uma mistura monótona de castanhos, brancos e lilás. A verdade é que não estava a ver nada e, de repente, os meus olhos ficaram um tanto baços.

Imediatamente correndo para o andar de cima tal como se um alarme tivesse irrompido o silêncio sepulcral da moradia, fechei a porta do meu quarto e tirando a roupa pelo caminho, corri para a casa de banho e abri a água do choveiro.

Eu nunca chorava realmente. Eu não. A água que me escorria pelo rosto era apenas a água que caía sobre mim – ou pelo menos eu convencia-me de que era e isso era o suficiente para me fazer sentir um pouco melhor.

A água estava quente, envolvendo todo o meu corpo e fazendo-me entrar num estado de pacífica satisfação que era demasiado efémero para que sentisse qualquer alívio. Passando levemente a língua pelos lábios, bebi as pequenas gotas de água que lá repousavam e até elas, que eram supostamente insípidas, pareciam saber melhor do que qualquer pensamento que tivesse na minha mente.

O meu cérebro estava a levar-me à loucura à medida que as palavras pareciam lançar-se a mim de todas as direções e eu permanecia ali, incapaz de impedir que chegassem aos meus ouvidos e ao meu peito.

Será que a tinha mesmo magoado daquela maneira?

Eu nunca devia ter tocado nela! Não ali. Não perante os olhares indiscretos das pessoas do café. Não perante os olhares das pessoas que mais gostava. Elas nunca me deviam ter visto tão fora do controle.

A imagem do Jason a afastar-me e para confortar a Cara passou incessantemente na minha cabeça. A cada segundo a memória parecia deixar-me mais frustada. Passei a mão pelos cabelos. Por que razão estava eu a reagir assim?! Quem se importa se ele gosta dela?

Abanei a cabeça, procurando afugentar o nome dele da minha mente e, depois, deparei-me com as palavras insensatas da Cara. Essas, não consegui afastar.  

“Sei que o teu irmão não passa de um idiota que passa os dias a beber e que tu não passas de uma cabra que não se podia estar mais nas tintas para isso! Não é o suficiente?! Uh?” Cobri os olhos com a palma das minhas mãos. Como é que ela fora capaz de dizer aquilo?!

Eu não estava! Eu não me estava nas tintas! Deus, como poderia eu estar se eu o amava? Como poderia eu estar se ele era o meu irmão? Mas talvez… talvez eu não fizesse o suficiente porque lá no fundo, eu não fazia nada.

Por um segundo, deixei a minha mente acreditar que talvez ela estivesse completamente certa. Talvez a cabra fosse eu. Porém, não era idiota o suficiente para pensar que podia salvar o dia e pôr a vida do John finalmente nos trilhos. Eu era só uma rapariga. Como podia eu ajudá-lo?

Como se trazem cores à vida de alguém que opta apenas por vê-la num cinzento monocromático? Como podia eu interferir em decisões que não me competiam? Como podia fazer alguém voltar à vida sóbria quando esse alguém não estava disposto a apegar-se às suas memórias por um período de tempo superior a cinco horas?

Como?

Ocorreu-me que talvez pudéssemos interná-lo numa clínica de reabilitação. Talvez pudéssemos… mas não. Nós não podíamos. Eu sabia que essas merdas eram caras. Demasiado caras. Não era uma opção para os nossos bolsos.

Se eu fosse trabalhar talvez… Suspirei. A débil solução foi imediatamente demolida. Eu sabia que seria inútil. Fosse qual fosse o emprego que encontrasse, jamais renderia o valor necessário para internar o John. Nem juntamente com o salário miserável que ganhava a minha mãe.

Peripécias da Vida de AbbyWhere stories live. Discover now